O Pintassilgo | © NOS Audiovisuais

O Pintassilgo, em Análise

O Pintassilgo estreou ontem, dia 12 de setembro, nos cinemas nacionais, tendo tido direito à sua primeira exibição mundial no passado dia 8,  no Toronto International Film Festival. A estreia comercial nos Estados Unidos fica para amanhã. O que falhou no filme para que a sua recepção no TIFF tenha sido tudo menos entusiasta? 

Realizado por John Crowley, responsável por obras bem-recebidas como “Brooklyn” (2015) ou “A Rapaz” (2007), “O Pintassilgo“, ou “The Goldfinch” no original, é a adaptação cinematográfica do popular livro do mesmo nome, escrito por Donna Tartt, e o qual lhe valeu o Pulitzer. O filme surge em setembro, um pouco antes da altura de ouro para as estreias da temporada de prémios. Ainda assim, até à sua estreia em Toronto, “O Pintassilgo” parecia um legítimo esperançoso.

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Narra a história de Theodore Decker, interpretado por um competente Ansel Elgort (“Baby Driver”), e por um ainda superior Oakes Fegley na sua versão jovem, e que mais tempo de ecrã merece. Theo vê o seu mundo virado do avesso quando ele e a sua mãe são vítimas de um ataque terrorista no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque, a sua cidade natal. A mãe morre, e Theo escolhe uma família rica conhecida para o acolher temporariamente. É aqui que é acarinhado pela austera mas carinhosa Mrs. Barbour, interpretada por Nicole Kidman. 

Nicole Kidman
Nicole Kidman em “O Pintassilgo” (2019) |©NOS Audiovisuais

“O Pintassilgo” tenta entrar ao máximo na mente de Theo, acompanhando passado, presente e futuro, e invadindo cada canto da sua mente. Do seu tempo com os Barbour, até à sua recém encontrada paixão por mobiliário antigo, que se traduz numa carreira junto de Hobie (Um mais que satisfatório Jeffrey Wright) e da sua loja de antiguidades, até às suas amizades, o seu pai, as mudanças constantes na sua vida.

Jeffrey Wright
Jeffrey Wright e Oakes Fegley em “O Pintassilgo” (2019) |© NOS Audiovisuais

Este é um filme longo, vagaroso, contemplativo. A certo momento, a versão mais jovem da sua amiga e paixão Pippa (Aimee Laurence) retira um iPod da cómoda e coloca-o a funcionar. Parece um vestígio que se está a imiscuir numa realidade à qual não pertence. Entre os quadros, os vasos, a arte, o mobiliário clássico, nada nesta obra parece sediado no presente. Mesmo com a ameaça do terrorismo, mesmo com a transposição de alguns valores claramente quotidianos.

Aqui narra-se uma história poderosa, sobre amor, perda, vida, morte, uma daquelas narrativas que parecem encapsular toda a existência humana. Contudo, parece suspenso no tempo, sem vida, sem uma energia própria. Foi particularmente mal recebido, e mesmo sem ter lido a sua fonte literária, sei que esta é a culpada. É este o tipo de narrativa intimista, que sentimos atingir o seu potencial máximo quando nos é permitido conhecer o nosso “narrador” em detalhe, na primeira pessoa, acedendo, de modo intrusivo, a todos os seus pensamentos.

pintassilgo
Poter Oficial – “O Pintassilgo” (2019) |©NOS Audiovisuais

Sofre “O Pintassilgo” de um claro, inequívoco, problema de ritmo. O filme tem quase duas horas e meio, e é frequente sentir-se algum cansaço face à sua melancolia inerte. Theo está rodeado por morte, e poucas são as alegrias que podemos identificar na sua existência. Aqui, a vida humana parece risível em comparação com a arte, quando comparamos a durabilidade de ambas. Os homens perecem, mas o pássaro que funciona quase como um outro personagem deste filme, esse vive para sempre, passando de mão em mão.

Finn Wolfhard
Finn Wolfhard em “O Pintassilgo” (2019) |©NOS Audiovisuais

Um dos trunfos deste filme é sem dúvida o seu elenco, sobre o qual já discursei amplamente. Acrescente-se agora a menção ao excêntrico personagem secundário que conseguiu animar o ecrã durante o tempo que o gracejou. Falo de Boris, e mais especificamente do jovem Boris de Finn Wolfhard. O personagem fora da caixa de origem russa é uma espécie de cliché ambulante algo imperdoável, no que diz respeito a sotaque e comportamentos relacionados com bebida, e até alguns maneirismos de leste. Contudo, é uma figura bem-vinda, que anima a sala de cinema e consegue finalmente arrancar algumas gargalhadas, que atenuam a certa monotonia que domina o ecrã.

Ansel Elgort está letárgico, mas nada de errado com isso. É assim que deve ser. Theo carrega inúmeros demónios e é incapaz de os exorcizar. Não o podemos culpar, quem seria capaz no seu lugar? Mas à parte destas prestações competentes, “O Pintassilgo” tem um ligeiro grande problema, é como o quadro que lhe dá o nome. É muito parado, muito contemplativo, parece também ele estar num museu, sem respirar, sem “vida”. Está no seu museu, enclausurado, tal como o “Goldfinch”, um quadro verdadeiro, cujo verdadeiro exemplar original se encontra num museu na Holanda, tendo sido criada uma reprodução para o efeito. O filme  ele mesmo é apenas uma reprodução, uma tradução de um medium para outro.

Uma história fascinante, que no final das quase duas horas e meia não deixa de encher as medidas, mas que nos é contada com pouco vigor. Quem sabe, talvez a obra literária merecesse melhor…

“O Pintassilgo” está já em exibição nas salas nacionais. 

O Pintassilgo, em análise

Movie title: O Pintassilgo

Date published: 13 de September de 2019

Director(s): John Crowley

Actor(s): Ansel Elgort, Nicole Kidman, Jeffrey Wright, Luke Wilson, Finn Wolfhard , Sarah Paulson,

Genre: Drama

  • Maggie Silva - 65
65

O Pintassilgo

“O Pintassilgo” é uma boa história, transversal em termos geracionais e no que toca às emoções muito humanas que procura analisar. Contudo, uma boa história não é necessariamente um bom filme, e este é apenas razoável, falha-lhe dar o salto, e libertar-se do papel onde continua aprisionado.

O MELHOR: O elenco, perfeitamente imaculado

O PIOR: Não resulta como adaptação, mantendo-se demasiado preso à sua verdadeira natureza, um diálogo interno de um personagem

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