As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul, Análise
Hong Sang-Soo é um dos mais importantes realizadores de cinema do Oriente na atualidade. Ainda assim, são raras as oportunidades que temos de ver as suas novas obras em Portugal. “As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul” é o novo filme do realizador protagonizado por Isabelle Huppert e distribuído pela No Comboio. Hong Sang-Soo já tinha trabalhado com a atriz em dois outros filmes “Noutro País” (2012) e “La Caméra de Claire” (2017); este último foi filmado em França e nunca estreou em Portugal até à data.
Com “As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul”, ainda que seja a segunda vez que Isabelle Huppert filma com o autor na Coreia do Sul, sentimos quase como se fosse a primeira vez. A atriz interpreta Iris, uma mulher francesa recém-chegada ao país e que dá aulas de francês a duas mulheres. É a primeira vez que o faz. O filme estreia amanhã, quinta-feira 7 de agosto, nos cinemas nacionais.
As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul, um filme simples
Hong Sang-Soo é um dos realizadores de cinema mundial, no contexto do cinema de autor, que mais filmes lança por ano. Facilitará, claro, o facto de que o realizador faz quase tudo nos seus filmes. Assim, em “As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul”, Hong Sang-Soo é realizador, argumentista, produtor, diretor de fotografia, montador e ainda compositor. A simplicidade com que trata os seus filmes faz com que tenha uma linguagem muito própria e que consiga trabalhar nos seus filmes de forma extremamente pessoal.
Não é, portanto, de estranhar que o realizador muitas vezes lance mais do que um filme por ano. Infelizmente, em Portugal não temos a sorte de receber o lançamento de todos os seus filmes… A saber, desde 1996 (data em que lançou o seu primeiro filme), o autor já fez 33 longas-metragens (o que equivale a uma média de 1,14 por ano, fora as curtas-metragens). Destas 33, em Portugal pudemos ver apenas 13 (agora 14) obras. A saber ainda que um destes filmes, neste caso o seu primeiro – “O Dia em que um Porco Caiu a um Poço” – não teve estreia em circuito comercial tendo sido apenas exibido em circuitos alternativos. Assim, para apreciadores de cinema alternativo, uma estreia de um novo filme é quase um acontecimento.
Com “As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul”, Hong Sang-Soo trabalha com a atriz francesa Isabelle Huppert pela terceira vez. A atriz interpreta Iris, uma pessoa que acabou de chegar à Coreia do Sul e vai conhecendo as suas pessoas e hábitos, enquanto se apaixona pela comida, bebida e poesia. É um filme sem uma narrativa longamente elaborada. Para apreciadores da obra de Hong Sang-Soo (como eu) não é nada de novo, claro.
Sem história? Sim, mas…
“As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul” é um filme que, tal como os anteriores de Hong Sang-Soo, nos faz parar um pouco. É uma obra que vai contra a corrente tradicional do cinema em movimento contínuo e esquizofrénico. Podemos, então, dizer que estamos perante um filme de “imagem-tempo”, como diria Gilles Deleuze.
Para vermos o quão simples e “lento” é este filme, deixo-vos um dado importante: em 90 minutos, temos apenas 43 planos. Destes, é importante descontar 9 que são planos bastante curtos; na maioria dos casos, planos de transição com natureza ou planos mais curtos das personagens e que duram até 10 segundos. Assim, vamos assumir que, ao longo de 89 minutos (ou 88, descontando os créditos), temos um total de 34 planos. Isto dá uma média de 2 minutos e 35 segundos por plano (é claro que há uns mais curtos e outros bastante mais longos).
Por outro lado, Hong Sang-Soo, na sua linguagem muito própria, faz zoom-ins ou zoom-outs sem cortar o plano, bem como panorâmicas. Nesse sentido, apesar do caráter aparentemente frágil e amador do autor (e que até poderia ser), isto provoca em nós, espectadores, uma estranheza propositada. É o assumir do dispositivo cinematográfico por parte do realizador.
Além disso, a longa duração dos planos de “As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul”, faz com que, em certa medida, estejamos a assistir a uma peça de teatro onde estas personagens têm longos diálogos. É o reforço da construção. Mas… e esta “lentidão” e calmaria não é aquilo que, realmente, se deveria aproximar das nossas vidas? É preciso pararmos para sentirmos…
De notar ainda que, perante estes planos longos, o som tem também um papel fundamental. Ou seja, é igualmente dada importância ao que está fora-de-campo, por exemplo.
Um estudo de personagens, sentimentos e culturas
A personagem Iris é enigmática. E isso é propositado. Sabemos que vem de França mas não sabemos exatamente de onde ou que lá fazia. Está, agora, na Coreia do Sul onde, pela primeira vez, ensina francês. E fá-lo com um método muito pouco usual: traduzindo frases importantes que as suas alunas lhe dizem. É algo de mágico e diferenciador. É místico e enigmático.
Este filme é um pouco diferente dos outros que temos recebido em Portugal do realizador. Não por motivos estilísticos mas narrativos. Nunca Hong Sang-Soo tinha chegado tão longe ao “vazio”. Nunca o realizador nos tinha dado tanto com tão pouco. Ainda assim, vemos, quase no final do filme uma sequência bem carregada das narrativas tradicionais do realizador quando a mãe (Cho Yun-hee) de Inhuk (Ha Seong-guk) fala com o filho sobre a relação dele com Iris. Os desencontros amorosos e a tentativa de perceção de sentimentos que, no final, acabam por ficar apenas implícitos, é um dos assuntos mais acarinhados por Hong Sang-Soo.
Com “As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul” não estamos perante o melhor filme do realizador entre nós mas é um filme que, ainda assim, nos confronta e leva a pensar sobre nós próprios e sobre o confronto de culturas.
As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul
Conclusão
- “As Aventuras de Uma Viajante na Coreia do Sul” é o mais recente filme de Hong Sang-Soo a ser lançado em Portugal. Estreado no Festival de Berlim em fevereiro do ano passado e, entre nós, no IndieLisboa em maio do mesmo ano, este não é, contudo o último filme do realizador que já lançou outros dois entretanto.
- Infelizmente, em Portugal, não conhecemos sequer metade da obra do realizador pelo que é sempre bom quando é lançado um novo filme.
- Este filme mantém o ritmo artesanal e lento que Hong Sang-Soo nos habitou mas também traz algo novo quando há uma maior deambulação e alienação das personagens. Nos tempos que correm é sempre bom pararmos um pouco, descansar e refletir perante uma obra tão intimista. Uma lufada de ar fresco.