O herói, a heroína e a 60º edição do Festival da Eurovisão
A 60º edição do Festival da Eurovisão da Canção decorreu no passado dia 23 de maio, tendo sido vencida pelo cantor sueco Måns Zelmerlöw, com a canção Heroes.
A final da 60º edição do Festival da Eurovisão da Canção, dedicado à “construção de pontes”, decorreu em Viena de Áustria no passado dia 23 de Maio, tendo sido vencida pelo cantor sueco Måns Zelmerlöw, com a canção “Heroes”. Desta vez, ao contrário do que é habitual, se não ganhou o melhor, ganhou pelo menos um dos melhores. A canção representante da televisão sueca, SVT, foi apoiada por um excelente trabalho gráfico, que encheu o palco num jogo de luzes e efeitos que complementaram a performance simples e eficaz de Zelmerlöw. Tratava-se de um tema comercial mas com qualidade e força indiscutíveis, cuja vitória acabou por ter um certo simbolismo numa Europa ultimamente tão pouco solidária com os mais fracos e desprotegidos (principalmente com os refugiados e os imigrantes), uma vez que na sua letra se repete insistentemente a frase “we are the heroes of our time, but we’re dancing with the demons in our minds” e o seu intérprete fez trabalho voluntário em África.
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Ao todo, concorreram 40 canções, mas apenas 27 foram apuradas para a final – a portuguesa, uma vez mais, foi uma das que ficou pelo caminho. Vale a pena parar um pouco para refletir nos sucessivos fracassos da presença portuguesa nos festivais da Eurovisão, mais a mais quando essa presença é da responsabilidade de uma empresa de serviço público e representa o nosso país e, de certa forma, a nossa identidade. O problema não é o Festival em si, mas as opções estéticas e ideológicas da televisão pública portuguesa e a forma como tem tratado a música, os músicos e os autores nos últimos anos. Basta ligar para a RTP1, durante a manhã ou a tarde, para assistirmos a uma verdadeira galeria de horrores e piroseiras, cuja função só pode ser embrutecer e estupidificar as pessoas. Más canções, péssimas interpretações, letras mal escritas e atitudes, muitas vezes, machistas e homofóbicas têm constituído o prato forte daquilo que a RTP tem oferecido aos portugueses em termos musicais. Para manter este estado de coisas, nos últimos anos, a RTP tem optado por convidar diretamente músicos e autores de canções, ao que parece entre os amigos, em vez de fazer um concurso público como aconteceu durante anos e seria desejável numa televisão pública e democrática. Existe uma enorme variedade de pessoas a fazer música em Portugal, nos mais diferentes géneros, mas são sempre os mesmos que têm acesso ao Festival. O mais incrível é que todos os anos se fracassa e insiste-se nos mesmos erros. Dito isto, a culpa de mais um desaire musical nacional deve ser imputada à direção da RTP e não à intérprete, neste caso a Leonor Andrade, que até desempenhou bem o seu papel, embora tanto a canção como os seus arranjos fossem sofríveis.
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Para além do sucesso sueco e do fracasso português, houve mais algumas participações dignas de menção, em particular, as da Letónia (6º lugar), de Israel (9º lugar) e da Bélgica (4º lugar). É difícil não se ter ficado impressionado com a performance e o exotismo de Aminata, a cantora e compositora da Letónia, que defendeu “Love Injected”, uma excelente canção que cruzava influências de Bjork e Lykke Li e que teria merecido ficar entre os quatro primeiros classificados. O mesmo se poderia dizer de “Golden Boy” de Nadav Guedj, o jovem de 16 anos que representou Israel, com uma canção bem conseguida e que cruzava influências claras da música do médio oriente com a actual música de dança, e de “Rhythm Inside”, a canção da Bélgica, defendida por Loïc Nottet, que, apesar das óbvias influências de Michael Jackson, conseguiu ter uma presença não só eficaz mas original. Uma palavra ainda para a Austrália, que participou pela primeira vez no Eurofestival, com o estatuto de convidada, e se fez representar por Guy Sebastian, cujo profissionalismo deve ter feito corar de vergonha os representantes britânicos, os Electro Velvet, cuja aposta dixie não brilhou. De facto, o Reino Unido ficou entre as quatro canções mais mal classificadas juntamente com a Áustria, a Alemanha e a França, grupo a que só não se juntou a Espanha devido aos três pontos dados por Portugal. Curiosamente, estas cinco canções, que, em virtude da sua suposta qualidade superior, foram apuradas diretamente para a final, foram completamente chumbadas pelos públicos e júris nacionais, deixando no ar a ideia de que os apuramentos diretos, além de pouco éticos, são musicalmente muito discutíveis. No extremo oposto, ficaram as canções da Itália e da Rússia, que se posicionaram, respectivamente, em 1º e 2º lugar nas votações dos públicos nacionais, e em 3º e 2º lugar na votação final, obtida pelo somatório das médias dos votos dos júris e dos públicos de cada país.
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A 60ª edição do Festival da Eurovisão, apresentada por Mirjam Weichselbraun, Alice Tumler e Arabella Kiesbauer, com a preciosa ajuda de Conchita Wurst, a polémica heroína vencedora do ano passado, terminou com o regresso ao palco de Måns Zelmerlöw para voltar a interpretar “Heroes”, a canção vencedora, e recordar “that we are all heroes, no matter who we love, who we are or what we believe in. We are all heroes.”
João Peste Guerreiro
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