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73ª Berlinale | Past Lives: Não Há Amor Como o Primeiro

‘Past Lives’, de Celine Song é uma comovente história de amor, um romance moderno, sobre Nora e Hae Sung, dois amigos de infância, que se reencontram em Nova Iorque, 20 anos depois, onde a jovem coreana mora com seu marido norte-americano. É para já o filme favorito da crítica internacional.

‘Past Lives’, o belo filme-romance de Celine Song atrai imediatamente as comparações (favoráveis, diga-se de passagem) com a trilogia ‘Before’, de Richard Linklater, que quase todos os filmes, salvo erro, passaram aqui, em anos diferentes da Berlinale. Em ‘Past Lives’ ou traduzindo no singelo e significativo titulo de ‘Vidas Passadas’, os protagonistas, o casal Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo) não se vão encontrar num Interrail enquanto jovens, mas antes, então quando crianças muito próximas e colegas de escola, que se separam quando a família da menina, emigra da Coreia do Sul, para Toronto (Canadá). Duas décadas depois, os dois amigos reencontram-se — entram em contacto através do Facebook e retomam a sua amizade pelo Skype — em Nova Iorque, onde Nora agora dramaturga, mora com seu marido Arhur (John Magaro), um paciente e compreensivo escritor norte-americano de origem judaica. Tal como as comédias, também raramente as histórias de amor, incrivelmente românticas e ao mesmo tempo esmagadoramente pragmática como esta, conseguem tanto ter a atenção dos programadores de festivais, como os favores da crítica de cinema. Há uma certa tendência para um certo niilismo e drama. ’Past Lives’, parece ser uma excepção, ao seguir duas pessoas que poderiam ser almas gémeas, embora nunca se tenham beijado e que já não se viam há 24 anos. Na sua estreia como realizadora, — antes de marcar aqui presença, o filme esteve no Festival de Sundance, há dias — a argumentista Celine Song consegue modular na perfeição o delicado equilíbrio tonal deste filme sábio, filosófico e melancólico, dividindo a sua narrativa em três segmentos distintos: seguindo as personagens quando têm aproximadamente 12, 24 e 36 anos. E curiosamente cada momento, consegue ser mais comovente do que o anterior. São soberbas as interpretações do casal, pelos três elencos, inclusive as quando adoráveis crianças.

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Past Lives
A realizadora Celine Song, tem muitas semelhanças com a protagonista, em vários sentidos. ©73ª Berlinale.

Porém, nenhuma consegue ser tão luminosa e arrasadora do que a da frágil e sorridente Greta Lee, que consegue capturar graciosamente, e em pleno, o espírito de uma alma em busca de alguma coisa que não sabe muito bem o que é e que parece entender as questões do amor que estão para além do nosso alcance. É inevitável também não partir do principio que ‘Past Lives’, tenha qualquer coisa de autobiográfico, além de um enorme sentido filosófico vindo do oriente: Song, é na verdade uma dramaturga-argumentista, de origem coreana e vive em Nova Iorque; e depois como realizadora aproveita para desenvolver a noção de In-Yun, que lhe parece cara na sua cultura tradicional. Este conceito coreano argumenta que nossos ‘eus’ atuais (e das pessoas que nos rodeiam) são apenas uma versão mais recente das nossas vidas anteriores. Há muitas histórias de amor no cinema que abordam o destino, o acaso e um sentido cósmico do destino, mas é difícil encontrar alguma tão elegante e singela quanto este ‘Past Lives’, que não inclui qualquer elemento fantástico ou do sobrenatural. Em vez disso, a noção de In-Yun é explorada como um conceito filosófico e humanista, onde o trio de protagonistas (Nora, Sung e Arthur) debatem precisamente os méritos de ter uma cadeia de vidas passadas, que nos ligam uns aos outros eternamente. O tratamento realista do amor no filme é também maravilhosamente ancorado pelo controlado desempenho de Lee e Yoo, que quase nunca se tocam e quando o fazem é sempre com enorme cuidado e gentileza, apesar de uma certa química latente, que tem mais a ver com as suas origens coreanas. ‘Past Lives’ também nunca demoniza as suas personagens, reconhecendo também que a vida não funciona como nos filmes, onde as pessoas que deveriam ficar juntas inevitavelmente acabam nos braços umas das outras e com um final feliz. Efectivamente é um sinal da inteligência e de sofisticação no poético argumento de Song, que o inseguro Arthur, (que é escritor) transmite, chegando a admitir a Nora, que se as suas vidas fossem ficção, ele próprio representaria certamente o marido chato e ciumento que a manteria longe do homem com quem ela obviamente estaria destinada a ficar. Porém acontece o contrário! Lee e Yoo têm apesar de tudo uma química calorosa e emocionante, que mostra que o seu vínculo transcende as restrições e as dificuldades de um caso de primeiro-amor da infância e o reencontro em adultos. Realmente, os dois seres parecem interligados desde a sua infância, mas talvez não tenham sido feitos, para ficarem juntos no sentido convencional de um casamento ou uma relação amorosa. Em vez de forçar uma resolução para essas vidas desencontradas (ou encontradas), ‘Past Lives’, proporciona um final generoso e comovente que homenageia todas as emoções confusas que os relacionamentos, mesmo os mais felizes provocam nas pessoas normais. Não importa o que vai acontecer com Nora e Hae Sung, eles mudaram irremediavelmente desde que se conheceram em crianças e não há nada a fazer, já não são os mesmos. Qualquer espectador que se deixe envolver e embalar por este filme devastador, mas ao mesmo tempo de um extraordinário romantismo, sentir-se-á profundamente emocionado com esta experiência cinematográfica. A cadenciada e meditativa banda-sonora da autoria de Christopher Bear e Daniel Rossen, ajuda também a criar uma adorável ambiente no filme. Uma pérola!

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JVM, em Berlim




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