"Being the Ricardos" | © Amazon

Being the Ricardos, em análise

Being the Ricardos” é o terceiro trabalho de Aaron Sorkin na cadeira de realizador. Este filme sobre Lucille Ball e Desi Arnaz conta com Nicole Kidman e Javier Bardem nos papéis principais. Tanto esse duo como J.K. Simmons num papel secundário foram nomeados para os Óscares. Kidman até já ganhou o Globo de Ouro por este filme original da Amazon.

Quem já viu um filme de Aaron Sorkin, já os viu todos. Assim era quando o cineasta apenas trabalhava como argumentista e assim continua a ser, agora que ele decidiu realizar os seus próprios projetos. Ainda o ano passado vimos como certos diálogos em “Os 7 de Chicago” eram piadas recicladas de “Os Homens do Presidente.” Se “Being the Ricardos” não inclui tão flagrante auto-plágio, também não introduz novidade alguma ao universo cinematográfico de Sorkin.  Há muitas semelhanças temáticas a “Studio 60 on the Sunset Strip,” enquanto a estrutura deve mais aos esquemas biográficas de “Jogo da Alta-Roda.”

Por outras palavras, não estamos perante uma obra que prime pela originalidade. Como é evidente, a originalidade não é tudo. De facto, existem elementos textuais em “Being the Ricardos” que merecem elogio. A narrativa de encaixe e uso constante de flashbacks não são esses elementos, contudo, e, infelizmente, a história começa com esses mesmos mecanismos. Sorkin decidiu conceber narrativa fictícia sobre uma semana tumultuosa nas gravações da sitcom clássica “I Love Lucy” e emoldurar as invenções com uso de entrevistas pseudo-documentais.

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Entenda-se que as figuras falando diretamente para o espetador são atores e não testemunhos de um passado histórico. Presumir isso é fácil, mas, como rapidamente descobriremos, Sorkin não tem grande interesse no rigor histórico – somente a perceção ilusória do mesmo. O conflito no centro do enredo incide numa acusação feita contra Ball no auge da caça-às-bruxas anticomunista que o senador McCarthy e companhia lideraram nos anos 50. Insinuações sobre as afiliações políticas da atriz ressoam pela rádio, ao mesmo tempo que, nas bancas, circula rumor sobre a infidelidade de Arnaz, seu marido.

No precipício do abismo publicitário, o casal também confronta o seu canal televisivo com as notícias da gravidez, algo que coloca em perigo a longevidade do programa. Ou seja, tudo o que podia correr mal ocorre ao mesmo tempo. Além do mais, existem os afazeres rotineiros de quem faz comédia na TV, desde a encenação de piadas a conflitos entre produtores e realizadores. Verdade, seja dita, existem três grandes vertentes temáticas em “Being the Ricardos.” Por um lado, o filme investiga o que acontece nos bastidores, encarando a arte de fazer rir como um lavoro, tanto físico como intelectual.

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Raramente vemos questões humorísticas tão bem dissecadas e, nesse paradigma, há que louvar os cineastas envolvidos. Veja-se o modo como Lucille visualiza um episódio da temporada vindoura – um momento especialmente interessante. Sorkin e companhia mostram-nos várias versões do mesmo texto até que todas as peças encaixam e o engenho cómico funciona. Não há precisão factual no que o filme nos mostra, mas isso não interessa quando os atores são tão bons a ilustrar as várias camadas de performance, de esforço e calculado artifício.

As restantes linhas temáticas incidem na esfera política e no panorama pessoal, a vida íntima de Ball and Arnaz. E é aqui que os elogios têm de cessar, pelo menos no que se refere a Sorkin. O liberalismo anticrítico do autor leva a cenas de ultrajante ingenuidade, aqui mascarada de sofisticação. Como é que, em pleno século XXI, se filma uma salva de palmas para J. Edgar Hoover como clímax da trama. Enfim, isso seria mais desculpável se os retratos interpessoais tivessem algo de substância a acrescentar ao legado destas lendas da TV americana. Pelo contrário, “Being the Ricardos” repudia qualquer complexidade e fica-se pelo melodrama e pelo cliché.

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O virtuosismo formalista de Sorkin também não impressiona. Os cenários e figurinos são brilhantes reproduções históricas, enquanto a maquilhagem sugere iconografia da Velha Hollywood sem ser demasiado grotesco na cosmética transformadora. No entanto, sempre que o filme recua para os anos 40, numa série de flashbacks desnecessários, perde-se o gás narrativo e também alguma dessa precisão cenográfica. Outros aspetos mais técnicos desiludem pela falta de estilo, escolhas fotográficas anónimas e banda-sonora indiferenciável de tantos telefilmes de segunda categoria. O que salva o exercício são os atores.

Nicole Kidman não se parece com Lucille Ball, nem em visual ou voz, mas consegue dar vida à conceção que o guião tem da mulher. As melhores cenas são aquelas em que atriz interpreta atriz, delineando o lado cerebral da comédia. Outra passagem que merece destaque é um monólogo noturno e cansado, quando uma artista reflete sobre o custo do sucesso, sobre a interseção complicada entre o público e o privado. Bardem é menos bem-sucedido no papel de Desi Arnaz, mas o elenco secundário é excelente sem exceção. J.K. Simmons conquistou a nomeação para os Óscares, mas diríamos que Nina Arianda e Alia Shawkat são ainda melhores em papéis menores. Se nos concentrarmos exclusivamente no trabalho interpretativo, “Being the Ricardos” até se recomenda. Não diríamos que os atores salvam o filme, mas estão quase lá.

Being the Ricardos, em análise
Being The Ricardos Amazon

Movie title: Being the Ricardos

Date published: 12 de March de 2022

Director(s): Aaron Sorkin

Actor(s): Nicole Kidman, Javier Bardem, J.K. Simmons, Nina Arianda, Tony Hale, Alia Shawkat, Jake Lacy, Clark Gregg

Genre: Drama, Biografia, Histórico, 2021, 131 min

  • Cláudio Alves - 45
  • Rui Ribeiro - 80
63

CONCLUSÃO:

“Being the Ricardos” é mais uma prova que Aaron Sorkin se devia ficar pela escrita pois, quando tem de encarar as responsabilidades de realizador, perdem os filmes qualidade e perde o espetador a paciência. Pelo menos, a sua direção de atores está bem calibrada, até quando as escolhas de casting são dúbias. Nicole Kidman, nomeada para o Óscar de Melhor Atriz, é razão suficiente para tornar o filme em visionamento obrigatório.

O MELHOR: Nicole Kidman e Nina Arianda são as verdadeiras estrelas da fita. Oxalá o filme fosse todo sobre as duas atrizes, sua colaboração profissional e tensões particulares. Não nomearíamos Kidman para o Óscar, mas a indicação também não merece desdém – como sempre, nunca devemos duvidar dos seus talentos.

O PIOR: A estrutura disfuncional, as piadas feias sobre Judy Holliday e aquela deplorável salva de palmas a J. Edgar Hoover.

CA

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