"Para Wong Foo, Obrigado Por Tudo! Julie Newmar" | © Universal Pictures

Cinema com Orgulho | Para Wong Foo, Obrigado Por Tudo! Julie Newmar (1995)

“Para Wong Foo, Obrigado Por Tudo! Julie Newmar,” também conhecido como “Os Três Mosqueteiros do Amor” e “To Wong Foo Thanks for Everything, Julie Newmar” no original, é um clássico do cinema queer mainstream. Realizado por Beeba Kidron, é uma fantasia drag com três magníficas prestações de Wesley Snipes, Patrick Swayze e John Leguizamo nos papéis principais. Para além do sucesso das bilheteiras e do fenómeno de culto, a comédia foi também nomeada para os Globos de Ouro – Swayze para Melhor Ator numa Comédia ou Musical e Leguizamo para Melhor Ator Secundário. Para o mês do Orgulho falaremos de obras como esta na Magazine HD, uma celebração cinematográfica.

Depois de mais de uma década de “RuPaul’s Drag Race,” parecia que a arte do drag estava a chegar ao mainstream, popular e normalizada como entretenimento para todos. Essa expressão de criatividade e revelia queer podia continuar a ser radical, mas também já se afirmava uma aceitação sem precedentes pela parte do público geral. Contudo, nos últimos poucos anos, tem-se denotado uma ascensão de reacionários conservadores contra drag, dissimulando homofobia e transfobia com supostas defesas em prol das crianças. Como bem se sabe, a comparação de indivíduos LGBT+ a pedófilos é uma estratégia tão antiga quanto odiosa.

Sem fundamento e sem razão, lá se manifestam críticos culturais e políticos de direita contra o drag. Em resposta, há que celebrar essa arte, há que valorizar os artistas e a folia, a euforia que a brincadeira de género pode suscitar, a liberação que consegue invocar. Também há que pensar nos movimentos históricos, prólogo desta contemporaneidade. Por muito estranho que pareça, no que se refere à representação de drag em cinema, Hollywood já foi muito mais aberta do que é hoje em dia. Pensemos nos anos 90, quando RuPaul Charles se tornava uma sensação televisiva e “As Aventuras de Priscilla” ganhavam um Óscar.

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© Universal Pictures

Também nesse contexto surgiu uma comédia sentimental cheia de exuberância camp, um produto de Hollywood sem vergonha da sua excentricidade ou do amor prestado às personagens queer. Falamos de “Para Wong Foo, Obrigado Por Tudo! Julie Newmar,” onde o realismo vai borda fora em nome da fantasia sacarina. Sendo o drag tão baseado na fantasia e na transformação, essa rejeição sente-se plena e plenamente justificada. Mais do que uma representação errónea, é um trabalho feito segundo os padrões dos performers nele retratados. Por outras palavras, “Para Wong Foo” é o tipo de filme que as suas personagens fariam.

Tudo começa ao som de “I Am the Body Beautiful” do grupo Salt-N-Pepa, numa montagem estilizada pela qual a realizadora Beeban Kidron dramatiza a metamorfose do drag, quase que em gestos mágicos. Assim conhecemos Noxeema Jackson interpretada por um Wesley Snipes rendido à afetação feminina do papel, olhos coroados com pestanas metálicas. Ao mesmo tempo, vislumbram-se os afazeres da Vida Boheme de Patrick Swayze, uma queen mais clássica cujo porte recorda uma bailarina de outros tempos. Por fim, há Chi-Chi Rodriguez, mais jovem que as outras duas e mais novata. Ela representa uma das grandes prestações de John Leguizamo.

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Apesar de nenhum dos atores pertencer à comunidade LGBT+, denota-se o respeito com que abordaram os papéis, estudando os maneirismos e técnicas de verdadeiras entertainers drag e individualizando as personagens além da potencial caricatura. Mais do que generalizações básicas sobre cultura drag, Noxeema, Vida e Chi-Chi são figuras com estilos próprios e dinâmicas voláteis, perfeitos vetores para a comédia ao estilo screwball e um toque de glamour irreverente. Muito ajudam os figurinos e maquilhagens, desenhadas com o intuito de diferenciar as referências preferidas por cada queen. O trabalho da designer Marlene Stewart é merecedor de Óscar e seu génio não se restringe ao trio principal.

Afinal, “Para Wong Foo” é um road movie e tudo se precipita a partir de uma competição local, em Nova Iorque. Vida e Noxeema empatam, qualificando-se ambas para o concurso Miss Drag Queen of America, organizado do outro lado do país, em Los Angeles. Quando confrontadas com uma Chi-Chi deprimida, as duas veteranas decidem ser suas mentoras – ou Vida decide e arrasta Noxeema consigo – trocando os bilhetes de avião por um carro alugado. Assim as três partem para Oeste e, como não podia deixar de acontecer, a odisseia tem os seus contratempos. As três rainhas transformistas acabam encalhadas numa localidade perdida no meio da nação.

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© Universal Pictures

Nesses nenhures do interior, as drag queens forjam amizades e ajudam a transformar a vida dos locais. Trata-se de um total conto-de-fadas completo com uma sequência em que um quarto se redecora como que sob feitiço de um fabuloso além. Também a sua aparência reforça a loucura antirreal, sendo que a persona drag jamais é abandonada e o figurino também nunca troca géneros. Assim se celebra o poder desta arte, o poder da comunidade e da união de pessoas cujos valores podem parecer opostos, mas não são. Grandes atrizes como Stockard Channing trazem novas tonalidades à farsa, um suspiro de tragicomédia que acentua a doçura do resto.

Através do drag, a vida vê-se através de lentes cor-de-rosa, enfrentam-se os problemas com ousadia e descobre-se quanto a beleza pode mudar as almas. É estranho pensar que um filme de 1995 pode parecer mais progressivo que tantas outras obras feitas atualmente e seu circundante discurso. Só que assim é, com o final de “Para Wong Foo” capaz de nos esboçar um sorriso até na mais funda profundeza do desespero. Sente-se o ébrio do otimismo, um lado sentimental que assim se converte em radicalismo. Acima de tudo, é um grande espetáculo que exige aplausos de pé. Fica aqui uma ovação para o clássico queer, perfeita maneira de celebrar o mês do Orgulho. Feliz Pride para todos os leitores!

“Para Wong Foo, Obrigado Por Tudo! Julie Newmar” está disponível, tanto para aluguer como para compra, na Apple TV.

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