29º European Film Awards: ‘Toni Erdmann’ Arrasou!

O filme alemão Toni Erdmann’, de Maren Ade cumpriu mais do que todos os prognósticos ao ganhar todas as estatuetas (5) para as quais estava nomeado para os EFA, incluindo a de Melhor Filme Europeu 2016.

EFA

Numa cerimónia marcada nos discursos de vários dos intervenientes, pelo tema político de uma nova ‘reunificação da Europa’, reprovação do Brexit e da defesa do cinema contra todos os nacionalismos, — que teve o mote logo no início com o discurso de Rafal Dutkiewicz, o presidente da câmara local — a comédia agridoce alemã Toni Erdmann, de Maren Ade foi a grande vencedora da noite dos EFA em Wroclaw (Breslau), na Polónia.

‘Depois do surpreendente sucesso no Festival de Cannes, o filme ‘Toni Erdmann’ ganhou os cinco prémios para que estava nomeado…’

Depois do surpreendente sucesso no Festival de Cannes, o filme Toni Erdmann — ainda não estreou em Portugal — ganhou os cinco prémios para que estava nomeado ou seja fez o pleno nas categorias mais importantes: Melhor Argumento (Maren Ade), Melhor Actor (Peter Simonischek),  Melhor Actriz (Sandra Hüller), Melhor Realizador (Maren Ade) e Melhor Filme.

Toni Erdmann

Isto, ao ponto de surpreender a própria realizadora que quando subiu ao palco do Palácio da Música, chorou, gritou, riu e disse que continuava sem perceber muito bem esta consagração já que o meu filme dura três horas, não é exactamente uma comédia e reconheço que a cena de nu é bastante incómoda. Há no entanto que reconhecer, que Toni Erdmann é um dos filmes mais peculiares, ácidos, divertidos e melhores do ano, e não apenas no contexto da indústria europeia de cinema. Embora as coisas pudessem terse passado de outra maneira e os prémios terem sido um bocadinho mais distribuídos por outros filmes como por exemplo, Eu, Daniel Black, de Ken Loach ou Ela, de Paul Verhoeven.

Land of Mine

Foi de facto o ano da Alemanha nos EFA, já que igualmente a co-produção germânica-dinamarquesa Land Of Mine, de Martin Zandvliet, ganhou três dos já anunciados prémios técnicos: Fotografia, Figurinos e Caracterização. No fundo, os alemães estavam quase a jogar em casa — Wroclaw, Breslau, ou Breslávia, nomes e coisas de um tempo de uma Europa em chamas na II Guerra Mundial, já foi território alemão —  e este ano ainda por cima sem a concorrência dos franceses e italianos, e com os espanhóis e escandinavos quase sempre a reboque.

‘…durante a noite o que mais se criticou foram os nacionalismos e se ouviu foram apelos ao regresso a uma verdadeira ‘reunificação da Europa’…’

Estamos claro nos prémios europeus mas de uma Academia Europeia de Cinema, que é presidida por um realizador alemão muito respeitado (Wim Wenders), fundada por alemães e com uma maioria de alemães entre os seus membros. Mas durante a noite o que mais se criticou foram os nacionalismos e o que se ouviu foram apelos ao regresso a uma verdadeira ‘reunificação da Europa’, ao nivel político e cultural.

‘Toni Erdmann é um filme encantador, que conta a história de um pai que vê como a única maneira de reconquistar a sua filha adulta, (…) é através de piadas e brincadeiras.’

No entanto, isso não coloca em causa o mérito do vencedor da noite. Nada a dizer, pois Toni Erdmann é um filme encantador, que conta a história de um pai que vê como a única maneira de reconquistar e relacionar-se com a sua filha adulta, com que não vive há muito tempo, é através de piadas e brincadeiras. Sobretudo através de um humor, por vezes ácido, triste e tocante para quem vê este filme de uma enorme sensibilidade. Foi desta forma um tanto atípica, que a realizadora Maren Ade construíu esta ‘comédia’, tão extravagante como existencialmente dolorosa e absurda.

Toni Erdmann desenvolve-se na incomodidade afectiva de um relacionamento de uma filha perdida — uma executiva alemã destacada em Bucareste, Roménia — e um bom pai, mas com sentimento de culpa, um professor e músico aposentado, que tem uma forma bizarra e divertida de chamar a atenção das pessoas e agora da sua única descendente, que não lhe liga nenhuma.

Vê trailer de Toni Erdmann

Entre risos e gargalhadas e apertos no coração, Maren Ade acerta realmente em traçar com uma perfeição rara, não tanto o perfil da instituição familiar ou de uma familia desfuncional como está na moda no cinema, mas antes mostrar a máscara com que pai e filha se aproximam e se afastam ao mesmo tempo. No fundo estamos todos nesse lugar irreal e profundamente humano carregado de representações equivocadas: que representamos para os outros, mesmo para os nossos filhos?

O resultado é um belíssimo filme tão original e tão arriscado como ao mesmo tempo hilariante, divertido e tocante com o qual nos identificamos, pois não pode ser mais frágil, humano e verdadeiro como nas nossas vidas, nos nossos sentimentos e emoções.

Ma Vie de Courgette

Com o Prémio para Melhor Documentário entregue a Gianfranco Rosi (Itália) por Fogo no Mar, o seu retrato da tragédia dos refugiados nas costas de Lampedusa; um Prémio de Animação para Ma Vie de Courgette, de Claude Barras (Suiça/França); o de Melhor Comédia para A Man Called Ove de Hannes Holm (Suécia/Noruega); e de Melhor Descoberta Europeia para o premiado no Un Certain Regard de Cannes 2016, The Happiest  Day  In the Life of Olli Maki, de Juho Kuosmanen (Finlândia/Alemanha/Suécia), um filme a preto e branco e sobre a ascensão e queda de um pugilista olímpico, lá se conseguiu fugir um pouco à evidência e ao favoritismo alemão.

fogonomar

Os momentos de emoção na cerimónia vieram realmente com a imagem de Andrzej Wajda, um herói local, a quem tinha sido atribuído um Prémio de Honra antes da sua morte e que foi recordado por Wim Wenders com um certo aperto na garganta. Uma das Pussy Riot trouxe à memória de todos a condenação a 20 anos de cadeia do realizador ucraniano Oleg Sentsov por desobediência, actualmente na Rússia de Putin.

EFA

Mas nada comparável foi a homenagem à figura genial de Jean-Claude Carrière, o mago da escrita de argumentos que trabalhou com Buñuel e foi muito bem evocado e ‘mimado’ pela atriz espanhola Angela Molina, — estrela então dessa obra prima chamada Esse Obscuro Objecto do Desejo (1977). O grande mestre teve direito a uma grande ovação de pé.

Jean-Claude Carriere

Depois das lágrimas e memória, houve lugar para uma certa ironia com a atribuição do Prémio de Honra pela sua Contribuição no Cinema Mundial, a Pierce Brosnan, que apesar do seu trabalho, aparece nesta cerimónia mais pela necessidade de ter uma grande estrela presente, do que propriamente por mérito de carreira.

Vê todos os vencedores dos 29 º European Film Awards 2016

Finalmente a reter desta cerimónia dos EFA 2016 é um nome próprio Toni Erdmann, de Maren Ade, um filme que certamente vai ter daqui um trampolim para fazer uma carreira melhor nas salas internacionais e que deve chegar facilmente aos Óscares de Hollywood, em representação da produção de língua alemã. 

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