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A Vida Luminosa – análise

João Rosas estreia a sua primeira longa-metragem de ficção “A Vida Luminosa” (2025). Depois de ter estreado no IndieLisboa de 2025, o filme vai ter estreia comercial em salas de cinema já na próxima quinta-feira 26 de junho. “A Vida Luminosa” prossegue a história de Nicolau, introduzido pelo realizador nas suas curtas-metragens anteriores “Entrecampos” (2013), “Maria do Mar” (2015) e “Catavento” (2020). Nesta longa-metragem, Nicolau comemora os seus 24 anos enquanto ainda reage a um desgosto amoroso.

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Antes de A Vida Luminosa

Francisco Melo
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Para falar de “A Vida Luminosa” é preciso ter em conta que o filme segue uma continuidade. João Rosas traz nesta longa-metragem o regresso da personagem Nicolau (interpretada por Francisco Melo). O realizador acompanha o crescimento desta personagem, da infância até à idade adulta, através das curtas-metragens “Entrecampos” (2013), “Maria do Mar” (2015) e “Catavento” (2020). É, assim, uma espécie de “Boyhood – Momentos de uma Vida” (2014, Richard Linklater) à portuguesa, com a diferença de que são quatro filmes e não apenas um.

Ainda assim, para o espectador que não viu os filmes anteriores, “A Vida Luminosa” pode ser visto de forma isolada. É verdade que há um crescimento / desenvolvimento de Nicolau, mas João Rosas não toma como garantido que o espectador tenha visto os filmes anteriores. Apesar disso, é sintomático que a leitura do espectador que viu os filmes anteriores seja diferente.

Não deixa de ser curioso, por exemplo, que haja duas coisas que são abordadas nesta longa-metragem que não vemos nas curtas-metragens, ou seja, são elididas. Refiro-me à bicicleta que Nicolau recebeu aos 14 anos da qual não se quer desfazer por ter valor sentimental (deduzimos que poderá ter sido oferecida por Maria do Mar, mas é algo que nunca vimos) e à namorada que termina a relação com ele que terá já começado depois do final da narrativa de “Catavento” e antes da narrativa de “A Vida Luminosa”.

Nicolau em 2025 e o cinema dentro do filme

Francisco Melo
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Assim, no intervalo de 5 anos desde “Catavento” até “A Vida Luminosa”, Nicolau continua muito igual a si mesmo e a melhor referência de continuidade é a sua ligação à música, introduzida no filme anterior. Logo na primeira cena do filme, Nicolau aparece a cantar num coro. Devo confessar que estava na expectativa de ver Nicolau como maestro do coro (João Rosas deixa essa expectativa, uma vez que o plano começa noutras personagens) mas… Nicolau é um simples coralista. Nicolau continua Nicolau. Ainda assim, de músico individual em “Catavento”, passou a integrar uma banda em “A Vida Luminosa” (algo que, em certa medida, o final de “Catavento” já pressagiava)…

Sendo este filme integrante de uma quadrilogia, há-que pensar nas relações entre as diferentes obras… Por exemplo, um fator que é comum a três dos quatro filmes é a inclusão direta do cinema dentro do filme. Em “Entrecampos”, João Rosas termina o filme com o som dos técnicos a terminar o trabalho. Já em “Maria do Mar”, para lá do título que homenageia o homónimo filme de Leitão de Barros de 1930 às breves referências em conversas, há, depois, sobretudo a aparição especial de José Manuel Costa (na altura, diretor da Cinemateca Portuguesa). Por fim, em “A Vida Luminosa” se, por um lado, João Rosas se apresenta no filme enquanto personagem como um realizador frustado sem apoios, também Nicolau frequenta a Cinemateca para ver o seu desgosto de amor à distância…

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Relações entre os diferentes filmes de Nicolau

A Vida Luminosa
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Outras pequenas relações entre os quatro filmes existem, ainda que não sejam comuns aos quatro. Assim, a presença da natureza é um fator importantíssimo em “Maria do Mar”, “Catavento” e “A Vida Luminosa”, ainda que no filme mais recente seja-o de forma mais subtil. No que diz respeito à natureza, há um elemento comum entre “Maria do Mar” e “A Vida Luminosa” que é o facto de Nicolau trepar árvores em ambos os filmes, ou seja, no fundo, Nicolau ainda pertence à sua infância; é bom não perder este seu lado, mesmo que pontualmente.

Outro cruzamento curioso entre “Maria do Mar” e “A Vida Luminosa” é a presença dos fatos. Se, no primeiro, era Tiago (interpretado por Miguel Plantier) quem se escondia num fato de gremlin depois de um desgosto amoroso, agora, é Nicolau que veste um fato de Pai Natal como forma de publicitar a livraria onde trabalha. Por outro lado, a praia (que não aparece neste último filme) é também presença comum em “Maria do Mar” e “Catavento” e, em ambos os casos, por razões de amor. Por último, a decoração do quarto de Nicolau na casa dos pais, introduzida em “Catavento” é, claro, semelhante em “A Vida Luminosa”.

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A Vida Luminosa ou à procura da luz

A Vida Luminosa
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Com 24 anos acabados de fazer, Nicolau vai fazendo pequenos trabalhos (desde colar cartazes a contar bicicletas). Pode-se dizer que Nicolau se mantém o cata-vento do filme anterior (e é verdade). Nesse sentido é sintomático que a letra da música com que o filme começa seja “De todas as coisas certas, a mais certa e sabida é a dúvida.”

No entanto, esta é a realidade de muitos jovens portugueses (infelizmente). Esse é um lado extremamente documental do filme (ainda que seja uma ficção). Devo até dizer que João Rosas consegue fazer melhores documentários através da ficção (devido à leveza dos filmes) do que com documentários propriamente ditos como foi com o caso de “A Morte de uma Cidade” (2022) onde se sente um desgaste grande no filme que poderia perfeitamente ter 1h30 em vez de 2h…

Um fator documental do filme é ainda o facto de que Francisco Melo toca algumas músicas da sua autoria neste filme (tal como já havia feito em “Catavento”); ou seja, a realidade é, assim, transposta para a ficção.

Não posso ainda deixar de me relacionar diretamente com o filme (estando na mesma faixa etária de Nicolau), relacionando-me diretamente com algumas características de Nicolau. Esta aproximação com o real é, portanto, um fator bem conseguido no filme e que, infelizmente, pode não chegar assim a tantos jovens quanto isso devido à falta de divulgação do cinema português. É pena mas a culpa não é, obviamente, de João Rosas…

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A vida adulta de Nicolau

Nicolau e os pais no novo filme de João Rosas
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“A Vida Luminosa” é um filme equilibrado. No sentido em que começa com um Nicolau de rastos, ressacado da sua última namorada mas vai prosseguindo de forma positiva. Assim, mais tarde, Nicolau consegue um trabalho numa livraria, consegue alugar um quarto fora da casa dos pais e até arranja uma nova namorada francesa. Problema: ela vai regressar a Paris. Tudo o que se tinha equilibrado na recente vida adulta de Nicolau volta a desequilibrar-se… Estamos, portanto, perante um filme que (felizmente) não é igual do princípio ao fim. Justifica-se, assim, a sua existência, mas há um ciclo que, em certa medida, nunca se fecha para Nicolau que é o desgosto amoroso. Assim, no final do filme, Nicolau quer largar tudo para ir para Paris…

Não é estranho para os espectadores dos filmes anteriores de João Rosas com a personagem Nicolau que o realizador tenha decidido fazer esta longa-metragem. É verdade que em “Entrecampos” o foco da narrativa não era Nicolau mas sim Mariana (que se perde e é ajudada por Nicolau e o seu irmão Simão a regressar a casa). Ainda assim, João Rosas percebeu o potencial do ator/personagem e fez com que Nicolau reaparecesse e fosse o protagonista de “Maria do Mar” e de “Catavento”.

Com a ressalva muito importante que, além do crescimento do ator/personagem, também os filmes cresceram não só na qualidade mas também na duração. Assim, as obras têm, sequencialmente, 32 minutos, 35 minutos, 41 minutos e, agora, 99 minutos. Já se sentia, portanto, um impulso de João Rosas para fazer uma longa-metragem, sobretudo desde “Catavento”. Ao longo do anos, há o crescimento da narrativa, da personagem, do(s) ator(es) e até do próprio realizador.

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A técnica de A Vida Luminosa

A Vida Luminosa
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Do ponto de vista técnico, este é um filme bem conseguido. Diria que, mesmo quem não conheça as curtas-metragens anteriores de João Rosas, ficará satisfeito com este filme. Tem uma narrativa simples – pontuada com pequenos momentos de comédia (como a própria vida), característica que já é de Nicolau desde “Entrecampos”. Além disso, tem uma direção de fotografia bem pensada onde a cidade de Lisboa tem importância mas não é um mero postal turístico (há uma certa influência da Nova Vaga Francesa) e a montagem do filme e o encadeamento das cenas também está bem conseguida.

A propósito do filme, João Rosas refere mesmo no press kit: “Depois de ter retratado Nicolau ainda criança, aos 11 anos, como o amigo de Mariana em “Entrecampos”; aos 14, como o protagonista adolescente que desperta para a sexualidade em “Maria do Mar”; e aos 18 na sua entrada para a faculdade em “Catavento”, proponho-me agora retratar com leveza, sensibilidade e humor, a educação sentimental de Nicolau no seu reticente adeus à juventude.” Com este ponto de vista, podemos dizer que João Rosas atingiu o objetivo e podemos estar perante um dos melhores filmes portugueses do ano.

Uma última referência a saber: as curtas-metragens “Entrecampos” e “Maria do Mar” estão disponíveis para visionamento na FilmIn. Assim, podes ver estes dois filmes antes de veres “A Vida Luminosa” em cinema (ou mesmo depois disso, se preferires).

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A Vida Luminosa

Conclusão

  • “A Vida Luminosa” é a primeira longa-metragem de ficção de João Rosas. Acompanha Nicolau de 24 anos após um desgosto amoroso enquanto tentar equilibrar a sua recente vida adulta.
  • Estamos perante um filme simples e leve, bem equilibrado, em que a ficção é quase tratada de um ponto de vista documental.
Overall
9/10
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