"A Chiara" | © Leopardo Filmes

A Chiara, em análise

A Chiara” marca o último capítulo de uma trilogia temática e geográfica de Jonas Carpignano. Antes de chegar aos cinemas portugueses com distribuição da Leopardo Filmes, a obra passou por Cannes, onde ganhou um galardão na Quinzena dos Realizadores. Mais tarde, durante a temporada de prémios da indústria, “A Chiara” foi nomeado em três categorias dos Film Independent Spirit Awards – Melhor Montagem, Melhor Fotografia e Melhor Filme.

Em 2015, Jonas Carpignano, realizador italo-americano que cresceu entre Roma e Nova Iorque, assinou a sua primeira longa-metragem. “Mediterrânea” seguiu a viagem de dois homens que emigram de África para a Europa, chegando ao fim do seu caminho em Calábria. A obra serviu como retrato da experiência do refugiado, usando não-atores para alcançar uma espécie de Neorrealismo Italiano transplantado do pós-guerra para o novo milénio. Esse foi somente o início de uma jornada cinematográfica pela qual Carpignano se propôs a capturar a essência da região.

Para sua segunda longa-metragem, o cineasta alterou a direção do seu olhar, passando de uma comunidade marginalizada para outra que sofre preconceitos diferentes. Ao invés de refugiados africanos, “A Ciambra” é um estudo de personagem sobre juventude Romani, acompanhando o amadurecimento de um rapaz forçado a lidar com expetativas comunitárias, pressões sociais e tradições masculinas. Alguns dos atores amadores de “Mediterrânea” aparecem como personagens secundárias, fixando um cordão umbilical entre os dois filmes.

a chiara critica
© Leopardo Filmes

Semelhantes ligações se fazem entre “A Ciambra” e “A Chiara,” com algumas das crianças Romani a aparecerem neste novo filme. Aqui, Calabriano, Jonas Carpignano salta dos marginalizados para aqueles com poder, apesar de se manter num paradigma que vive nas sombras da sociedade mainstream. Desta vez é a máfia que lhe chama a atenção, mas mesmo aqui o realizador aborda o milieu por uma via inesperada. Conhecemos a família Guerrasio em cena festiva, quase que em paródia do prelúdio nupcial de “O Padrinho,” mais famoso filme sobre gangsters italianos na História do Cinema.

Ao invés de um casamento, contudo, temos festa de anos. A filha mais velha de Claudio e Carmela celebra o 18º aniversário numa ocasião marcada pela união familiar e inocência adolescente. Movem-nos pelo espaço não numa afiliação com os adultos, mas sempre com os jovens. Nomeadamente, a câmara segue Chiara, irmã mais nova da aniversariante e menina dos olhos de ouro para seu pai. A atmosfera assim se desenvolve numa graciosa mistura de caos e ordem, realismo europeu de câmara ao ombro e o melodrama sem rumo da protagonista.

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Não que haja muito melodrama nessa noite. Carpignano usa o festejo para introduzir as personagens, mas pouco avança o parco enredo da fita. Esse começa a desenrolar-se no dia seguinte, quando o patriarca desaparece sem deixar rasto. De repente, a subjetividade da câmara assume-se enquanto prisão do espetador. Estamos tão perto de Chiara que partilhamos a sua miopia e, ao seu lado, entendemos que existem muitos segredos entre o clã Guerrasio. Só gradualmente é que “A Chiara” se manifesta enquanto retrato da máfia em Calábria.

O esclarecimento do espetador é feito ao mesmo ritmo que a personagem titular o experiencia, dando novo contexto o trabalho de câmara como uma ferramenta central da história visual ao invés de uma mera convenção de género. Também a montagem e o som sublinham as frustrações de Chiara, sua vontade por saber mais, de ouvir as conversas que se calam cada vez que ela entra na sala. A perda de inocência é inevitável e dá estrutura a um exercício que poderia facilmente cair na amorfia da observação passiva.

a chiara critica
© Leopardo Filmes

Acima de tudo, trata-se de uma tragédia do conhecimento. Enquanto vivia na sua santa ignorância, Chiara era uma princesa feliz em seu reino cheio de festa e fartura. Cada verdade que descobre é um novo transtorno, uma nova razão para odiar aquilo que outrora lhe definia a felicidade, aqueles que outrora eram seus heróis. O niilismo cresce no seu coração, a certeza de que nada importa num cosmos definido pela violência. O texto jamais resvala em moralismos desnudos, mas é difícil não sentir no peito a viagem sentimental da heroína.

Apesar de a duração de duas horas ser um tanto excessiva, este é o trabalho mais polido no repertório de Jonas Carpignano. Essa polidez significa que alguma crueza foi sacrificada, mas também indica uma rica evolução enquanto artista. O seu trabalho com os intérpretes merece especial aplauso. Como sempre, ele empregou amadores, focando-se no seio da família Rotolo, aqui rebatizada como Guerrasio. Os laços de sangue fazem-se sentir na sua semelhança, mas também na intimidade como coexistem no espaço. Tal autenticidade intensifica o jogo narrativo e faz com o que espetador se sinta quase como um voyeur – Neorrealismo com ares de cinéma vérité.

A Chiara, em análise
a chiara critica

Movie title: A Chiara

Date published: 29 de April de 2022

Director(s): Jonas Carpignano

Actor(s): Swamy Rotolo, Claudio Rotolo, Grecia Rotolo, Antonio Rotolo Uno, Giorgia Rotolo, Salvatore Rotolo, Carmela Fumo, Giacinto Fumo, Rosa Caccamo, Carmelo Rotolo, Vincenzo Rotolo, Antonina Fumo, Silvana Palumbo, Concetta Grillo, Giuseppina Palumbo

Genre: Drama, 2021, 121 min

  • Cláudio Alves - 80
80

CONCLUSÃO:

O terceiro filme na trilogia Calabriana de Jonas Carpignano é um conto sentido sobre o desvendar de mentiras e a perda de inocência. Sobrepondo a comunidade de refugiados, Romani e mafiosos, o cineasta concebeu um mural tripartido de Calábria que vibra com vitalidade e um toque de novo Neorrealismo Italiano. “A Chiara,” em particular, deslumbra pelo seu ímpeto dramático.

O MELHOR: A união perfeita dos elementos centrais no engenho cinematográfico – a fotografia de Tim Curtin; o trabalho sonoro de Giuseppe Tripodi e a dupla de compositores Dan Romer e Benh Zeitlin; a prestação principal de Swamy Rotolo.

O PIOR: Há classicismo no arco narrativo de Chiara, mas os melhores momentos são aqueles que se rendem à ponderação Bazaniana do tempo real. O texto de Carpignano e a montagem de Affonso Gonçalves tentam negociar entre tais virtudes realistas e o teor clássico da história. O resultado cheira a compromisso forçado.

CA

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