ARTE Kino | The Giant, em análise

The Giant”, também conhecido como “Jätten”, é um peculiar drama desportivo sueco sobre um homem autista que joga petanca. Este filme está disponível gratuitamente no site ARTE Kino, até dia 17 de dezembro.

the giant jatten arte kino critica

“The Giant” começa num registo que sugere algo mais próximo do documentário do que do drama narrativo. Nesses momentos iniciais observamos o treino de uma equipa de petanca, em que se inclui um indivíduo autista chamado Rikard, cuja aparência está certamente fora de quaisquer convenções sociais de “normalidade”. Para começar, ele tem a estatura e postura de alguém afetado por nanismo, mas há ainda a sua face ciclópica, inchada e vagamente reminiscente das deformações de O Homem Elefante (uma comparação feita com crueldade dentro do próprio filme). Nestes momentos iniciais, contudo, a câmara faz pouco para enfatizar a sua diferença, parecendo mais interessada nos ritmos e movimentos dos jogadores desta modalidade, antes, é claro, de uma bola de metal bater na cabeça de Rikard e o deixar inconsciente.

No seguimento desse impacto acidental, “The Giant” desdobra-se numa reveria meio surreal de uma paisagem colorida, deixa a audiência vislumbrar o interior do apartamento de uma senhora desconhecida cujo catatua quase se mata quando embate com uma janela fechada, e finalmente acaba por chegar a uma cena de terror hospitalar. Referimo-nos a um terror que não se manifesta em monstros ou sombras expressionistas, mas sim no modo como um grupo de estudantes de medicina e o seu professor examinam o corpo do protagonista, tratando-o como um objeto desumano, tirando selfies com o seu paciente inconsciente e perscrutando as suas fotografias de bebé como se elas lhes pertencessem. Apesar de ser desconfortável de observar, o voyeurismo asqueroso destes profissionais de saúde acaba por revelar alguns elementos importantes do filme que estamos a ver.

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Primeiro, descobrimos que Rikard é uma figura abandonada pelo pai antes de nascer e pela mãe quando ainda era criança. Em segundo lugar, o filme esclarece a alto e bom som as suas intenções de retratar a crueldade de uma sociedade intolerante para com aqueles que mais necessitam do seu auxílio e apoio. Mesmo quem tenta mostrar-se solidário para com as dificuldades de Rikard acaba por desiludir e vitimizar o homem, tratando-o com desprezo inconsciente ou reduzindo a sua presença a uma inconveniência. O capitão da equipa de petanca, por exemplo, força Rikard a abandonar o desporto, temendo pela sua segurança ao mesmo tempo que força este homem com poucos prazeres na vida a abandonar a única atividade que parece dar-lhe algum propósito e orgulho próprio. Tais agressões não são intencionais, mas conseguem ser tanto ou mais dolorosas que os insultos cuspidos por homens bêbados na rua ou a insensibilidade dos estudantes de medicina.

Apesar das suas insinuações de miserabilismo social, o realizador e argumentista Johannes Nyholm nunca deixa que o filme caia na monotonia da tristeza sem modulação. Pelo contrário, “The Giant” é um filme recheado de bizarras instâncias de humor, por vezes seco, ocasionalmente absurdista, mas sempre sincero e franco. Até o pássaro enlouquecido da mãe de Rikard acaba por tornar-se numa fonte comédia, mesmo que esse humor esteja sombreado pela tragédia de um animal tão desesperado por se libertar da clausura doméstica que arrisca a morte ao voar disparado contra as janelas. Essa mesma dinâmica tragicómica repete-se pelo filme nos mais variados detalhes, manifestando-se mesmo na cenografia. Veja-se, como máximo exemplo disto, a praia tropical construída através de lonas impressas com fotografias que serve de arena ao grande campeonato Nórdico de petanca, onde a história de Rikard chega ao seu clímax.

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Nessa grande sequência de heroísmo desportivo contra a adversidade, “The Giant” mostra, de modo inexorável, quão deve a sua estrutura a filmes inspiradores de Hollywood. Rikard é aqui o underdog que se defronta contra rivais arrogantes e aparentemente imbatíveis, interpretados aqui por dois hipsters dinamarqueses. A grande diferença que eleva o drama sueco acima dos seus irmãos americanos é a sua total falta de condescendência ou sensacionalismo. Rikard nunca é aqui um símbolo sobre o qual a audiência pode projetar as suas inseguranças ou um mártir que merece a nossa pena, mas sim um ser humano complicado por direito próprio. A sua vida também não parece ser um movimento mecanizado de uma fórmula sacarina, apesar da sua estrutura Hollywoodesca, nunca sacrificando assim a dignidade ou mesmo a humanidade do seu protagonista invulgar.

É evidente que toda esta proposta narrativa cairia por terra se a figura central fosse de algum modo incredível. Felizmente, “The Giant” não evidencia tal fragilidade, sendo que a prestação de Christian Andrén no papel de Rikard é especialmente espetacular pelo modo como veemente recusa quaisquer noções de espetacularidade. Nas mãos de muitos outros atores, evidenciar as mágoas da personagem seria uma prioridade, mas Andrén, que também sofre de problemas físicos fora do grande ecrã, escolhe a via da absoluta simplicidade expressiva e cria assim a ilusão naturalista de estar simplesmente a existir em frente à câmara e não a atuar. Nos momentos em que o filme mais se deixa levar pela estética realista da sua abertura, Andrén nunca se evidencia como um elemento de dissonância dramática na observação documental, algo que é evidentemente auxiliado pelo magistral trabalho de maquilhagem aplicado à sua cara.

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O maior triunfo do filme acaba por ser a sua criação de Rikard e a ilustração da sua maneira de ver o mundo. Isto faz-se tanto pela observação do inteligente trabalho de Andrén, como através de uma série de sagazes escolhas formais e tonais. Os mais vistosos destes elementos são o uso de planos que simulam a visibilidade limitada do protagonista e as ocasionais viagens oníricas às suas fantasias mais pessoais. É precisamente nessas fantasias que o filme consegue articular metaforicamente o que nem o próprio Rikard provavelmente conseguirá entender na totalidade. Ele sonha em ser um gigante capaz de destruir o mundo que tanto o atormenta. Longe de se ver como um herói, Rikard vê-se a si mesmo como o vilão destruidor de um conto-de-fadas, como o monstro que tantas pessoas preconceituosas veem quando olham para a sua cara. A diferença é que, nas suas fantasias, Rikard não é uma vítima indefesa, mas sim alguém capaz de provocar tanta dor como a que lhe é causada a ele. Nestes momentos de fantasia, “The Giant” reforça a sua humanização de uma figura sistematicamente vitimada, algo que não é feito através da idealização sacarina, mas sim com a aceitação da sua complexidade, tão bela como ocasionalmente assustadora.

 

The Giant, em análise
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Movie title: Jätten

Date published: 5 de December de 2017

Director(s): Johannes Nyholm

Actor(s): Christian Andrén, Johan Kylén, Anna Bjelkerud, Linda Faith, Leif Edlund, Pia Edlund, Niclas Fransson

Genre: Drama, Desporto, 2016, 86 min

  • Claudio Alves - 70
70

CONCLUSÃO

“The Giant” é um filme com um arco narrativo previsível, mas filmado com rara inteligência e maturidade. A personagem principal, suas ansiedades, limitações, desejos e contradições formam um retrato humano de admirável acutilância.

O MELHOR: A maquilhagem que permitiu ao ator Christian Andrén transformar-se em Rikard.

O PIOR: A sonoplastia abafada e o modo como algumas das figuras secundárias, como os hipsters dinamarqueses, são desnecessariamente caricaturadas.

CA

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