Guarda in Alto

11ª Festa do Cinema Italiano | Guarda in Alto, em análise

Guarda in Alto” é uma aventura bizarra pelos telhados de Roma e provavelmente o filme mais deliberadamente irracional dentro da secção competitiva da 11ª Festa do Cinema Italiano.

Todos precisamos de alguma fantasia, absurdo e pura irracionalidade nas nossas vidas. Pelo menos, essa parece ser a opinião do cineasta italiano Fulvio Risuleo, que assina com “Guarda in Alto” a sua primeira longa-metragem de ficção. Não que, verdade seja dita, a abertura do filme prepare bem o espectador para o tipo de insanidade que Risuleo concebeu para a restante narrativa. Pelo contrário, a abertura do filme é talvez a sua mais elegante passagem, consistindo num plano filmado numa estrada romana ao amanhecer, quando o sol ainda não nasceu e o céu brilha azulão.

O ângulo contra-picado e as silhuetas de candeeiros, prédios e aquedutos distorcem a realidade urbana, conseguindo o simples ato de olhar para cima distorcer o banal até aí florescer algo fantástico, quase onírico. A câmara flutua e nós com ela somos embalados, como se o cineasta nos estivesse a induzir num sono cinematográfico, para nos deixar entrar no seu sonho mirabolante. Nenhuma outra imagem no resto de “Guarda in Alto” possui o mesmo tipo de subtil elegância e beleza lírica desses instantes introdutórios, no entanto essa qualidade sonhadora permanece inalterada.

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“Alice no País das Maravilhas à Italiana”

Tais comparações entre um filme fantasioso e a natureza do sonho humano são enormes clichés da crítica cinematográfica generalizada, mas, por vezes, encontramos obras como “Guarda in Alto”. Aqui, tal lógica parece ser exigida a pés juntos pelos próprios cineastas, desde um ponto de vista textual até ao modo como os atores são dirigidos. Tentando evitar esse cliché do filme onírico, talvez outra boa maneira de descrever a loucura que se desenrola ao longo da narrativa irracional do filme seja “Alice no País das Maravilhas à Italiana”, onde ao invés de Tweedledee e Tweedledum temos um par de gémeos alemães decididos a promover o nudismo urbano nos telhados da capital Italiana.

Neste caso, o papel de Alice é interpretado por Teco, um jovem que trabalha numa pastelaria romana e que, certa manhã durante uma pausa para fumar, testemunha a queda aparatosa de uma gaivota com uma forma de voar muito peculiar. Decidido a encontrar o animal caído, ele aventura-se pelos telhados interligados ao edifício da pastelaria e vai-se assim enveredando pelo estranho mundo escondido por cima da capital italiana. Primeiro, ele depara-se com o pássaro, um robot aparentemente energizado por relíquias católicas e construído por grupos de freiras misteriosas. A isso segue-se um encontro com uma menina casada com um galo e a descoberta de toda uma sociedade secreta de crianças mascaradas e lideradas por uma estranha figura muda com planos para conquistar a lua.

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Assim se vai desdobrando esta insana aventura, com o nosso explorador de telhados a oscilar entre reagir ao fantástico com uma apatia improvável que o faz parecer um sonâmbulo ou pequenas doses de espanto. Pelo caminho, ele vai-se deparando com situações e figuras cada vez mais bizarras, mas nenhuma deixa maior impacto nele que uma mulher francesa que, após um desentendimento com o namorado, se atira do balão de ar quente onde voava e aterra de para-quedas nas proximidades de Teco. Outro realizador talvez tivesse desenvolvido um romance enlouquecido entre Teco e a estrangeira, mas tanto Risuleo como os seus atores parecem mais interessados em preservar a irracionalidade do filme do que a se deixarem cair em fórmulas narrativas previsíveis. Se há algo que “Guarda in Alto” não é, é previsível.

Isso é tanto uma bênção como uma maldição, sendo que o texto escrito por Risuleo e  Andrea Sorini ocasionalmente ultrapassa os limites da fantasia anárquica e deliberadamente sem sentido, revelando-se como uma quimera de ideias indisciplinadas. Tal fragilidade apenas se torna em algo preocupante depois do sol se por e de Teco e sua companheira gálica se terem embebedado, quando a própria energia da narrativa parece começar a esmorecer. Felizmente, “Guarda in Alto” volta a ganhar potência no seu último capítulo, mesmo que isso implique uma explicação chapada dos seus temas principais. Pelo menos, tal explicação é seguida pelo mais bizarro lançamento de um foguetão na história do cinema italiano.

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“Se há algo que GUARDA IN ALTO não é, é previsível.”

Com tudo isso dito, falta referir como Risuleo dá expressão visual a este seu mundo escondido nos telhados de Roma e, por muito estranho que isso possa parecer, a resposta parece apontar para a escolha de uma estética realista com toques de fantasia executados do modo mais artesanal possível. Em suma, o mundo explorado por Teco nunca parece ser muito credível, mas é paradoxalmente portador de grande tatilidade e peso, nem que seja pelo modo como o realizador e companhia dão uso magistral à confusão arquitetónica de Roma e sua mistura de apartamentos modernos, ruínas clássicas, opulência renascentista e muito mais. Só mesmo a montagem e a fotografia trespassam alguns passos em falso, refletindo um certo amadorismo e o tipo de indisciplina que também se faz sentir no argumento.

 

Guarda in Alto, em análise
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Movie title: Guarda in Alto

Date published: 9 de April de 2018

Director(s): Fulvio Risuleo

Actor(s): Giacomo Ferrara, Aurélia Poirier, Lou Castel, Ivan Franek, Emilio Gavira, Michele de Filippis, Giuseppe de Filippis, Alida Baldari Calabria

Genre: Aventura, Fantasia, Comédia, 2017, 90 min

  • Cláudio Alves - 65
65

CONCLUSÃO

“Guarda in Alto” é um filme imaginativo e louco, portador de um argumento profundamente imprevisível e apresentando ao espetador um mundo mirabolante que parece ter saído de um sonho dos cineastas.

O MELHOR: A utilização dos telhados romanos como lugares de passagem para dimensões de fantasia onírica.

O PIOR: O uso de slow-motion durante uma cena em que Teco é perseguido por freiras é um deslize estilístico perturbador e imperdoável na sua incoerência com o resto do filme.

CA

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