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Abandonados, primeiras impressões

Muitos são os heróis nacionais que tendem a ficar esquecidos nos manuais de história, mas “Abandonados”, a nova série de Francisco Manso, promete reviver um dos nomes mais importantes da Segunda Guerra Mundial.

Os livros de história ensinaram-nos a acreditar que Portugal foi um país totalmente neutro durante a disputa da Segunda Guerra Mundial. Com António de Oliveira Salazar no poder, dava jeito ao Governo manter a imagem de neutralidade perante uma Europa devastada pelos efeitos do totalitarismo. Porém, o que poucos sabiam é que os presos políticos que eram enviados para as colónias portuguesas por se oporem ao regime acabavam enviados para a linha da frente. Foi isto que aconteceu em 1942 quando o Japão invadiu Timor, provocando o terror entre os nativos e os portugueses que se viram forçados a participar numa guerra que não lhes pertencia. Posicionada geograficamente num ponto estratégico, a ilha foi ocupada pelos australianos que não exerceram qualquer tipo de violência. Contudo, as tropas japonesas entraram no território, supostamente neutro, para dizimar as forças australianas, o que provocou uma dura batalha que resultou na morte de milhares de portugueses, entretanto abandonados pelo seu próprio governo.

Propositadamente eliminado dos manuais de história, o capítulo da participação portuguesa na Segunda Guerra Mundial deixou cair em esquecimento o nome do Tenente Pires, um dos heróis nacionais que salvara muitos cidadãos em Timor. Há até quem diga que o Tenente Pires está para Timor como Aristides de Sousa Mendes está para Bordéus. Mas para impedir que o tempo apague a memória do oficial português, Francisco Manso produziu a minissérie “Abandonados”, um conjunto de sete episódios disponíveis na RTP Play.

Abandonados
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Embora o primeiro episódio pouco fale sobre a coragem do Tenente Pires, este capítulo serve de introdução ao modo como a sociedade vivia durante o tempo da Segunda Guerra Mundial. Este prólogo inicia-se com uma reunião de amigos em casa de Carlos Cal Brandão (interpretado por António Pedro Cerdeira), um antifascista deportado para Timor dada a sua oposição ao regime salazarista. Em apenas uma cena, conseguimos vislumbrar três aspetos importantes. Em primeiro lugar, a simplicidade com que se olhava para objetos banais, tendo em conta o racionamento presente nessa época. Prova disso é a forma como o grupo admira um mero projetor, algo que hoje se tornou demasiado vulgar. Em segundo lugar, conseguimos perspectivar as reuniões clandestinas que ocorriam à parte da aprovação do Governo. Se na Metrópole os ajuntamentos eram proibidos por servirem de círculo de conspiração, nas colónias as pessoas eram também obrigadas a encontrarem-se em segredo. Note-se a forma como Cal Brandão espreita primeiro para todas as direções da rua antes de deixar entrar o seu informante em casa ou o facto de este ter retirado o som do filme projetado para impedir que o exterior ouvisse o seu tema. Por fim, é visível a consciência que o povo timorense e português tinha quanto a uma possível invasão nipónica.

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Paralelamente, o primeiro episódio de “Abandonados” serve ainda para demonstrar a vida dos soldados que eram enviados para a linha da frente, mostrando as dificuldades por eles vivenciadas. Escondidos no mato, os combatentes australianos sobrevivem em acampamentos com mínimas condições, sendo bastante evidente a idade precoce com que se iniciam no mundo cinzento da guerra. Na minissérie a bravura dos portugueses não é esquecida, uma vez que muitos dos deportados que se opunham ao regime se aliaram às forças australianas para combater o inimigo, lutando por uma nação que optara por lhes virar costas e os deixar cair no abandono em prol de uma imagem limpa do Governo.

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Em suma, trata-se de uma série com um grande potencial dado o cuidado prestado ao tratamento dos factos históricos. Além do mais, “Abandonados” apresenta-nos um elenco de luxo, com nomes bem conhecidos do povo português. Marco Delgado, Elmano Sancho, Joaquim Nicolau, Luís Esparteiro, Maya Booth e Vítor Norte são alguns dos atores que dão vida às personagens desta minissérie. Apesar de os efeitos visuais das bombas nipónicas não serem dignos de Hollywood, a escolha do cenário foi muito bem conseguida, sendo pouco perceptível tratar-se da Ilha da Madeira e não de Timor. Do mesmo modo, também as roupas usadas pelas personagens foram cuidadosamente escolhidas, o que contribui para a validação do rigor histórico. Além do mais, a forma calma com que os atores articulam as palavras, demonstra o rigor de uma época que contrasta com o contrarrelógio com que todos nós vivemos nos dias de hoje.

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One thought on “Abandonados, primeiras impressões

  • Infelizmente esta série é uma desilusão. Os soldados australianos deviam falar inglês e serem legendados, pois ficam ridículos a falarem português com sotaque. A ocupação japonesa deve ter sido brutal, mas aqui parece que é uma coisa ligeira. Os atores principais já fizeram melhor, não transmitem grande emoção nem medo perante um cenário tão terrível e incerto. Há uma mulher Australiana a circular por Timor e Singapura como se nada se passasse. O tempo que decorre parece ser incoerente e a história fala de encontros entre personagens que nos não chegamos a ver. A parte positiva é que assim talvez mais pessoas fiquem a conhecer este episódio da da segunda guerra mundial em Timor Leste que pouco é falado na nossa história.

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