Ocean's 8

Ocean’s 8, em análise

Sandra Bullock, Cate Blanchett e companhia limitada provam em “Ocean’s 8” que não é precisa testosterona para se ser um génio criminal.

A fábrica de sonhos americana é, acima de tudo, uma indústria num modelo capitalista pelo que a sua maior motivação acaba quase sempre por ser a cifra. Na mesma instância que a Disney usa a desculpa de novas tecnologias para estrear novas versões de todos os seus clássicos de animação, também os outros estúdios usam a real necessidade de melhor representação feminina no cinema como um mecanismo de reciclagem de ideias antigas que já provarem ser bem-sucedidas. Afinal, não há nada que assuste mais um executivo de Hollywood do que a novidade.

Tal visão cínica sobre o fenómeno de remakes com novos elencos totalmente femininos não significa, de modo algum, que os filmes em si sejam desprovidos de mérito. Simplesmente significa que Hollywood parece ser incapaz de edificar grandes produções com personagens femininas sem terem primeiro de ir buscar o modelo a uma narrativa masculina. Isso é particularmente infeliz no caso de “Ocean’s 8”, um filme que perde muito em comparação com “Ocean’s 11” de Steven Soderbergh, mas que, considerado individualmente, é uma ótima obra de cinema de entretenimento. Enfim, não obstante as claras ligações a esses filmes passados, “Ocean’s 8” é suficientemente distinto para se afirmar como um animal fílmico completamente diferente dessas modernizações das aventuras do Rat Pack nos anos 60.

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Uma delícia cinematográfica leve e com um elenco invejável.

Tais diferenças não se manifestam logo de imediato, contudo. Tal como “Ocean’s 11”, este novo filme tem início com um membro da família Ocean a sair da prisão. Se, anteriormente era o Danny Ocean de George Clooney, agora é Debbie Ocean, interpretada por Sandra Bullock, que seguimos à medida que é libertada e rapidamente se prepara para orquestrar o golpe de uma vida. Para fazer isso, no entanto, ela tem primeiro de reunir a equipa perfeita, começando por Lou, sua antiga parceira do crime. Depois, é a vez de convencer a juntar-se ao esquema Rose Weil, uma designer de moda afogada em dívidas, Amita, uma especialista em jóias, Nine Ball, hacker extraordinária, Constance, um prodígio no mundo dos carteiristas, e Tammy, antiga criminosa que agora vive nos subúrbios com uma família idílica e a garagem recheada de mercadoria roubada.

O plano em questão centra-se no roubo de um espampanante colar de diamantes que a Cartier nunca deixou sair do seu cofre, mas que a equipa planeia roubar do pescoço da atriz Daphne Kluger durante a Gala anual do MET em Nova Iorque. Pelo caminho, Debbie também espera poder vingar-se de Claude Becker, o seu ex-namorado cuja covardia, traição e esquemas ilegais a puseram atrás das grades. Com um esquema cuidadosamente concebido durante anos na prisão e uma equipa de estonteante competência, não parece haver hipótese de haver qualquer falha. É claro que, num filme como este, esperamos sempre que haja a ameaça de uma falha catastrófica, que haja um momento em que tudo vai ser perdido, especialmente quando o filme entra no seu terceiro ato e um investigador da empresa de seguros da Cartier se põe a enfiar o nariz onde não é chamado. O que realmente surpreende é que, em “Ocean’s 8”, esse momento de suspense nunca se materializa.

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De facto, é essa falta de tensão que tem levado muitos espectadores a olharem com desdém para esta confeção cinematográfica que em nada se compara aos epítetos de adrenalina de “Ocean’s 11” com George Clooney. O problema em tais conclusões é que, não obstante a sua intrínseca ligação a esses filmes, esta obra é muito diferente, inclusive nos seus objetivos e prioridades. Por outras palavras, enquanto os filmes de Soderbergh eram sobre o roubo, “Ocean’s 8” é sobre as criminosas, fazendo da sequência do roubo em si, pouco mais que um espetáculo de extrema competência, onde nunca parece haver grande risco de as nossas heroínas gananciosas terem irem ser apanhadas.

Não é por acaso que, ao contrário dos filmes anteriores neste franchise, “Ocean’s 8” tenha apoiado praticamente toda a sua campanha promocional na apresentação do elenco. O espectador alvo do filme vai ao cinema para passar tempo na companhia das personagens coloridas que Sandra Bullock e companhia conceberam e, nesse aspeto, o filme é um sucesso, mesmo que com algumas fragilidades. Referimo-nos principalmente ao modo como as cenas em que todas as criminosas estão presentes serem, de forma geral, mal aproveitadas. Pelo contrário, as atrizes tendem a brilhar mais quando o filme as emparelha em diálogos e cenas a dois. Isso leva a que os pontos altos sejam a inicial formação da equipa e a revelação derradeira do seu sucesso e genialidade. Enfim, um bom começo e final mais do que compensam um meio relativamente medíocre.

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Anne Hathaway rouba o filme a todas as outras atrizes, tal é o seu carisma e talento cómico.

No que diz respeito ao trabalho individual do elenco, há que admitir que, como toda a crítica mundial tem vindo a proclamar, Anne Hathaway é a grande revelação de “Ocean’s 8”. Até hoje, as prestações mais criticamente aclamadas da atriz têm sido em papéis dramáticos, mas a sua Daphne Kluger é uma delícia paródica do tipo de celebridade narcisista que reina em Hollywood. Se não fosse o seu trabalho, o terceiro ato do filme poderia correr o risco de implodir a narrativa, mas Hathaway nunca vacila. Helena Bonham Carter, que interpreta Rose Weil e com quem Hathaway partilha a maior parte das suas cenas, é também merecedora de aplausos, nem que seja pelo seu inesperado sotaque irlandês. Sarah Paulson também excele, mas de um modo mais subtil, ilustrando o modo como Tammy está sempre a controlar tudo o que se passa à sua volta com detalhes tão minuciosos como a direção do seu olhar ou o ritmo do passo.

Kaling e Awkwafina trazem necessária leveza aos seus papéis e, verdade seja dita, Rihanna pouco ou nada faz que mereça grande admiração, mas também não descarrila o filme. Bullock, tal como a sua personagem, é um epíteto de pragmatismo e competência, dando vida a Debbie com sobriedade e cedendo todos os seus momentos às parceiras de cena. Infelizmente, Cate Blanchett é uma relativa desilusão, trazendo pouca ou nenhuma interioridade a Lou, que, por vezes, parece mais um cabide estiloso para uma coleção de grandes figurinos do que uma pessoa de carne, osso e personalidade tridimensional. Tendo em conta que parte do prazer de ver este filme tão obsessivamente focado no mundo da moda é lavar a vista com roupas de extrema elegância, não se pode dizer que a sua prestação afete o projeto de modo muito intenso, é claro.

Para além de Blanchett e do legado opressivo dos filmes de Soderbergh, o único grande problema de “Ocean’s 8” é a narração desinspirada de Gary Ross. O realizador que já nos trouxe “Os Jogos da Fome” e “Estado livre de Jones” não é nenhum grande talento formalista e, infelizmente, este tipo de exercício necessita de alguém capaz de trazer algum estilo, elegância e precisão à construção formal do roubo, seu planeamento e rescaldo. Enquanto a montagem dinâmica de Juliette Welfling e o argumento recheado de boas piadas dão a ilusão de energia, este é um filme a sofrer de grande anemia estilística e isso é algo meio impossível de ignorar. Com tudo isto dito, resta-nos ter esperança que o filme tenha direito a uma sequela com o mesmo delicioso elenco, um guarda-roupa ainda mais glamouroso e, oxalá, um melhor realizador que Gary Ross atrás das câmaras.

 

Ocean's 8, em análise
Ocean's 8

Movie title: Ocean's 8

Date published: 21 de June de 2018

Director(s): Gary Ross

Actor(s): Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway, Helena Bonham Carter, Sarah Paulson, Mindy Kaling, Awkwafina, Rihanna, Richard Armitage, James Corden, Elliott Gould

Genre: Crime, Acção, Comédia, 2018, 110 min

  • Cláudio Alves - 75
  • Rui Ribeiro - 80
  • José Vieira Mendes - 60
  • Maria João Bilro - 60
  • Catarina d'Oliveira - 60
  • Filipa Machado - 70
  • Luís Telles do Amaral - 55
  • Daniel Rodrigues - 60
  • Maggie Silva - 78
66

CONCLUSÃO

“Ocean’s 8” é uma deliciosa aventura criminal com um elenco invejável, personagens muito divertidas e uma coleção de figurinos prontos a deixar qualquer espetador de boca aberta em admiração. Também tem uma debilitante falta de primor formal, mas os revirares de olhos de Anne Hathway quase nos fazem esquecer isso. Quase.

O MELHOR: Hathaway, um piscar de olho sob a forma de um colar impossível e o momento em que Sandra Bullock fala consigo mesmo ao espelho, e afirma estar a assaltar a MET Gala como modo de inspirar todas as meninas que sonham um dia poderem ser criminosas. Girl power!

O PIOR: Gary Ross.

CA

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