BILL SKARSGARD é o terrível Pennywise

IT, em análise

A primeira adaptação cinematográfica de IT, o clássico literário de Stephen King, é o fenómeno de que se fala. Mas será verdadeiramente revolucionário?

Há poucos dias, o enfant terrible canadiano Xavier Dolan (Mamã, 2014) professou nas redes sociais a sua admiração por IT, proclamando-o como o seu filme favorito do séc. XXI e um exemplo determinante daquilo que o entretenimento deve ser (e tão raramente é).

Não vamos tão longe – e já trataremos de avaliar IT em todas as suas mais positivas valências e mais graves faltas – mas talvez não seja desprovido de sentido enquadrar a adaptação de Andy Muschietti do romance macabro de Stephen King no contexto cinematográfico atual: a pompa e a circunstância com que surge este “renascimento” de Pennywise tem muito que ver com a francamente débil performance e qualidade parca dos “grandes blockbusters” do ano. Sobrou, portanto, para o género lateral e tantas vezes preterido do terror a tarefa  de deixar a sua marca num ano que vem confirmar aquela que pode muito bem já ir sendo chamada da “Era de Ouro” do género.

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Como líder do Losers’ Club, Jaeden Lieberher é uma revelação.

Em meses corridos, enfiam-se debaixo da pele Vida Inteligente, Alien:Covenant, Annabelle 2 ou o irrepreensível Corre – já considerado, por si, um dos melhores filmes do ano.

Chegamos então ao ponto em que “horror is the new black”, e o já fenómeno em estado de graça IT só vem preencher ainda mais esta tendência sangrenta (e sedenta) da prossecução das taquicardias pontuais na sala de cinema.

Deixemo-nos flutuar pela ordem dos procedimentos: no final dos anos 80, e após o desaparecimento misterioso de algumas crianças na cidade de Derry, um grupo de pré-adolescentes é confrontado com os seus maiores medos quando inicia um confronto com o maquiavélico palhaço Pennywise, cujo historial de crimes e violência tem origem há séculos.

Estilhaçando o record de Deadpool para a melhor estreia de um filme de rating R, IT é uma interpretação corajosa, intensa, ora inesperadamente divertida, ora maravilhosamente aterrorizadora da ópera de terror de mais de 1000 páginas. Há alterações, certamente, mas a adaptação de Muschietti traduz tanta do macabro putrefacto da história original que acaba por se tornar, quiçá, numa das adaptações de Stephen King mais… à Stephen King.

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Jaeden Lieberher, Wyatt Oleff, Jeremy Ray Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Jack Dylan Grazer e Chosen Jacobs formam um núcleo de protagonistas irrepreensível!

Alterando o background dos acontecimentos dos anos 50 para os anos 80, Muschietti e companhia aproveitam – e bem – a exumação da cultura pop levada a cabo pelo fenómeno de Stranger Things (cujos criadores admitiram, por sua vez, ter bebido muita inspiração do clássico de Stephen King e na respetiva adaptação televisiva dos anos 90 protagonizada por Tim Curry). E também à semelhança da série de sucesso da Netflix, IT centra a sua alma num adorável grupo de desajustados que é, sem dúvida ou receio, a força nuclear que move o seu sucesso.

Criar contexto e backstory para todos eles edificando-os como heróis a seguir e não meras vítimas não é fácil, mas rapidamente Muschietti percebeu que esta deveria ser sempre a sua prioridade se quisesse criar uma obra verdadeiramente ressonante. E fê-lo surpreendentemente bem com a ajuda de um casting brilhante dos sete magníficos: Jaeden Lieberher, Finn Wolfhard, Chosen Jacobs, Jeremy Ray Taylor, Wyatt Oleff, Jack Dylan Grazer e Sophia Lillis – e se não conhecias a maior parte deles, podes crer que ainda vais ouvir falar destes prodígios.

Do outro lado da barricada, e uns furos mais perto do Inferno, Bill Skarsgård cria um Pennywise manifestamente diferenciado da interpretação icónica de Tim Curry e isso é bom. De um momento para o outro saltita entre uma energia estranhamente amistosa e quase inocente para uma brusquidão tortuosa e verdadeiramente aterrorizando sendo particularmente capaz de trabalhar a sua linguagem corporal a um extremo quase desconfortável, tanto mais forte quanto mais se esconde nos cantos enegrecidos do ecrã, onde mal lhe distinguimos as feições.

Tecnicamente, IT é um portento digno de ler nos livros. A fotografia de Chung-hoon Chung é simultaneamente real e de outro mundo, a banda sonora pungente marca cada salto na cadeira e o design de produção é de uma qualidade e finesse quase inacreditáveis.

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BILL SKARSGARD tem uma grande responsabilidade de fazer esquecer o Pennywise de Tim Curry

Todavia, como dizia o ditado, “não há bela sem senão” e o filme de Andy Muschietti acaba por sofrer de maleitas menores que, ainda assim, afetam o valor percebido do todo. Com uma das maiores taxas de sustos por minuto que temos visto no grande ecrã, IT acaba por elaborar infinitamente melhor a sua metade de “Stand by Me” mais negra do que propriamente a sua vertente terrorífica.

Os ditos sustos sentem-se demasiado óbvios, quase anunciados – quer por pistas de banda sonora ou setting, quer pelo marketing massivo que acabou por mostrar muitos destes momentos-chave de tensão – e há algo em Pennywise que parece não funcionar a 100% – não se trata propriamente de uma falta na construção de Skarsgård ou na psique do personagem, mas de alguma forma, quanto mais vemos dele, mais cartoonizado parece, diminuindo assumidamente o efeito que tem em instâncias mais inaugurais do filme.

Contas feitas que a carroça já vai longe, IT é um tremendo triunfo para o cinema de terror, uma das melhores adaptações das obras de Stephen King e o Escolhido destinado a uma carreira brilhante na bilheteira – com grande mérito próprio. Por agora… boa sorte a tentar adormecer logo à noite!

(publicado originalmente em 4 de setembro de 2017)

IT
  • Catarina d' Oliveira - 75
  • Maria João Bilro - 75
  • Daniel Rodrigues - 75
  • Cláudio Alves - 75
  • Miguel Pontares - 75
  • Ângela Costa - 75
  • Filipa Machado - 75
  • Manuel São Bento - 90
77

CONCLUSÃO

Com um terror apelativamente universal, uma boa dose de sustos e q.b. de body horror, IT é a adaptação que os fãs de Stephen King há muito desejavam da sua ópera do Pesadelo de 1986.

O MELHOR: O Losers Club!

O PIOR: A sensação de que alguns sustos foram trabalhados a tal exaustão que acabam por se sentir demasiado anunciados.

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  1. 24 de Setembro de 2017

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