Berlinale 67 (dia 1): ‘Django’: jazz e guitarradas sem brilho

‘Django’ do francês Etienne Comar, abriu o festival e a competição e não é apenas um biopic sobre o grande guitarrista de jazz. Trata-se de um filme sobre a ocupação da França, a II Guerra Mundial e a perseguição nazi aos ciganos, algo de certo modo inédito no cinema.

O activismo da Berlinale não podia mais uma vez ficar de fora da abertura da sua edição 67. Por isso Django é um ‘biopic’ em parte ficcionado, sobre o grande guitarrista de jazz nascido na Bélgica (1910-1953), de etnia cigana, que numa altura do seu ascendente como músico, em plena II Guerra Mundial, vê-se perseguido pelos nazis, e vai depois em defesa dos seus irmãos de etnia.

Django
O músico numa fotografia da época.

Em termos de cinema Django, de Etienne Comar é um filme que acrescenta muito pouco, não polemiza, não contradiz e não é uma realização do outro mundo — o argumento até é um pouco confuso — e trata-se apenas de um filme igual a muitos outros que não merecia estar nesta competição, quanto mais na abertura. É fraquinho!

Em 1943 durante a ocupação alemã da França, o guitarrista e compositor Django Reinhardt (Reda Kateb) encantava as noites parisienses, incluindo os nazis ocupantes, com o seu vigoroso ‘swing cigano’. Enquanto Django brilhava nos palcos e nos clubes noturnos, acompanhado da orquestra do Hot Club de França, o povo de etnia cigana era alvo de uma perseguição racista e exterminado barbaramente nos seus lugares ou campos de concentração. Django até se sentia seguro graças à sua popularidade como músico, até que os agentes da propaganda nazi exigem que ele faça uma tournée na Alemanha e que sobretudo vá a Berlim tocar diante de Goebells e Hitler, a fim de contrariar a influência da música negra dos EUA.

Django
Uma boa interpretação de Reda Kateb.

Django Reinhardt recusa-se e acaba igualmente perseguido, até que uma das suas admiradoras parisienses (Cecile de France) acaba por ajudá-lo, à sua esposa grávida e à sua velha mãe a esconderem-se numa aldeia perto da fronteira suíça. É aqui Django vai-se encontrar com os membros da sua extensa família e foge para a Suíça, com os nazis nos seus calcanhares.

Django não é um mau filme — a banda sonora original até é muito boa — mas a grandiosidade do músico e do homem, não ficam inteiramente espelhadas nesta obra pouco inspirada do estreante realizador Etienne Comar, que tem trabalhado habitualmente como argumentista. O filme foi mesmo recebido com alguma frieza, apesar das suas boas intenções e oportunidade devido à crise de refugiados na Europa.

O filme arranca bem na primeira meia hora e depois vai-se abaixo até à sonolência, para depois voltar crescer novamente no final. Mas é muito desigual e disiquilibrado. Como obra vale sobretudo devido à  perfeita interpretação de Reda Kateb — assenta numa extraordinária imitação da gestualidade e mimetização do  verdadeiro Reinhardt, quando toca — no papel de Django, e igualmente graças à sensação de duplicidade e mistério criados por Cecile de France, que interpreta muito bem uma bela patrona das artes e amante de Django, que tem amizades bastante dúbias entre a Resistência Francesa e a colaboração nazi.

Django
Uma boa parte do elenco são actores não profissionais e músicos.

É pena que se tenha perdido uma boa oportunidade para falar e dar a conhecer melhor um grande músico, mas o filme vale pelo menos pelo facto de abordar o tema da intolerância, racismo e sobretudo o ‘holocausto cigano’, ao que me recorde tem sido pouco tratado no cinema. No entanto, a Berlinale 67 merecia uma abertura mais nobre e consistente com o seu prestígio, nem que fosse com um filme fora da competição oficial.

JVM em Berlim

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