A Tartaruga Vermelha, em análise

A Tartaruga Vermelha retrata a vida humana e animal tal como ela é. Tudo é efémero. Mas com o fim de algo há sempre um novo começo, um novo ciclo, uma nova vida.

Estávamos sensivelmente entre 2000 e 2001, quando Isao Takahata teve oportunidade de ver a curta-metragem vencedora de um Óscar, Father and Daughter. O cineasta japonês, assim como o produtor Toshio Suzuki, ficaram tão agradados com o que viram que, uns anos mais tarde, entraram em contacto com Michaël Dudok de Wit, realizador da curta-metragem. A intenção deles era propor que o realizador ficasse no leme de um filme co-produzido pelo estúdio japonês e pela Wild Bunch. O realizador holandês teve desde o início liberdade total nas suas escolhas. Era ele quem iria decidir a história e o aspecto visual do filme. Com a ajuda de Pascale Ferran na escrita do argumento, nasceu o filme A Tartaruga Vermelha.

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A história começa com um homem que, após um naufrágio, vê-se preso num ilha deserta. Nos dias que se seguem, ele tenta sobreviver e construir uma jangada para abandonar a ilha. Mas os seus planos são alterados quando a figura que dá nome ao filme aparece na sua vida. Esta breve sinopse não é de todo suficiente para descrever o filme. Porém, se divulgarmos mais alguma informação, vamos acabar por estragar o visionamento de A Tartaruga Vermelha.

a tartaruga vermelha

La Tortue Rouge pode inicialmente parecer muito familiar. É natural que filmes como O Náufrago, protagonizado por Tom Hanks, venham à memória do espectador. No entanto, a obra transforma-se em algo novo pouco tempo depois, quando conhecemos a tartaruga. Uma das características que torna este filme tão singular é a ausência de diálogo. Nenhuma palavra é proferida durante o decorrer da longa-metragem. E ainda assim, ele consegue transmitir exatamente o que os personagens estão a sentir e a pensar. Cada plano é filmado meticulosamente e é dada muita atenção aos pequenos gestos e expressões dos protagonistas.

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A Tartaruga Vermelha é um conto magnífico sobre a vida. Grande parte da obra está assente num retrato muito realista da essência da vida humana. Temos o instinto de sobrevivência inicial, seguido da frustração e do desespero. Aliada à frustração, surge a raiva e o ódio que fazem o ser humano ter atitudes irracionais e inconscientes. Contudo o filme depressa mostra um outro lado da humanidade, onde existe arrependimento, compaixão, amor e perdão. Mas o retrato que o filme faz não se limita ao ser humano. O ciclo da vida animal está sempre presente, ao lado do ciclo da vida humana. Porque no fundo está tudo interligado.

A Tartaruga Vermelha retrata estes ciclos tal como eles são. Tudo é efémero. Tudo o que tem um princípio, também tem um fim. E o filme não se coíbe de o demonstrar. É encantador ver como tartarugas recém-nascidas esforçam-se para chegar ao mar. E é devastador ver como algumas não conseguem completar este primeiro grande passo das suas vidas. Mas como na natureza está tudo ligado, o fim de algo permite novos começos. A vida ganha outras formas. Regenera-se. A Tartaruga Vermelha é sublime na forma como transmite esta ideia.

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a tartaruga vermelha

Embora esta obra se foque imenso no lado autêntico da vida, existem também momentos, alguns cruciais, onde é introduzido um certo realismo mágico. Quando surgem, não vale a pena tentar perceber como é que os fenómenos acontecem. O filme não explica. E na verdade, nem tem de o fazer. Faz parte da magia da obra. E tal como um bom truque de magia, se descobrirmos os seus segredos, o encanto perde-se. Embora o “como” não interesse, o “porquê” já é outra história. Parte da resposta pode estar na expressão latina carpe diem, que significa “aproveitar o momento”. Esta ideia fica bastante evidente quando a figura da tartaruga vermelha se cruza com o homem náufrago. Os eventos que se sucedem depois dos personagens se conhecerem parecem querer demonstrar como é importante desfrutar aquilo que a vida oferece e viver o presente ao máximo.

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Na componente mais técnica, o filme consegue ser verdadeiramente deslumbrante. A comunhão entre som e imagem é magnífica. A animação tem um estilo muito europeu, ao contrário do que se podia prever de um filme co-produzido pelo estúdio japonês Studio Ghibli. O design dos personagens apresenta semelhanças com o da banda-desenhada belga As Aventuras de Tintin. Visto que o filme é fruto de uma produção entre Japão, França e Bélgica, é possível que tenha sido influenciado pela obra de Hergé. Neste filme, os personagens humanos são possivelmente os que apresentam menos detalhes e caracterização. Pelo contrário, a ilha e todos os animais que surgem na história são cuidadosamente desenhados.

Mas todo este cenário só ganha vida própria graças ao som. Não estamos a falar da banda-sonora. Já lá iremos. Estamos a falar do som da natureza que rodeia o protagonista. O vento que passa entre as folhas das árvores, o rebentar das ondas na areia ou o som dos troncos de bambu que o náufrago utiliza para construir a jangada. Mas falamos também do silêncio que se instala em várias alturas do drama, e que evidencia a solidão do personagem.

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a tartaruga vermelha

A banda sonora de A Tartaruga Vermelha foi composta pelo francês Laurent Perez Del Mar. Na maioria das músicas compostas por Del Mar, há um tema que está constantemente presente, em jeito de leitmotiv. O compositor faz ligeiras variações do mesmo tema musical, mudando os instrumentos que estão a interpretar a música, aumentando ou diminuindo a tonalidade das notas, de acordo com o intuito da faixa musical em questão. Dependendo das circunstâncias, a mesma melodia consegue ter um som e um significado diferente. Consegue transmitir a ideia de descoberta e de alegria (The Girl). E consegue ser trágica (The Tsunami), melancólica ou taciturna (She Is Dead).

A banda sonora original de A Tartaruga Vermelha é um dos bons exemplos onde a música complementa na perfeição o filme em que está inserida. Ainda para mais, quando não há diálogos. Sempre que é preciso explicar como é que os personagens se estão a sentir, as melodias de Del Mar irrompem pelo filme e transmitem ao espectador tudo o que ele necessita saber. A música funciona como o espelho da alma dos personagens.

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A obra de Michaël Dudok de Wit é um filme de uma enorme simplicidade e de uma beleza rara, que conta a sua história com uma grande delicadeza e graciosidade, fazendo um retrato (e servindo também como metáfora) da vida de uma forma honesta e demonstrando como Homem e Natureza estão intrinsecamente ligados. A Tartaruga Vermelha é um conto universal, que pode ser visto e compreendido por qualquer pessoa do mundo, independentemente da sua idade.

O MELHOR – A representação do ciclo da vida de uma forma crua e sincera, assim como da ligação que existe entre o Homem e a Natureza.

O PIOR – Não termos mais obras como esta, que agarram numa ideia tão singela e a transformam em algo grandioso.


Título Original: La Tortue Rouge
Realizador: Michaël Dudok de Wit
Wild Bunch e Studio Ghibli | Animação, Drama, Fantasia | 2016 | 80 min

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Filipa Machado

 

One thought on “A Tartaruga Vermelha, em análise

  • Não entendi nada

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