A Agente Vermelha

A Agente Vermelha, em análise

A Agente Vermelha é um thriller de espionagem faustoso e provocador, que acaba por tropeçar na sua própria vaidade, valendo-lhe uma J. Lawrence de altíssimo calibre.

Hollywood sempre foi frutífera em filmes de espionagem, não estivéssemos a falar da profissão mais antiga do mundo. E quando falamos em espiões, a cultura cinematográfica concede à nossa mente apenas um nome consensual: James Bond. A figura masculina encabeçou sempre as fileiras destes eloquentes enredos conspirativos que qualquer governo negaria publicamente. Mas, A Agente Vermelha, não será a exceção à regra máscula, podemos já afiançar, não sendo mais que um pretexto ordinário de frivolidades sexistas sem conteúdo humanamente significativo. Baseado na obra homónima do aposentado operacional da CIA Jason Matthews, a trama chama Dominika Egorova (Jennifer Lawrence) à colação, uma prima ballerina do Teatro Bolshoi, que é recrutada pelos Serviços Secretos Russos (SVR).

Sem contemplações, F. Lawrence é duro, frio e calculista (…) expondo J. Lawrence quase ao limiar da censura.

O motivo? Identificar um agente duplo infiltrado na mais alta hierarquia do Kremlin. A premissa não poderia estar mais esgotada, desde os tempos raposos da Guerra Fria, em que a antiga União Soviética vivia obcecada com a ingerência na política doméstica dos estados soberanos. Mas a falta de originalidade do guião adaptado e reescrito por Justin Haythe, não se confunde só com a história mundial, pede emprestadas aquelas sabrinas de espia que Greta Garbo havia calçado em Mata Hari de 1931.

A Agente Vermelha

Assim, com um enredo a suplicar por um novo passaporte de identidade, o cineasta austríaco Francis Lawrence (Os Jogos da Fome), bem tenta empurrar o envelope para fora da sua vulgaridade, apressando-se desde logo em assinar a tela com esguichos de púrpura viscerais e repentinos, num modus operandi nada ortodoxo. E, porventura, estaremos a ser meigos com as palavras, já que o gore em cena roça o insuportável. E é numa toada pausadamente desconfortável, que teremos de engolir a seco o calvário físico e psicológico de uma mulher instrumentalizada para se vender em nome do seu país, da forma mais letal possível. Sem contemplações, F. Lawrence é duro, frio e calculista nessa abordagem, sujeitando o seu apelido gémeo a um dos papéis mais extenuantes alguma vez atirados a uma atriz, expondo J. Lawrence quase ao limiar da censura.

A intriga redigida por Hayte reúne todos os condimentos de um clássico da espionagem, mas deixa-se emaranhar nas duplicidades do seu próprio jogo.

Despojada da sua carreira no famoso palco de ballet, Dominika é coagida pelo seu tio Vanya Egorov (Matthias Schoenaerts) a ingressar na “escola da vida”, sob pena de não conseguir pagar os tratamentos da sua mãe doente. Nepotismo na sua forma mais esclavagista, apraz-nos dizer. Agora, propriedade estadual, é treinada na arte da sedução por uma instrutora rígida e impiedosa, que se faz respeitar pela alcunha de Matrona (Charlotte Rampling). Curiosamente, as antigas Matronas romanas eram senhoras de elevado status e moralidade, algo que aqui não encontraremos, certamente. Mas seremos bem elucidados quanto às agruras dos impulsos mais sórdidos e primitivos do ser humano, guiados pelas palestras magistrais de uma C. Rampling divinamente libidinosa: “Todo o ser humano é um enigma de necessidades. Cabe a cada um ser a peça em falta, e eles dir-vos-ão tudo o que quiserem”.

Graduada na mestria de iniciar e finalizar qualquer conversa com o corpo, Dominika renasce agora na pele de uma femme fatale com o cognome Katya, que bem podia ser Nikita, e embarca para uma suposta Helsínquia filmada em Budapeste. Aqui, Katya é instruída pelo seu tutor a estabelecer contacto com um agente americano no terreno de nome Nash (Joel Edgerton), fazendo-se valer de toda a sua astúcia curvilínea na obtenção da identidade do suposto informador infiltrado. A intriga redigida por Hayte reúne todos os condimentos de um clássico da espionagem, mas deixa-se emaranhar nas duplicidades do seu próprio jogo. Extrapola-se num bipolarismo cru e sujo de cenas mórbidas, que trocam com a monotonia sentimental de diálogos arrussados, nesta tentativa forçada de F. Lawrence tentar retratar o lado menos glamoroso  da vida de um espião. E embora tenhamos set-pieces superiormente coreografadas em cenários ricos e contrastantes, a abordagem mais old-school do realizador com uma filmagem mais estática e formal, acaba por prejudicar a cadência das mesmas. Mas não iremos tão longe ao afirmar que Red Sparrow seja um mau filme, digamos que a sua execução deixa algo a desejar.

A Agente Vermelha, não será a exceção à regra máscula (…) não sendo mais que um pretexto ordinário de frivolidades sexistas sem conteúdo humanamente significativo.

Em compensação, Jen Lawrence dá tudo o que tem e o que não tem, e também tira tudo o que tem. De facto, ela mata-nos com o seu olhar felino e deixa-nos embasbacados com a sua endurance ao longo de um filme tão lento e àspero. Em tandem com uma atuação bastante sólida de um Joel Edgerton voluntarioso e protetor, é caso para dizer que os espiões de serviço atingem high marks em matéria de spycraft. Mas Matthias Schoenaerts e Jeremy Irons merecem igualmente uma medalha de honra pelas suas valiosas intervenções, injetando uma aura vilanesca e um certo humor negro à cartilha dramatúrgica, nem que seja para pintar aquele quadro maniqueísta de uma Rússia pecadora e uma América angelical. Uma conceção errada, especialmente no contextual atual, diga-se, mas parece que os EUA não perdem uma oportunidade para dar uma alfinetada nos camaradas de Moscovo.

 A Agente Vermelha poderia ter sido uma fita memorável, mas tenta demarcar-se em demasia do lado romântico da espionagem, excedendo-se no grau de violência ao tentar ser realista. Algures, vai-se perdendo em derivações secundárias que empancam a fluidez dos eventos principais, minando, por vezes até de uma forma desajeitada, o que seria o clímax perfeito da narrativa. Assim, ficamo-nos por uma experiência agridoce, salva por atores de excelência e uma trilha sonora negra e elegante, que nos leva até à meta final com algum custo.

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A Agente Vermelha
A Agente Vermelha

Movie title: Red Sparrow

Movie description: Dominika Egorova é muitas coisas: Uma filha dedicada e determinada a proteger sua mãe a todo custo; Uma bailarina excecional cuja competitividade forçou o seu corpo e mente até ao limite; Uma especialista em sedução e combate. Quando ela sofre uma lesão que põe fim à sua carreira, Dominika e sua mãe enfrentam um futuro sombrio e incerto. Por esta razão ela acaba por ser facilmente manipulada, tornando-se a mais nova recruta duma agência dos serviços secretos que treina jovens excecionais como ela para usar seus corpos e mentes como armas. Depois de suportar todo o treino perverso e sádico, ela revela-se a mais perigosa agente que o programa já produziu. Dominika terá que conciliar a pessoa que era com o poder que agora detém, com sua própria vida e com todos aqueles com que se preocupa, incluindo um agente americano da CIA que tenta convencê-la de que ele é a única pessoa em quem pode confiar.

Date published: 5 de March de 2018

Director(s): Francis Lawrence

Actor(s): Jennifer Lawrence, Charlotte Rampling, Jeremy Irons, Joel Edgerton

Genre: Drama, Thriller, Espionagem

  • Miguel Simão - 69
  • Luís Telles do Amaral - 70
  • Rui Ribeiro - 90
  • Daniel Rodrigues - 49
  • Inês Serra - 65
69

CONCLUSÃO

A Agente Vermelha falha o seu alvo, atirando ligeiramente ao lado. Tem o vento a favor, a roupagem, os especialistas, a sonoridade, mas pensa em demasiadas ideias e perde o foco.

O MELHOR – Jennifer Lawrence é simplesmente hipnotizante.

O PIOR – Enredo sobretrabalhado, inconsistente e longo; ritmo excessivamente lento; sotaque russo algo forçado; exageradamente explícito.

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