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Cry Macho – A Redenção, em análise

Aos 91 anos, Clint Eastwood continua a trabalhar atrás e à frente das câmaras. “Cry Macho – A Redenção” é o seu mais recente esforço, contando uma história de deveres patriarcais na paisagem fronteiriça entre o México e os EUA. O filme ainda pode ser visto nalguns cinemas e está disponível para alugar em várias plataformas, incluindo o Youtube e Apple iTunes.

Há mais de uma década que cada novo filme de Clint Eastwood é encarado como uma potencial despedida. Considerando a idade avançada do cineasta e estrela, isso é perfeitamente entendível. “Gran Torino”, estreado em 2008, parecia ser, para muitos, esse perfeito testamento final do homem atrás da câmara. Contudo, Eastwood perdura e assim perdura o seu cinema. Cada carta do adeus é reavaliada quando uma nova fita chega, cada testamento rasurado na espera de novo documento final. Quiçá o próprio realizador encare todo o novo projeto como potencial trabalho derradeiro, refletindo sobre os mesmos arquétipos e iconografias na esperança de deixar conclusão à carreira, ao inegável legado cinematográfico.

“Cry Macho – A Redenção” certamente seria um respeitoso adeus, mesmo que extremamente modesto e sem nada importante a dizer. O projeto é quase tão antigo como a carreira de Eastwood enquanto realizador. No início dos anos 70, Richard Nash escreveu a primeira versão do argumento e, incapaz de o vender a qualquer estúdio de cinema, acabou por transformar o texto num romance. Publicado em 1975, “Cry Macho” depressa começou a encantar artistas na procura de uma história para adaptar para o grande ecrã. Foi uma ironia cruel para Nash, mas, mesmo assim, esse interesse nunca se materializou num filme finalizado.

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Em meados da década de 80, até Clint Eastwood foi considerado para o papel principal, mas recusou pois não se sentia velho o suficiente para o interpretar. Lá o projeto ficou para trás nas memórias de todos. Depois de uma versão com Arnold Schwarzeneger ter sido considerada e nunca ir para a frente, décadas passaram sem ninguém revisitar a história de Nash. Contudo, Eastwood parece nunca se ter esquecido desse papel que declinou. Com a ajuda de Nick Schenk, argumentista de “Gran Torino” e “Correio de Droga”, o realizador ancião lá adaptou o romance antiquado a um guião pronto para ser finalmente filmado.

Outra imensa ironia em toda a odisseia de “Cry Macho” é que, se Eastwood era demasiado novo nos anos 80, agora é demasiado velho para ser o protagonista. Enfim, ele é uma estrela de cinema com carisma a condizer. A idade não interessa quando a câmara o adora. É claro que, para entendermos como a presença do Eastwood nonagenário no centro da trama muda os paradigmas do conto, temos de saber a história a ser contada. Em certa medida, é tudo muito simples. No Texas de 1979, Mike Millo é uma antiga estrela dos rodeos que, depois de muitos problemas com álcool e um acidente ruinoso, foi salvo pela mercê de um antigo patrão, Howard Polk.

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É esse outro senhor que faz a Mike um pedido imenso, incumbindo-lhe a missão de viajar a sul da fronteira e resgatar o filho de Howard, Rafo, da mãe mexicana. A aventura leva-o ao encontro da matriarca todo-poderosa, Lena, que depressa o informa que rapaz se virou para uma vida de crime, participando em lutas de galos com o seu adorado pássaro chamado Macho. Com promessas de um Howard cheio de afeto paternal, Mike lá convence o gaiato a abandonar o México, mas a mãe usa a sua influência para tornar a situação muito difícil. A meio da viagem sôfrega, o nosso herói lá se apercebe que nenhum dos pais se preocupa muito com Rafo.

Ambos usam o rapaz como moeda de troca e, verdade seja dita, Mike é provavelmente o adulto com mais afeto pelo miúdo. Assim se exploram noções de responsabilidade e, acima disso, ideias armadilhadas de masculinidade enquanto força definida pela violência, a insensibilidade, e a resiliência silenciosa. Considerando quanto a carreira de Eastwood ajudou a consolidar essas mesmas ideias tóxicas, uma desconstrução delas traz consigo o pesar de um mestre em autorreflexão. É claro que não há grande revisionismo no exercício, nem mesmo profundidade. A moral da história acaba por se resumir a uma exultação da vontade própria acima da fidelidade a ideais e arquétipos que negam a individualidade de cada um.

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Também é sobre redenção pessoal, sobre os modos em como salvar alguém pode ser o veículo pelo qual nos salvamos a nós próprios. Eastwood, tão apegado ao valor do indivíduo prevalecendo sobre a pressão de instituições, pinta novo verniz sobre os mesmos conceitos que já explorou até à exaustão em filmes anteriores. O que diferencia “Cry Macho” e lhe dá alguma identidade é o tom melancólico com que tudo é apresentado. Trata-se de um filme crepuscular sobre o Outono na vida do seu protagonista, quando a folha caduca cai da árvore e o degredo anuncia uma renovação. O que distingue é quanto o realizador deixa que a sua fragilidade molde os ritmos da montagem, a doce displicência fotográfica, a música embaladora. Longe de ser murro, facada, ou tiro, “Cry Macho” é uma carícia reticente.

No entanto, isso traz consigo os seus problemas, desde um texto que se recusa a desenvolver qualquer personagem até um filme que se move ao ritmo de um caracol e não oferece nenhum espanto estético para compensar a letargia. Há inação e há inércia, mas Eastwood lá se impõe no centro de tudo, um monumento capaz de conceder uma aura de valor a tudo o que toca. Nunca vemos Mike em cena, mas sim a estrela de Hollywood que começou a carreira em 1955 e, desde então, tipificou géneros e preservou convenções. Testemunhá-lo é o grande apelo de “Cry Macho” que, além da estrela, tem pouco para oferecer. Por outras palavras, é visionamento obrigatório para fãs de Clint Eastwood e mais ninguém.

Cry Macho - A Redenção, em análise
Cry Macho

Movie title: Cry Macho

Date published: 9 de November de 2021

Director(s): Clint Eastwood

Actor(s): Clint Eastwood, Eduardo Minett, Dwight Yoakam, Fernanda Urrejola, Natalia Traven, Horacio Garcia Rojas, Ivan Hernandez, Lincoln A. Castellanos, Marco Rodríguez

Genre: Drama, Thriller, Western, 2021, 104 min

  • Cláudio Alves - 58
58

CONCLUSÃO:

Como uma canção em surdina, um discurso sussurrado, “Cry Macho – A Redenção” encara a estrela de Clint Eastwood e dela extrai o conto de um patriarca fracassado a tentar expiar seus pecados e quiçá encontrar paz no fim dos dias. Se este for o último filme desta lenda viva do cinema, é uma nota menor que termina a sinfonia. Parece-nos ser um ponto final lógico, mas queremos mais mesmo assim.

O MELHOR: O carisma inato de Clint Eastwood, sua capacidade para projetar grande reflexão interior sem nada fazer em termos de atuação vistosa. A sua presença pesa, magnetiza, eletrifica o ecrã até nesta variação mais frágil e lenta.

O PIOR: Os clichés do texto antiquado, o entorpecer estrutural, um primeiro ato inerte.

CA

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