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Lá em Cima, a Crítica

Do realizador Hong Sang-soo surgiu, pela distribuição da Midas Filmes, “Lá em Cima”, uma obra que marcou presença no Festival de Cannes.

Poucos meses depois da estreia mundial de “So-seol-ga-ui yeong-hwa” (“A Romancista e o seu Filme”), 2022, o prolífico cineasta sul-coreano Hong Sang-soo deu-nos a conhecer nova longa-metragem, “Tab” (“Lá em Cima”), 2022, mais uma vez assumindo uma autoria plena não só da realização mas também da produção, do argumento, da fotografia, da montagem e  da componente musical, para a qual concebeu uma partitura original. Nada de novo, já o fizera antes e muitas vezes com resultados muito curiosos e sobretudo eficazes.

Lá em Cima
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Há mesmo quem ouse lançar para o ar um ou outro sarcasmo, afirmando que só lhe falta cozinhar os petiscos e servir as bebidas que os actores/personagens consomem nos seus filmes, quase sempre em doses generosas, sobretudo quando falamos de vinho ao estilo ocidental ou então das variantes alcoólicas locais, como o Soju (a mais popular bebida destilada da Coreia, produzida a partir de arroz) ou o Makkoli (que usa arroz e trigo fermentado). E, se calhar, quem sabe? Se for verdade, seguramente não vem daí mal nenhum ao mundo.




PARA CIMA, PARA BAIXO, E TENHAM CUIDADO COM A GRADE DA VARANDA…!

Na longa-metragem “Lá em Cima” encontramos de novo o actor Kwon Hae-hyo, mais uma vez no papel de um realizador, o bem-sucedido e famoso Byung-soo, segundo se diz. Como habitualmente acontece nas obras de Hong Sang-soo, um belo dia e sem grandes enquadramentos preliminares, ele e a filha Jeong-su (Park Mi-so) dirigem-se a um prédio perfeitamente comum onde vão ao encontro da senhora Kim (representada pela mesma actriz que fizera de romancista no filme anterior, Lee Hye-young). No presente filme veste a pele de proprietária do imóvel onde irá receber pai e filha, basicamente porque Byung-soo deseja que Kim oriente Jeong-su nos meandros profissionais da decoração de interiores. Depois, numa visita com qualquer coisa de imponderabilidade didáctica, os interlocutores sobem e descem as escadas que dão acesso aos diferentes apartamentos e pisos.

Lá em Cima
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No segundo andar encontra-se um restaurante que, como noutros filmes do realizador, parece quase só existir para uso das personagens que participam em cada uma das suas ficções. De facto, não deixa de ser deliciosa a forma como Hong Sang-soo assume os diálogos naturalistas que os actores verbalizam (e que muitas vezes parecem improvisados sem o serem verdadeiramente) num contexto em que amiúde despontam sinais de alguma irrealidade, ou pelo menos, de estranhas formas de simplificação dramática.




Partindo destas premissas, proponho que recordemos o corolário que defendi no artigo anterior (na crítica referente ao filme “A Romancista e o seu Filme”), ou seja, o de que o cinema visto pela perspectiva do realizador exige cumplicidade militante da nossa parte. Para alcançarmos as fronteiras, assim como os horizontes distantes do processo narrativo que nos propõe, precisamos de percorrer o caminho que se faz caminhando, palavra a palavra, gesto a gesto, bebida após bebida, até ao ponto culminante em que sentimos que dali para a frente já nada mais nos pode deter ou surpreender.

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Lá em Cima
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Tensão e repouso no mesmo plano. Mas, como refere Byung-soo, o realizador da ficção, ao desfrutar da redutora vista urbana a partir de uma ampla varanda do apartamento do último andar que acaba por alugar, muito cuidado com a grade que lá do alto separa os pobres mortais de uma nada meiga queda para a rua. Na verdade, resta sempre a dúvida. Será a dita grade segura ou suficientemente sólida para que alguém se debruce nela sem correr riscos sérios e desnecessários?




lá em cima
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Ao longo do filme iremos dar conta dos altos e baixos de um realizador momentaneamente inactivo, penetrando pouco a pouco na intimidade das suas relações sentimentais e amorosas com outras mulheres que, aliás, muito irão perturbar a cada vez mais descartada Kim. Neste sistema de vasos comunicantes por onde escorre o melhor e menos mau da alma humana, autênticos canais invisíveis que abrangem os diversos andares do prédio, somos repetidamente convidados a partilhar as aventuras e desventuras de um homem rodeado de mulheres, e esse exercício de pura fruição cinéfila é o que vos convido a descobrir num grande ecrã e em sala, onde a intimidade dos sentimentos perseguidos ou perdidos melhor se sente através do jogo de sombras e luz de um cinema assumido como arte da filigrana das motivações pessoais, ensaio sobre a posição do eu no colectivo e, para os devidos efeitos, uma vibrante experiência espiritual de ressonâncias existenciais.

Lá em Cima, a crítica
Lá em Cima

Movie title: Tab

Director(s): Hong Sang-soo

Actor(s): Kwon Haehyo, Lee Hyeyoung, Song Sunmi, Cho Yunhee, Park Miso, Shin Seokho

Genre: Drama, 2022, 98min

  • João Garção Borges - 70
70

Conclusão:

PRÓS: Mantém com grande coerência o estilo e o modelo de produção e realização de Hong Sang-soo. Esta estreia, uma de duas na mesma semana, vem assim reforçar o conhecimento de uma obra singular, relativamente visível fora dos circuitos comerciais mais redutores. Em Portugal, os filmes do autor foram distribuídos e programados com a preciosa participação da Leopardo Filmes e da Midas Filmes.

Recordo as obras anteriores dadas a conhecer no nosso país, por ordem cronológica de produção: “Mulher na Praia” (2006), “Noite e Dia” (2008), “O Filme de Oki” (2010), “O dia em que ele chega” (2011), “Noutro País” (2012), “Sítio Certo, História Errada” (2015), “O Dia Seguinte” (2017), “A Mulher Que Fugiu” (2020), “Apresentação” (2021), “Perante o teu Rosto” (2021), e os que agora estão na calha para estrear, “A Romancista e o seu Filme” e “Lá em Cima”, ambos de 2022.

CONTRA: Nada.

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