Boyhood – Momentos de uma Vida, em análise

 

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 FICHA TÉCNICA

  • Título Original: Boyhood
  • Realizador: Richard Linklater
  • Elenco: Ethan Hawke, Ellar Coltrane, Patricia Arquette
  • Género: Drama
  • NOS | 2014 | 165 min

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Escrito e realizado por Richard Linklater, o ambicioso projeto levou o ávido realizador a filmar uma história ao longo de 12 anos (traduzidos em 45 dias de filmagem), e que nos permitiu assistir ao crescimento figurativo e literal do seu protagonista Ellar Coltrane à frente dos nossos olhos – inspirando-se, quem sabe, no génio de François Truffaut quando decidiu acompanhar a vida de Antoine Doinel ao longo de cinco filmes.

No caso de Linklater, começou a filmar o jovem ator com apenas 6 anos e terminou quando este tinha acabado de completar os 18. Todos os anos, gravava cerca de 15 minutos de filme, montando e compilando pelo caminho. Tudo se junta, numa miscelânea de momentos com alma de álbum fotográfico de uma forma que é difícil de descrever. O efeito é absolutamente esmagador na sua simplicidade.

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Entre 2002 e 2014 seguimos a vida do jovem Mason e a sua família, que inclui a impertinente irmã mais velha e o par de pais divorciados, à medida que crescem nos enormes mas (cinematograficamente) tão raros desafios quotidianos e nas diferentes casas que tornam suas, ano após ano.

Com lealdade aos factos, BOYHOOD é um drama ficcionado e narrativo, mas desenrola-se com a verdade pungente de um documentário. Uma obra-de-arte na acumulação de detalhes, e um fascinante exercício no ato de mostrar em vez de contar. O homem que se especializou no formato das “histórias passadas num único dia” alonga os limites do seu engenho para criar algo único e sem precedentes, tanto para a audiência como para si mesmo.

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É a soma de uma carreira singular, a culminação de tudo o que tentou alcançar, fundindo a sensibilidade independente e livre que emprestou às suas primordiais odisseias diárias dedicadas ao caos organizado da juventude (SLACKER e JUVENTUDE INCONSCIENTE) à precisão da reflexão e da exposição verbal tão elegantemente exercitada na trilogia ANTES DE AMANHECER/ANOITECER/MEIA-NOITE, numa poderosa evocação simultânea do que significa pertencer a uma família e crescer, edificando a cada passo uma pequena parte daquilo que virá a ser a nossa identidade. Todavia, não é apenas um estudo sobre a infância e o desenvolvimento humano, mas também dos rigores e vicissitudes da vida adulta.

Mas BOYHOOD não é uma experiência valerosa apenas pela sua natureza estrutural e de produção inovadora – o que aqui temos é também um baú de riqueza cultural inestimável para a geração que cresceu durante o séc. XXI, marcando-se a passagem do tempo com as respetivas deixas temáticas e temporais para nos guiarem subconscientemente: quezílias políticas nas presidências de Bush e Obama, tecnologias primitivas que se transformam em experiências de alta-definição, modas culturais e canções em voga, tudo tão marcado e essencial como o amadurecimento facial e desenvolvimento de cortes de cabelo do elenco. Estas referências não funcionam como um dispositivo de nostalgia barata, mas compõem um ambiente – e não somos nós o produto do nosso ambiente?

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É dolorosamente fácil descartar BOYHOOD, como um filme simplista, sem um propósito particular ou uma conclusão épica, como que em modo fast-food, pronta a deslindar o nosso lugar no mundo, tanto como seres individuais, como pertencentes a uma realidade social.

Mas a crua verdade é que a vida – a nossa vida – não se resume a epifanias no topo de uma montanha com a banda sonora perfeita, ou a uma frase floreada criada para tatuar no corpo. A vida é uma série de desafios quotidianos, ao longo dos quais crescemos e aprendemos, apenas para descobrir que há por aí muito mais do que poderíamos imaginar. Momentos impactantes ou não, que ora nos confundem, ora nos asseguram que este é o nosso lugar.

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A vida não é os enredos de Hollywood, ou as letras delirantes de uma banda indie, ou as linhas embriagadas de sonho de um qualquer bestseller. A vida é o primeiro dia de escola. O corte de cabelo que nos envergonha. A discussão matinal com a mãe. As regras chatas do pai. A irritação dos irmãos. As manhãs para faltar à escola. A canção do Verão. A festa secreta com os amigos. A cerveja clandestina. As experiências proibidas. As conversas de circunstância. As batatas fritas no bowling. Os concertos com os amigos. As férias com a família. O primeiro amor. A aventura da universidade. O primeiro emprego. O entusiasmo. O aborrecimento. A dúvida. A certeza. A nova dúvida. O começo. O recomeço.

E a vida – a nossa vida – está escarrapachada em BOYHOOD.

 

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