"Meet Me in St. Louis" | © Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)

Cinema Natalício | Meet Me in St. Louis (1944)

No seu primeiro encontro com Judy Garland enquanto realizador, Vincente Minnelli construiu um dos melhores musicais já feitos. “Meet Me in St. Louis,” também conhecido como “Agora Seremos Felizes” e “Não Há Como a Nossa Casa,” reconta um ano na vida de uma família Americana no virar do século. Em brilhante Technicolor, o filme ressoa com amorosa elegia a um passado perdido, sendo pontuado por canções tão icónicas como “Have Yourself a Merry Little Christmas.” Em 1944, o musical foi um enorme sucesso de bilheteiras, tendo ainda deliciado críticos e a indústria. De facto, arrecadou quatro nomeações para os Óscares e um prémio honorário para a pequena Margaret O’Brien.

A perfeição é um conceito inalcançável. Na arte, então, trata-se daquelas impossibilidades cósmicas. Contudo, de vez em quando, lá nos deparamos com uma obra capaz de aguentar o peso do adjetivo, tal é a majestade do seu feito, o brio e beleza, sua qualidade intemporal. Ao contrário de muito cineasta, o realizador Vincente Minnelli tem vários candidatos ao título de “filme perfeito” no seu currículo e é difícil apurar qual será o píncaro dos seus talentos. A Academia de Hollywood muito amou o “Americano em Paris” e “Gigi,” mas críticos e espetadores tendem a gravitar para filmes como “A Roda da Fortuna.” Uma coisa é certa, a joia na coroa cinematográfica de Minnelli há que ser um musical da MGM.

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© Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)

Nos anos 40 e 50, sob a supervisão do mega produtor Arthur Freed, este cineasta italo-americano veio a redefinir o género musical, evoluindo-o além da tradição francesa e herança vaudevilliana. Para trás ficaram as teatralidades geométricas de Busby Berkeley e a estrutura de cinema enquanto espetáculo de variedades. Mesmo quando transpunha narrativas dos palcos para a tela, Minnelli jamais tratava o grande ecrã como um proscénio ou a câmara como um outro espetador fixo. Seus filmes são melodramas cheios de emoção e movimento, transbordando cor e fantasias prontas a transcender qualquer preceito realista. Também há que reconhecer a sua flexibilidade tonal, a habilidade para fazer melancolias profundas com a mais brilhante euforia.

Considerando todos esses elementos, um só título se afirma como o suprassumo trabalho de Vincente Minnelli atrás das câmaras. Falamos de “Meet me in St. Louis,” pois claro. O projeto começou muito antes do realizador estar associado à produção, tendo as suas origens numa série de histórias sentimentais que Sally Benson publicou na revista New Yorker em 1942. Em tempos de guerra, a nostalgia por uma era mais simples, distante e próxima ao mesmo tempo, era bilhete para o sucesso e Louis B. Mayer jamais deixaria essa oportunidade passar. Convencido que o material era ideal para a jovem Judy Garland, o produtor Arthur Freed tomou as rédeas do filme e juntou-o à vasta lista de musicais que lhe compõem o legado.

Quando Minnelli se juntou à equipa, suas atenções estavam principalmente focadas em assuntos de design, querendo reconstruir uma versão sonhada da América na passagem do século XIX para o XX. Enquanto se distraía o cineasta com questões estéticas, o argumento foi-se transformando em soluços e despedimentos. Inicialmente, a falta de narrativa transversal aos contos de Benson dificultou o trabalho dos escritores, sempre desejosos de inserir enredos bizantinos onde eles não têm lugar. William Ludwig salvou o guião, insistindo numa forma episódica, onde os acasos da vida são a força motriz para a ação e a divisão de capítulos se faz pelas estações do ano. Não que todos estivessem contentes com o seu rascunho final. Num píncaro de insegurança desperta pela toxicodependência, Garland temia perder-se numa história tão amorfa.

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Os problemas da estrela continuaram quando as rodagens começaram, mas ela não era a única fonte de atrasos e conflitos. Vários membros do elenco adoeceram, esticando as filmagens e insuflando um orçamento cada vez mais generoso. Felizmente, tais aflições não se sentem a ver o produto final, obra-prima musical sem comparação na História da MGM até então. A obsessão de Minnelli com o visual revelou-se toque de génio, concretizando um filme onde cada fotograma parece uma pintura pronta a explodir com esplendor cenográfico, figurinos estilizados e uma fotografia capaz de cristalizar a efemeridade bucólica do verão e a frieza cintilante de um Inverno passado em família.

O clã em questão é composto pela gente de Alonzo Smith, patriarca de classe-média a viver em St. Louis em 1903, um ano antes da faustosa Feira Mundial do Louisiana. Juntamente com a esposa, Anna, o Sr. Smith tem quatro filhas e um filho. Rose, a menina mais velha já está feita adulta e encontra-se em esperanças de matrimónio, enquanto a segunda rapariga da família, Esther, se perde de amores pelo vizinho do lado. Agnes e Tootie, benjamins da prole, são forças da natureza autêntica, especialmente a menina mais nova e muito traquinas. Acompanhamo-los desde um Verão idílico, passando pelo Outono pacato e um Inverno cheio de choro e muitas crispações familiares. Chegado o Novo Ano, a paz regressa e a possibilidade de que toda a família tenha que abandonar o seu lar esvanece numa Primavera jovial.

Os conflitos são poucos, mas quando se manifestam fazem doer o coração, tal é o amor que o filme promove pelas suas personagens. Tudo isto poderia resultar numa lamechice insuportável, não fosse a elegância com que Minnelli modula as emoções suscitadas pela história e dirige os atores em prestações que renegam a demonstração gratuita e brilham pela nuance. Judy Garland é especialmente extraordinária como Esther, dominando o ecrã com o magnetismo de estrela sem descurar na dramaturgia. Vejam-se os contrastes de inocência e maturidade entre as suas várias canções, desde a paixoneta infantil de “A Boy Next Door” e “The Trolley Song” até à resignação de “Have Yourself a Merry Little Christmas.”

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© Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)

Aí está outro ingrediente para o triunfo quase perfeito – as músicas são um assombro, especialmente esse hino para a época festiva. De longe o capítulo mais complicado da fita, o Inverno afigura-se como um estudo de perda iminente e o modo como o coletivo familiar lida com a dor individual de cada um. Há delicadeza nestes desenvolvimentos e uma aceitação de que, mesmo no universo de cantoria cinematográfica, a felicidade não é estado permanente e há que se viver com sentimentos difíceis. Esse rasgo de complexidade ajuda “Meet me in St. Louis” a superar a aparente superficialidade do seu aparato, tocando em partes profundas da experiência humana. Assim se usa o artifício hollywoodesco para retratar inefáveis realidades – fala-se verdade a mentir como sempre se faz com musicais. Este é um perfeito exemplo do género por isso mesmo, exemplificando a honestidade visceral subjacente à mais estapafúrdica mélange de melodrama musicado. Não admira que “Meet Me in St. Louis” seja um desses clássicos imortais, um filme para ver e rever até ao fim de tudo, sempre pronto a puxar a lágrima e rematar o pranto com um sorriso.

Podes alugar ou comprar “Meet Me in St. Louis” através do Apple iTunes, Google Play, Youtube, e Rakuten TV. Além disso, o clássico também está disponível em DVD.


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