Donald Trump tentou cancelar esta série nostálgica, mas a Netflix não deixou
A Netflix anda outra vez a fazer das suas, mas desta vez a plataforma de streaming meteu-se onde até os políticos temem pisar.
A política norte-americana e o entretenimento infantil raramente partilham o mesmo palco, mas quando o fazem, o espetáculo é digno de um reality show surrealista. Desta vez, o protagonista involuntário foi o eterno programa “Rua Sésamo“, que escapou por um triz a um fim abrupto graças a uma jogada inesperada da Netflix.
A ironia é deliciosa: um dos programas mais emblemáticos da televisão pública, criado para educar crianças com valores de inclusão e aprendizagem, foi salvo por uma multinacional que também nos traz “The Witcher” e “Bridgerton“. Se isto não é o capitalismo a funcionar na sua forma mais peculiar, então o Monstro das Bolachas é um nutricionista certificado.
Netflix adopta a “Rua Sésamo” e garante o futuro da série
A Netflix anunciou através da Tudum esta semana um acordo com os produtores de “Rua Sésamo”, assegurando não apenas novas temporadas, mas também um arquivo robusto de episódios clássicos. A decisão surge após a administração Donald Trump ter decidido cortar o financiamento à PBS (Public Broadcasting Service), alegando “cobertura tendenciosa” (porque, aparentemente, até os Marretas são agora agentes da esquerda globalista).
Num comunicado, a Netflix descreveu “Rua Sésamo” como “um pilar adorado dos media infantis, que continua a encantar mentes jovens e a nutrir o amor pela aprendizagem”. E, convenhamos, é refrescante ver uma empresa a investir em conteúdo educativo em vez de apostar apenas em mais franchises ou comédias românticas descartáveis. Ainda assim, fica a dúvida: será que o algoritmo da Netflix vai sugerir “Rua Sésamo” a quem maratona séries como “Stranger Things“?
Quanto à dobragem portuguesa, há motivos para ceticismo. Os fãs da versão lusa recordam com carinho as vozes de Luís Velez (Poupas), Rui de Sá (Egas) e Rui Paulo (Becas), mas a Netflix tem um histórico questionável em relação a localizações. Será que vamos ter de nos contentar com legendas ou uma dobragem low-cost feita por IA? Se o Monstro das Bolachas aparecer a falar com sotaque brasileiro, haverá revolta nas ruas (sésamo).
Porque é que isto importa?
Desde a sua estreia em 1969, “Rua Sésamo” tornou-se muito mais do que um programa infantil—é um fenómeno cultural que atravessou gerações e fronteiras. Em Portugal, marcou miúdos e graúdos com os seus sketches hilariantes, músicas cativantes e personagens inesquecíveis. Lembram-se do Conde de Kontarr a ensinar-nos a contar? Ou do Egas e do Becas a discutirem como se fossem um casal em terapia? Ou a clássica musica “Tenho o orgulho de ser uma vaca“? Pois é, isto era conteúdo de qualidade antes da expressão “conteúdo de qualidade” se tornar uma palavra chave de marketing.
A mudança para a Netflix levanta questões interessantes. Por um lado, democratiza o acesso, permitindo que crianças em países sem PBS (ou com governos menos entusiastas de programas educativos) possam acompanhar as aventuras do Elmo e companhia. Por outro, há algo nostálgico na ideia de “Rua Sésamo” como um programa tradicional, algo que se via ao final da tarde em família. O streaming é conveniente, mas será que perde um pouco da magia?
E, claro, há o elefante na sala (ou o Poupas na rua): será que a Netflix vai meter a série atrás de uma paywall extra, como fez com os filmes da Disney? Ou será que, num gesto de rara benevolência corporativa, vão deixar este tesouro cultural acessível a todos? Seja como for, o mundo está um pouco melhor ao saber que o Monstro das Bolachas não vai ser despejado da televisão por caprichos políticos.
Vais maratonar os episódios clássicos ou vais esperar pelos novos capítulos para os mostrar aos mais pequenos? Partilha a tua opinião e memórias favoritas da série nos comentários.