Sítio Certo, História Errada, em análise

 

Em Sítio Certo, História Errada, o autor coreano Hong Sang-soo oferece aos seus fãs um retrato precioso de relações interpessoais que relembra a doce intimidade vista em Antes do Amanhecer de Richard Linklater.

 

Sítio Certo, História Errada Título Original: Ji-geum-eun-mat-go-geu-ddae-neun-teul-li-da
Realizador: Hong Sang-soo
Elenco: Jae-yeong Jeong, Min-hee Kim, Yeo-jeong Yoon 
Género: Drama, Comédia, Romance
Leopardo Filmes | 2015 | 121 min[starreviewmulti id=18 tpl=20 style=’oxygen_gif’ average_stars=’oxygen_gif’]

 

Ao longo da sua carreira, Hong Sang-soo tem-se provado como uma das mais peculiares vozes no cinema sul-coreano, renegando a operática violência ou abrasiva misantropia de alguns dos mais celebrados autores do seu país e preferindo seguir uma linha de simplicidade, criando delicadas miniaturas de observação humana cujas narrativas são tão docemente inconsequentes como são magistrais na sua precisão.

O autor criou em Sítio Certo, História Errada o retrato de um atrapalhado realizador, Ham Cheon-soo, que quando chega a uma cidade um dia antes de uma participação num festival de cinema local, trava conhecimento com uma jovem e solitária pintora, Yoon Hee-jeong, acabando por passar o dia na sua companhia. Brincando com a plasticidade da dramaturgia cinematográfica, Sang-soo apresenta-nos este encontro por duas vezes, com pequenas diferenças comportamentais a marcarem decisivas diferenças neste breve relacionamento. O filme é assim dividido em duas metades praticamente iguais no seu encadeamento de eventos, em que o realizador convida a sua audiência a estudiosamente apreciar as minúcias nos comportamentos das suas personagens.

Sítio Certo, História Errada

Tal descrição poderia indicar um cansativo drama sem grande espaço para leveza, mas Sang-soo nunca permite que a sua obra caia em tal asfixia dramática, procurando sempre o humor na sua observação. Essa comédia desabrocha tão facilmente do óbvio desconforto que transpira dos atrapalhados diálogos do realizador dentro do filme, como das próprias situações sociais e profissionais que são aqui representadas. Uma cena, vista por duas vezes, mostra a deliciosa absurdez e desconforto sufocante de um Q&A num festival de cinema, que será certamente o deleite de qualquer espetador que alguma vez se tenha encontrado em tal situação e observado um artista a ser confrontado com a interrogação, ora imbecil ora cortante, de uma audiência. É óbvio, convém dizer, que Sang-soo está, de certo modo, a retratar neste filme o seu próprio desconforto com tais situações, pelo que a sinceridade na sua abordagem vai constantemente exacerbando tanto o ridículo como o humor nelas inerentes.

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Apesar da estrutura do filme desafiar quaisquer noções de realismo narrativo, o estilo deste Sítio Certo, História Errada é imensamente apoiado no complexo e delicado naturalismo tanto do texto como da prestação dos seus atores, especialmente os seus dois formidáveis protagonistas, a atriz Kim Min-hee e o ator Jeong Jae-yeong, que arrecadou o prémio de Melhor Ator no festival de Cinema de Locarno em reconhecimento do seu estrondoso trabalho neste filme. Nas mãos destes dois intérpretes, o realizador e a pintora que protagonizam a narrativa tornam-se em sublimes exemplos de genial especificidade humana conseguida a partir de subtis nuances e cuidadas interações, assim como são delicados retratos que fogem ao humor fácil, nunca traindo a integridade das suas personagens ou polindo a sua abrasiva natureza.

Sítio Certo, História Errada

O modo como o realizador e o elenco retratam os dois encontros é assim rico em intimidade humana, mas ao mesmo tempo há uma formidável rigidez na forma empregue por Sang-soo. Ao invés de se aproximar das faces dos atores ao estilo de realizadores como Andrew Haigh ou Richard Linklater, o autor de Sítio Certo, História Errada observa os intervenientes da sua narrativa a partir de composições estáticas em que prima a observação coletiva e ligeiramente afastada das várias personagens, conferindo uma natureza estranhamente clínica aos procedimentos dramáticos ao mesmo tempo que força a audiência a olhar e examinar os seres humanos na composição sem fáceis pontos de referência ou desnecessárias ajudas interpretativas ao estilo de Hollywood.

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O filme quase que funciona como uma antítese da básica comédia romântica do cinema americano contemporâneo, encontrando humor e humanidade, não em fórmulas ou pirotecnias de drama forçado, mas nessa preciosa observação das nuances do comportamento humano com um olhar afetuoso e tão íntimo como friamente calculista na sua precisão de mestre.

Sítio Certo, História Errada

No seu retrato de dois indivíduos solitários e isolados do calor do contacto e intimidade humana, Hong Sang-soo constrói uma narrativa tão melancólica como delicada, deixando pequenos momentos como um toque ou um olhar fugaz tornarem-se em píncaros de repentina alegria e contentamento. Há que louvar um autor que celebre a honestidade e vulnerabilidade interpessoal e que apoie toda a sua obra na mera beleza e simplicidade da observação de duas pessoas em conversa, deixando as suas personagens se revelarem diante dos nossos olhos com a mesma reticência com que ambos os protagonistas se vão conhecendo um ao outro. Aliás, ver Sítio certo, História Errada é ver capturada em cinema a efémera realidade de se conhecer um estranho e nessa pessoa travarmos uma delicado conhecimento que é tão precário como repentino, que é tão íntimo como distante e estranho, tão fugaz como potencialmente esmagador.

CA

 

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