Venice Sala Web | Franca: Chaos and Creation, em análise

Franca: Chaos and Creation é uma comovente homenagem do cineasta Francesco Carrozzini à sua mãe, a fantástica Franca Sazzoni, que é a editora chefe da Vogue Itália. Este e outros filmes do Festival Internacional de Veneza estão, de momento, disponíveis online no site do Festival Scope.

Franca: Chaos and Creation

Nas últimas três décadas, Franca Sozzani tem marcado e redefinido o mundo da moda a partir da sua posição como editora chefe da Vogue Itália. Apesar de ter praticamente inventado a revista de moda moderna, Sozzani nunca seguiu os paradigmas vigentes, tentando sempre ir mais longe e estilhaçar quaisquer convenções que estivessem no seu caminho. Esta abordagem ousada valeu-lhe tanto sucesso como controvérsia, sendo que várias edições da Vogue feitas sob o seu comando constituem algumas das mais polémicas na história da publicação, incluindo editoriais inspirados no desastre da plataforma petrolífera Deepwater Horizon, casos de violência doméstica e até na presença militar americana no Médio Oriente.

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Com uma carreira desta magnitude e tendo em consideração a crescente popularidade de documentários sobre moda, seria fácil prever que Franca Sozzani seria a escolha ideal para um filme. Ou seja, não há nada de surpreendente na conceção inicial de Franca: Chaos and Creation, mas o mesmo não se pode dizer a respeito do cineasta que assina o projeto. Dizemos isto, pois Francesco Carrozzini é o filho de Sozzani e esse fator não é apenas um detalhe do behind the scenes, mas sim a força motriz por detrás de todo a construção do filme que é, de modo admitido, uma homenagem de um filho á sua extraordinária mãe. Basta vislumbrarmos o início, onde citações, uma cena do Prova de Morte de Tarantino, uma montagem de fotos da Vogue Itália e fragmentos de vídeos caseiros se conjugam de modo sequencial, para percebermos que estamos perante uma enaltecida celebração de Franca Sozzani e não de um estudo intelectual sobre o seu trabalho, legado ou personalidade.

Franca: Chaos and Creation

Já chegaremos aos limites desta abordagem, mas antes convém referir quais as qualidades que germinam especificamente da relação familiar entre Franca e o seu realizador. Um dos exemplos mais óbvios é, sem dúvida, o repartee entre mãe e filho, que traz a todo o projeto uma qualidade íntima normalmente ausente em semelhantes documentários. Quando os dois discutem durante as suas entrevistas, Franca: Chaos and Creation ganha uma natureza quase voyeurística, como se estivéssemos a presenciar momentos íntimos da relação destes dois indivíduos e não uma entrevista convencional.

Isso resulta em momentos bastante surpreendentes e inesperados que injetam uma necessária vitalidade num filme que padece de uma estrutura demasiado básica e segmentada. Um desses momentos de valor mostra-nos como as respostas das entrevistas já foram previamente escritas e como Franca, para muita irritação do seu filho, está sempre a fugir ao guião, preferindo desdobrar-se em passeios pela sua memória que são tudo menos sucintos. Noutra cena semelhante, vemos Franca a fazer uma revelação não planeada a Francesco, que aparentemente não sabia que, aquando da gravidez da mãe, o seu pai estava casado com outra pessoa. Por um lado é difícil aceitar este tipo de drama, mas há que admitir como a incredulidade do cineasta parece genuíno e como, segundo o que o filme nos mostra, essa atitude é bastante coerente com a forte personalidade da mulher em questão.

Franca: Chaos and Creation

Mas, como já foi dado a entender, esta abordagem ao projeto através do prisma do amor filial tem os seus problemas, nomeadamente a falta de vontade que o realizador demonstra em questionar o seu objeto de estudo. Ao longo da curta duração desta longa-metragem são várias vezes levantadas questões sobre os polémicos trabalhos de Franca e sobre a sua relação antagónica com o establishment das publicações de moda, mas Carrozzini nunca se empenha em explorar nenhuma dessas possíveis complexidades, preferindo sempre descartar isso em prol de uma apologia do génio inquestionável da sua mãe. Isto não é uma sugestão que o trabalho de Franca não é importante ou genial, mas, para uma mulher que veio a criar tantos debates acesos ao longo da sua vida profissional, o seu filme é bastante desinteressado nesse aspeto fulcral do seu legado. O mais notório exemplo deste corrosivo desinteresse acontece quando é mostrado um excerto de uma entrevista televisada acerca do editorial baseado no desastre ambiental no Golfo do México. Aí, ouvimos um jornalista perguntar o que Franca pensa sobre as acusações que apontam para o seu trabalho como uma trivialização e capitalização de tragédias sérias. Ouvimos a pergunta, que ilustra a polémica, mas nunca assistimos à resposta de Franca.

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Para além de tais questões ideológicas, Franca: Chaos and Creation está ainda doente com um mal muito mais indefensível que é a sua displicência visual. Como é que um filme sobre uma iconoclasta tão importante como Franca Sozzani pode ser filmado com tão pouco cuidado estético ou ousadia formal? Apenas o trabalho fotográfico coordenado por Franca traz alguma energia visual ao filme, mas, mesmo assim, isso não é suficiente e a mediocridade do projeto acaba por sufocar algum do mérito das obras em exposição. No final, Franca: Chaos and Creation é um documentário fascinante que, no entanto, deve todo o seu sucesso, única e exclusivamente, à magnificência da mulher no seu centro e não a nenhum género de trabalho cinematográfico.

Franca: Chaos and Creation

O MELHOR: Os momentos acima evidenciados são maravilhosos, mas, de um modo geral, é óbvio que a melhor componente de Franca: Chaos and Creation é a própria Franca Sazzoni, seu génio e a sua poderosa presença.

O PIOR: A falta de ambição estética ou formal do projeto que, em termos puramente cinemáticos, é um documentário biográfico bastante convencional.


 

Título Original: Franca: Chaos and Creation
Realizador:  Francesco Carrozzini
Elenco: Franca Sozzani, Bruce Weber,  Donatella Versace, Baz Luhrmann, Naomi Campbell
Festival Scope | Documentário, Biografia | 2016 | 80 min

Franca: Chaos and Creation

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