Kingsman: O Círculo Dourado, em análise

Kingsman: O Círculo Dourado é uma boa sequela, para o filme original de 2014, que traz Taron Egerton e Colin Firth de volta aos seus desempenhos como os mais cavalheiros dos agentes secretos.  

Não podemos deixar de reconhecer que desde que nos lembramos que somos fãs do cinema do britânico Matthew Vaughn. Como teenagers que fomos, crescemos com ele e com a sua fixação pelo cinema de super-heróis, nomeadamente com os filmes “Stardust: O Mistério da Estrela Cadente” (2008), “Kick Ass: O Novo Super-Herói” (2010) e até com “X-Men: O Início” (2011). Em todos os seus projetos, Vaughn tem um estilo muito peculiar, divertido e até, digamos, desavergonhado e desembaraçado de contar as suas histórias. Claro que quando estreou “Kingsman: Serviços Secretos”, poucos previam o sucesso astronómico do seu filme (rendeu mais de 380 milhões de dólares), adaptado da BD de 2012 da autoria de Mark Millar e Dave Gibbons, que permitia ao cineasta parodiar o cinema de agentes secretos, e mais especificamente, o de James Bond.

“Kingsman: Serviços Secretos” foi para nós uma sessão de pura magia, que nos fez sair da sala de cinema completamente estupefactos com aquilo que havíamos visto: uma maravilhosa comédia de ação com um toque mirabolante de sequências de violência arrojada, que viviam e muito da interpretação do estreante Taron Egerton. Rapidamente foram anunciados planos para uma sequela que Vaughn estava mais do que interessado em retomar (para além de realizador, Vaughn assume também o argumento). Dois anos e meio depois, Taron Egerton é agora um nome mais ou menos conhecido do cinema (participou em “Eddie, a Águia”, ao lado de Hugh Jackman), e o seu Eggsy uma personagem mais popular do que nunca, estando tranquilo no seu desempenho.

Kingsman: O Círculo Dourado

Como o prometido é devido, Vaughn apresenta-nos um filme maior, muito mais ousado e tresloucado que o original. “Kingsman: O Círculo Dourado”, obviamente não atinge o mesmo nível que o filme original, mas é uma aventura em cheio que talvez permita encerrar bem o cartaz cinematográfico do verão de 2017.

O filme salta logo para a acção, ao começar com uma sequência arrojada em efeitos digitais e em movimentos de câmara (mais ou menos como a famosíssima sequência da igreja do filme original) que procura atingir o mesmo nível que as sequências de perseguição de James Bond ou de “Velocidade Furiosa”. Mesmo assim, a plasticidade da mesma é de tal modo exorbitante e descabida, que percebemos que o filme teve que aproveitar-se de mais CGI para tirar partido do facto de já conhecermos todas as personagens, a maioria das quais, que transitam do filme original. “Kingsman: O Círculo Dourado” tem também problemas de ritmo e de equilíbrio (e barulho a mais) entre as sequências de acção (filma em demasia Eggsy e as suas peculiares aventuras para descobrir o paradeiro do inimigo) e as contrapostas sequências dramáticas, sem esquecer que as personagens tornam-se mais estereótipos de si próprias e pouco mais descobrimos sobre delas.

Agora, Eggsy é um agente importante da Kingsman, cujas vidas pessoal e profissional parecem estar tão bem conciliadas. O jovem continua a receber o apoio dos seus colegas de equipa, o nerd Merlin (Mark Strong) e a sensual Roxy (Sophie Cookson) no cumprimento das suas missões, ao mesmo tempo que vive um relacionamento estável com a princesa sueca Tilde (sim, a princesa atrevida do final do primeiro filme regressa, novamente interpretada por Hanna Alström), e partilha as suas aventuras com os seus melhores amigos das redondezas londrinas. Tudo claro não podia correr tão bem quanto esperado.

Kingsman: O Círculo Dourado

Rapidamente as principais bases dos Kingsman são destruídas (a prestação de Michael Gambon, o Albus Dumbledore de Harry Potter, como chefe de equipa, parece-nos ser tão desperdiçada) que Eggsy e Merlin são tudo o que restam da agência que, como sabem, preserva acima de tudo as boas maneiras de um homem. A partir daí, os cavalheiros executam o chamado Protocolo do Juízo Final e são levados até aos Estados Unidos da América, onde conhecem a Statesmen (os seus agentes têm nomes muito interessantes e engraçados que deverão ser mantidos em segredo para o espectador), uma outra organização de espionagem fundada na mesma época, o pós-segunda guerra mundial. As duas entidades terão que unir esforços para derrotar o mal para que Eggsy consiga salvar, uma vez mais, o mundo da destruição. Nada de novo na trama para um filme do género, portanto.

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Achámos, contudo, interessantes os contrastes que se estabelecem entre os modos de ser britânicos e americanos. De facto, num filme que é inevitável falar em globalização, percebemos, no entanto, que cada local / país continua a ser especial, mesmo que tão distinto de um para o outro.  Aliás, se os heróis britânicos têm alguma elegância clássica à la James Bond, as personagens americanas conservam valores e estilo típicos de um cowboy saídos de um western: um chapéu, uma pistola e uma corda, e claro, um sotaque sulista bastante carregado. Para não falar dos planos gerais sobre a paisagem do Texas ou até de Nova Iorque.

Com a introdução de uma senhora bem maluca chamada Poppy Adams (salve, Julianne Moore!), que o filme torna-se ainda mais excitante. Aliás, todas as gargalhadas geradas entre a audiência são causadas pela empatia que temos com esta mulher psicopata, com capacidade de ser talvez a melhor CEO do mundo, embora seja detentora de um monopólio mundial de tráfico de drogas, situado na floresta mais remota do planeta, e que se chama, nada mais nada menos que Círculo Dourado. Tudo naquele local aparenta ser um cruzamento da ilha de Francisco Scaramanga (o vilão de “007 – O Homem da Pistola Dourada”) com o vulcão de Blofeld, personagens emblemáticos da série James Bond.

Kingsman: O Círculo Dourado

Não esqueçamos ainda que Poppy não olha a meios para atingir os seus fins, e é espelho evidente das atitudes narcisistas da sociedade contemporânea que se tornou excessivamente consumista. Não é por acaso que todas aquelas instalações secretas reenviam a uma temática nostálgica de um outro tempo, e que mais parecem ser uma cidade em ponto pequeno retirada diretamente de um melodrama dos anos 50, com as melhores hamburguerias, os mais requintados salões de beleza, ou as maiores salas de espectáculos. Ironicamente, o estilo charmoso de Julianne Moore relembra muito o seu trabalho no filme Longe do Paraíso (Todd Haynes, 2001), como uma dona-de-casa que preserva o seu espaço doméstico, com todas as nuances que a associação convoca.

Não nos cansamos de falar de Poppy porque é realmente com ela que o filme ganha mais pontos. O filme brinca e bem com a personagem que quer ser reconhecida como uma empreendedora de sucesso. O seu plano passa por adicionar uma substância tóxica nas drogas, que tornar as veias dos toxicodependentes e outros consumidores, azuis, levando-os, por sua vez à paralisia, e à morte. Só Poppy tem um antídoto, obrigando, por isso, a humanidade, as mais importantes instituições mundiais e sobretudo o Presidente dos Estados Unidos (Bruce Greenwood parece interpretar uma espécie de alter-ego de Donald Trump) a legalizar o mercado das drogas.

O filme é exatamente uma chamada de atenção nesse sentido, contrastando com os problemas de “viver em rede” do primeiro filme. Talvez, a problemática ainda não tivesse tido oportunidade de ser tão bem convocada no cinema mainstream neste ano. Além do mais, Poppy funciona como uma boa contraposição ao vilão do primeiro filme. Se o Valentine de Samuel L. Jackson enjoava de ver sangue, a Poppy de Moore não tem a menor misericórdia e consegue até cozinhar até hambúrgueres humanos através da sua picadora mortífera.

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Kingsman: O Círculo Dourado

Outra das personagens que também está bem é Harry, o “Galahad”, de Colin Firth. Obviamente a sua aparição poderia ter ficado no anonimato, percebendo que a sua presença nos trailers e no cartaz do filme, era apenas uma maneira diversificada de marketing em torno do filme. No entanto, objetivos comerciais à parte, a trama justifica bem o seu regresso que deixa Eggsy ainda mais confuso (e o facto de ver aquelas borboletas é incrível!). A partir daí, a trama de Kingsman continua a desenvolver esse duelo entre gerações, entre mentor e aprendiz, algo que irá realmente intensificar o amadurecimento de Eggsy, seja como agente, seja como ser humano. Ficamos ainda a conhecer todas as vulnerabilidades de Harry, que mesmo assim continua a ser preservado como um modelo clássico de agente secreto britânico. Pena, que quanto a aparição de Harry o argumento queira explicar tudo, quando outros aspectos da história acabam deixados de parte quando convém.

A banda-sonora continua a ser uma das suas mais valias. “Take Me Home, Country Roads”, de John Denver domina em grande parte da trama, mas há uma banda-sonora original que arrepia qualquer fã de James Bond. A música tem também esse lado de contrastes, ao misturar o country rock com, vejamos, a música de Elton John. Na verdade, Sir Elton John tem um peso importante na história, naquela que é talvez a melhor (e paradoxalmente a mais estúpida) participação especial do ano.

Quanto ao resto do elenco, Channing Tatum e Halle Berry parecem estar lá a mais. Já Jeff Bridges poderia ter qualquer pano de fundo, que nunca chega a ser aprofundado, situação essa que se repete com a personagem de Pedro Pascal. Mesmo assim, Matthew Vaughn mantém-se como um bom realizador de atores e sabe aquilo que tem de retirar de cada uma das personagens, mesmo que por vezes saiba a pouco.

Kingsman: O Círculo Dourado arrisca em enfrentar o intenso hype do primeiro filme. Mesmo assim, o filme entretém pelas suas piadas por vezes grosseiras e, claro, por uma Julianne Moore sensacional, que consegue ser tão ou mais maligna quando comparada a qualquer vilão da série James Bond. 

Kingsman: O Círculo Dourado
kingsman

Movie title: Kingsman: The Golden Circle

Director(s): Matthew Vaughn

Actor(s): Colin Firth, Taron Egerton, Julianne Moore, Mark Strong

Genre: Ação, Aventura, Comédia

  • Virgilio Jesus - 65
  • Daniel Rodrigues - 45
  • Ângela Costa - 70
60

Conclusão

De regresso ao mundo dos agentes secretos, Kingsman: O Círculo Dourado é uma sequela que faz todos os esforços para manter o mesmo calibre que o filme original, mesmo assim peca por tornar tudo tão artificial, pela excessividade de efeitos computadorizados.

O MELHOR: avé Julianne Moore!! e, claro, o regresso de Harry.

O PIOR: Taron Egerton não anda, nem desanda como Eggsy, por isso achamos que faltava dar uma pitada de sal ao jovem que já se habituou à personagem.

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