LEFFEST’15 | Anomalisa, em análise

 

Anomalisa, que teve honras de antestreia no LEFFEST’15 é, provavelmente, um dos filmes mais importantes do ano e um candidato inquestionável na próxima temporada de prémios.

Anomalisa Título Original: Anomalisa
Realizador: Charlie Kaufman
Elenco: David Thewlis, Jennifer Jason Leigh e Tom Noonan
Género: Drama, Romance
NOS Audiovisuais | 2015 | 90 min[starreviewmulti id=18 tpl=20 style=’oxygen_gif’ average_stars=’oxygen_gif’]

 

Um dos filmes a ter sido exibido fora de competição no LEFFEST’15 como parte da sua seleção oficial foi Anomalisa, um poderoso stop-motion e primeiro desafio do argumentista e agora realizador Charlie Kaufman no campo da animação, que o poderá conduzir ao Óscar de melhor argumento original (tal como aconteceu com O Despertar da Mente, em 2005) e não só – afinal está também indicado na lista de 16 Animações Finalistas a concorrer ao Óscar na respetiva categoria.

O enredo de Anomalisa é bastante “estranho”, tratando-se essencialmente de um debate filosófico tal como as outras obras do cineasta. Nele, o protagonista Michael Stone (David Thewlis) é um homem que atravessa uma crise de meia-idade, questionando-se fortemente sobre a mundanidade da sua vida. Por ser escritor conceituado de um livro sobre apoio ao cliente, Michael é convidado a dar uma conferência em Cincinnati – onde provavelmente o único espaço interessante a visitar é o zoo, segundo a recomendação de um taxista. Ao longo do tempo, o seu passado e a crise existencial que a afeta vão emergindo, com alguns toques mais sarcásticos, garantidos pela ridicularização do dia-a-dia citadino.

Anomalisa

Lê também: Anomalisa | Trailer do primeiro filme em stop-motion de Charlie Kaufman

Nos momentos inicias, a personagem é atormenta por um fantasma de uma mulher, uma antiga paixão, que vive naquela cidade e com quem não resiste em se reencontrar no bar do hotel em que está hospedado. Na verdade, Michael tem dificuldade em reconhecer o porquê do fim daquele relacionamento, vagueando persistentemente nos seus pensamentos. No decorrer da trama, o espetador começa a perceber que sempre ouvirá uma mesma voz (Tom Noonan) e verá em todos os indivíduos o rosto de Michael, apenas com vestuário diferente.

Se Anomalisa tivesse um irmão gémeo noutra forma de arte seria a obra “O Estrangeiro”, de Albert Camus, que em simultâneo questiona a identidade de um sujeito. Na verdade, Michael sente-se estranho em relação a si mesmo porque todo o mundo é como ele. Ironicamente, o que valida ainda mais esta questão é o facto de ser também um estrangeiro (um inglês que há muito tempo vive nos EUA e que se sente desconfortável quando brincam com o seu sotaque). Parece que a sua alma está fragmentada em todos os sujeitos que cruza, enfadonhos para ele e que para o espetador são protótipo da sociedade pós-revolução digital (dominada por redes sociais).

Anomalisa

Lê ainda: Óscares 2016 | 16 finalistas para melhor filme de animação

Todavia, a situação muda quando conhece Lisa (Jennifer Jason Leigh), a anomalia do título (“Anoma-Lisa”, pela ferida no canto do olho direito) diferente em todos os outros porque tem uma identidade própria, mesmo frágil, encontrando em Michael um porto seguro. Percebemos pois que esta será uma história de amor (quiçá eterno) que já não ocorre atualmente. O relacionamento entre ambos é tão credível que o espetador fica estupefacto quando o casal está junto, provavelmente numa das melhores cenas do ano.

A câmara de Charlie Kaufman salienta ora momentos de liberdade (como Lisa a cantar “Girls just wanna have fun”, de Cyndi Lauper versão a-capella que serve para descomprimir todos os seus problemas) ora momentos de repressão (sequência onírica no qual Michael perde o seu rosto). Este último exemplo é bastante particular porque percebemos que é um boneco, o mesmo utilizado para a rodagem do filme, talvez numa crítica à profissão de ator que obedece a algo superior. Enfim, Charlie Kaufman coloca a olho-nu aspetos que de outra forma permaneceriam ocultos no cinema – quer demonstrar como estamos todos mascarados e da mesma forma somos todos similares ao olhar do outro.

Anomalisa

Lê também: LEFFEST’15 | Trois souvenirs de ma jeunesse, Mini-Crítica

Anomalisa é no recente repertório cinematográfico uma das melhores histórias de amor a par de  Her: Uma História de Amor de Spike Jonze, perfeito por refletir em todo seu esplendor a melhor característica do ser humano –  ser espetador de imagens em movimento, sofrer e rir com ela, seja em que género for.

Para saberes mais sobre as várias secções desta edição do Lisbon & Estoril Film Festival, consulta o LEFFEST’15 | Programa completo.

VJ

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *