©Ulrich Seidl Filmproduktion

72ª Berlinale (Dia 2) | ‘Rimini’ de Ulrich Seidl

O realizador austríaco Ulrich Seidl, regressou com ‘Rimini’, mais uma das suas crónicas sociais, desta vez com uma sátira sobre uma cantor romântico em decadência, na estância turística italiana. É a história de um falhado, em tons nostálgicos e divertidos, mas sobretudo bastante ácidos.  

Rimini, o novo filme de Ulrich Seidl (ver a saga de três filmes intitulados ‘Paraíso’, 2012/13 ou o documentário ‘Safari’) é profundamente romântico, mas também é muito triste e duro. Por mais sujo e pervertido que possa parecer, à primeira vista, dificilmente um filme esteve tão próximo de um ensaio profundo, sobre o sentido da vida, a decadência e o envelhecimento. A história de ‘Rimini’ começa Richie Bravo (o actor austríaco Michael Thomas, vimo-lo por exemplo, entre outras coisa em ‘Rex, o Cão Polícia’ — com a morte de sua mãe, que o leva da Itália, o seu país adotivo, de volta ao quarto da sua juventude, na Baixa Áustria. O quarto está coberto de cartazes de Charlton Heston em ‘Ben-Hur’, de Terence Hill e Bud Spencer em ‘Trinitá, Cowboy Insolente’, e ainda vestígios de uma verdadeira preciosidade: ‘A Revolta dos Apaches’ (ou ‘Winnetou’- 1. Teil’, 1963), um western spaghetti, de produção germânico-italo-jugoslava, dirigido por Harald Reinl, com música de Martin Böttcher. Aliás um dos temas Winnitou-Melodie é cantado por Michael Thomas em Rochie, neste filme notável. Com o irmão mais novo, Richie celebra a despedida da casa dos pais na adega, com aguardente e melodias românticas tocadas na velha juke-box, guardada na arrecadação da cave e que serve também de garrafeira. O seu pai — a última aparição do grande actor alemão Hans-Michael Rehberg no cinema, antes do seu falecimento, no final de 2017 — está já numa casa de repouso, com a Alzheimer a trazer-lhe as (boas) memórias do Anschluss e do nazismo. Depois temos a estância balnear de Rimini, no Adriático, em pleno inverno, com um grupo de idosos, hospedados num hotel barato, desfrutando alegremente dos espectáculos Richie Bravo, cantando entre lágrimas e suspiros, as melodias românticas alemãs de outros tempos. Richie Bravo uma estrela de relativo sucesso, com um passado turbulento e um futuro incerto que ganha dinheiro em Rimini, — curiosamente onde foi filmado Amarcord de Federico Fellini — com o seu charme barato e seu estilo bombástico, mais como gigolô de mulheres à beira da velhice. Cartazes em tamanho real adornam a Vila Richie Bravo, uma casa que já foi gloriosa no passado, aliás como a carreira do cantor. Até que a sua filha Tessa (Tessa Göttlicher), que abandonou ainda criança e que nunca mais viu, vai por em causa a sua triste existência: entre os espectáculos de canções românticas (schmaltz), Richie vai conquistando os corações e os corpos envelhecidos das ‘madames alemãs’, à procura de um último grito de orgasmo. Curiosamente, tema também do outro filme do dia, ‘God Luck To You, Leo Grande, de Sophie Hyde, com Emma Thompson, apresentado na Berlinale Speciale. 

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VÊ TRAILER DE ‘RIMINI’

No presente, vemos a nostalgia da praia italiana molhada e fria no inverno. Mas Richie ainda ‘con molto amore’, usando uma cinta para espremer seu estômago numa ‘jaqueta’ apertada, continua a desenrascar-se, a entoar as suas canções românticas, até dar um golpe. Em mais um filme de Seidl em que ficamos entre o sorriso e a amargura, destaca-se além do argumento, — a realização é sempre fria e quase documental — a interpretação de Michael Thomas que é brilhante como filho, pai, homem e cantor. O seu sofrimento e angústias são tão reais e falsos quanto o seu amor. E o filme que é quase um solilóquio solitário de um só personagem, de um ‘cromo’, consegue transmitir-nos isso mesmo. Não foi certamente por acaso que a última obra de Ulrich Seidl, foi rodado em Rimini, com personagens que parecem saídas dos gloriosos filmes de Fellini.

JVM

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