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Adeus, Angela Lansbury (1925-2022)

De “Gaslight” a “Glass Onion,” Angela Lansbury entreteve audiências por mais de oito décadas. Despedimo-nos agora da atriz que, com 96 anos, deixa para trás um enorme legado que inclui três nomeações para os Óscares, 18 indicações para os Emmys, e cinco vitórias nos Tonys. Tanto no teatro como no cinema, passando pela televisão, ela deslumbrou-nos, fez-nos sorrir e gritar por mais.

Angela Brigid Lansbury nasceu a 16 de Outubro de 1925, em Londres. Sua família de classe média-alta partilhava origens inglesas e irlandesas, sendo que a mãe, a atriz Moyna Macgill, era originária de Belfast. Foi por influência materna que a jovem Angela começou a interessar-se pelo mundo do espetáculo, seguindo a progenitora quando ela apresentava novas peças nos ilustres teatros do West End. Da linha paterna herdou valores políticos, a luta pelos direitos do trabalhador e a retórica socialista que durou até ao fim. De facto, outro fator que fomentou o interesse nos palcos foi menos feliz que a inspiração na mãe. Quando a futura estrela tinha somente nove anos, o pai morreu devido ao cancro do estômago e o faz de conta tornou-se numa atividade que a menina adotou para colmatar a dor da perda.

À medida que crescia, Angela Lansbury continuou a desenvolver os seus interesses artísticos, tornando-se numa cinéfila ferrenha e seguindo estudos musicais. Em 1940, aos quinze anos, ela ingressou na Escola Douglas Webber para as Artes Canórias e Dramáticas, apresentando-se pela primeira vez em palco numa produção escolar de “Maria da Escócia.” Dito isso, não foi em terras de Sua Majestade que Angela Lansbury verdadeiramente começou a carreira de atriz. Com a morte do avô e o advento da Segunda Guerra Mundial, Moyna Macgill decidiu abandonar Londres, levando a família para o outro lado do Atlântico. Nos EUA, a atriz aspirante continuou os estudos e fez a sua estreia nos palcos nova-iorquinos.

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“Meia Luz” | © MGM

Foi novamente com a ajuda da mãe que Angela Lansbury ganhou entrada no mundo do cinema. Quando Macgill se mudou para Los Angeles, a filha seguiu com ela e fez questão de se imiscuir nos círculos sociais de artistas. Em particular, a jovem atriz fez vários amigos nas esferas da subcultura gay, entre eles o argumentista John van Druten que havia recentemente escrito uma adaptação para o cinema da peça “Gaslight,” também conhecida como “Meia Luz.” Pela cunha e pela amizade, Lansbury lá conseguiu uma audição para o papel de Nancy Oliver, uma criada cockney com jeitos pérfidos e uma atitude atrevida. O jeito com o sotaque autenticamente londrino ajudou a jovem a assegurar o seu primeiro trabalho em Hollywood com somente 17 anos.

O sucesso foi instantâneo e as críticas favoráveis da fita acabaram por catapultar Lansbury para píncaros de triunfo pouco usuais para alguém tão novo. Pelo seu primeiro trabalho em frente às câmaras, ela recebeu uma muito merecida nomeação para o Óscar. No ano seguinte conquistaria uma segunda honra consecutiva graças a outro filme passado na Londres Vitoriana – “O Retrato de Dorian Gray.” Dito isso, desengane-se quem pense que os papéis eram semelhantes. Se no primeiro filme, Lansbury era uma presença disruptiva e coquete, no segundo fez de vítima inocente cuja fragilidade parte o coração do espetador. Esse novo papel também lhe permitiu exibir outro talento – o canto.

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“A Batalha do Pó de Arroz” | © MGM

Tanto assim foi que, nas décadas seguintes, Angela Lansbury haveria de solidificar um nicho na indústria cinematográfica, especializando-se em papéis secundários, muitos deles em contexto musical. Alguns dos seus filmes mais famosos nesta fase da carreira incluem “A Batalha do Pó de Arroz” e “Até as Nuvens Passarem,” ambos feitos na companhia de Judy Garland. Mesmo assim, é marcante quanto a MGM não deixava que Lansbury tomasse as rédeas dos projetos, jamais lhe dando a projeção concedida a outras estrelas suas colegas. A insatisfação da atriz levou ao término do contrato em 1952, abrindo as portas a novas oportunidades e maior independência enquanto criativa. Nesta nova fase, aumentaram os papéis moralmente perturbados, vilãs e manipuladoras em registos dramáticos extremados.

O píncaro dessa persona manifestou-se em 1962, com “O Enviado da Manchúria.” Interpretando a intriguista Mrs. Iselin no thriller de John Frankenheimer, Lansbury concebeu uma das figuras mais icónicas no cinema Americano dos anos 60, personagem memorável cuja influência ainda se faz sentir nas dramatizações da política atual. Essa prestação valeu-lhe a terceira e última nomeação para o Óscar e, como sempre, Angela Lansbury perdeu a estatueta. Só em 2013 é que a sorte mudaria, quando a Academia de Hollywood, em reconhecimento de uma carreira lendária, dedicou um Óscar honorário à atriz. As honras de carreira são muitas na vida de Lansbury, sendo que ainda este ano ela foi assim reconhecida com um Tony especial.

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“O Enviado da Manchúria” | © United Artists

Dito isso, no mundo da Broadway, a atriz nunca teve grande problema em ganhar o ouro que lhe era devido. Ao mesmo tempo que as metamorfoses de persona se faziam sentir no grande ecrã, Angela Lansbury afirmou-se como uma das grandes titãs do teatro Americano, encontrando particular sucesso no género musical. Algumas das suas personagens mais icónicas incluem o papel titular em “Mame,” a matriarca Rose em “Gypsy,” a malvada Mrs. Lovett em “Sweeney Todd” e a sábia Madame Armfeldt em “Little Night Music.” Ao todo, a atriz ganhou cinco Tonys competitivos, sublinhando o estatuto enquanto uma das mais aclamadas artistas na História do Teatro Americano.

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Chegando à segunda metade na odisseia profissional de Angela Lansbury, a lenda viva desta atriz divide-se em dois caminhos distintos. Por um lado, temos o triunfo no espetáculo para toda a família, inclusive em produções da Disney como “Se a Minha Cama Voasse…” e “A Bela e o Monstro,” onde deu voz a Mrs. Potts, também chamada Madame Samovar na dobragem brasileira. Aliás, um dos papéis mais recentes da atriz foi em “O Regresso de Mary Poppins,” onde deu voz a uma vendedora de balões que marca o clímax da fita. Como se pode ver, Angela Lansbury trabalhou até morrer. Em registo contrário, temos uma descoberta do sucesso num mundo de mistério e homicídio, grande antítese ao entretenimento para miúdos.

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“Crime, Disse Ela” | © Universal Television

As primeiras aparições em tais produções ocorreram nos universos fictícios de Agatha Christie. Ao lado do Poirot de Peter Ustinov, Angela Lansbury foi a excêntrica Salome Otterbourne na “Morte no Nilo.” Por outro lado, em “Espelho Quebrado,” a senhora inglesa deu vida a uma heroína de Christie, a grande Miss Marple. Esse tipo de papel repetir-se-ia naquele que é provavelmente o mais amado trabalho de Lansbury – a série televisiva “Crime, Disse Ela.” Ao longo de 12 temporadas gravadas em 14 anos, com um grande total de 264 episódios, Angela Lansbury deu vida a Jessica Fletcher, a mais intrépida romancista de crime que o mundo já viu. É, por isso, com grande tristeza que dizemos adeus a tão grande estrela, mas ficamos felizes em saber que temos horas e horas de entretenimento com que lembrar e honrar a sua magnificência. Uma salva de palmas para a eterna Angela Lansbury!

“Glass Onion: A Knives Out Mystery” estreia dia 23 de dezembro na Netflix, marcando o último trabalho cinematográfico de Angela Lansbury. Não percas!

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