Claire North

Claire North em entrevista: “Está no nosso ADN o medo de ficarmos sozinhos”

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Na Comic Con Portugal, a Magazine.HD teve o privilégio de falar não com uma, mas com três escritoras premiadas. O facto de as três serem a mesma pessoa não diminui o reconhecimento e sucesso de Claire North.

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Depois de vencer o principal prémio dos World Fantasy Awards, a autora foi presença assídua durante os quatro dias na Comic Con Portugal. Claire North é um dos pseudónimos da escritora Catherine Webb, que começou a ser  premiada logo aos 14 anos. Uma década e dois pseudónimos depois, a autora conta com uma longa bibliografia e vários prémios.

A Magazine.HD esteve à conversa com Claire North, que nos explicou a criação dos pseudónimos e a origem de “As Primeiras Quinze Vidas de Harry August” e “A Súbita Aparição de Hope Arden”, livros editados em Portugal pela Saída de Emergência.

Claire North

Magazine.HD: Na Comic Con Portugal estás a promover os teus livros como Claire North. Mas este nome é apenas um dos teus pseudónimos. Qual a razão de teres criado os pseudónimos?

Claire North: Eu comecei a escrever aos 14 anos no género de young adult, porque eu era uma jovem adulta. E escrevi oito livros. Mas no final desses livros eu já não tinha 14 anos. Estava na casa dos 20 anos e sentia-me velha e cansada. E foi aí que comecei a escrever urban fantasy. Contudo o meu editor disse-me que esses livros não eram apropriados para crianças e que nós já tínhamos conseguido criar reconhecimento enquanto Katherine Webb. Então em vez de juntar esses livros ao meu nome decidimos criar Kate Griffin.

Eu escrevi mais seis livros com o nome de Kate. Mas mais tarde comecei a escrever noutro género. Como esses livros eram vendidos de uma forma mais mainstream, o meu editor disse-me que era necessário dar-me um novo nome para diferenciar da minha carreira de ficção-científica. E aí nasceu Claire North.

MHD: Por que razão mudas-te para o género de urban fantasy e sci-fi?

CN: Porque são do melhor! Eu cresci a ler estes géneros. Além disso tudo é possível, podemos levantar questões sobre os problemas atuais do mundo, mas podemos fazer de uma forma mais divertida.

MHD: Então dentro do género de sci-fi gostas mais dos livros que levantem questões?

CN: Acho que subestimamos a importância do entretenimento. A alegria é uma dádiva. Sim, é importante e eu gosto das grandes questões, mas estas também podem ser levantadas de uma forma agradável.

MHD: Quais são os teus autores favoritos?

CN: Ó meu Deus, tenho tantos. Eu cresci numa dieta de Terry Pratchett. Também adoro Anne McCaffrey e Roger Zelazny, que nunca ninguém ouviu falar dele. Passei pela fase de Ursula le Guin. Também cresci com Douglas Adams e Raymond Chandler. Mais recentemente tenho lido Ruth Ozeki.




MHD: Como surgiu a ideia para “As Primeiras Quinze Vidas de Harry August”?

CN: É uma longa e estranha história, mas juro que é a realidade. Eu sou designer de iluminação e depois de terminar os estudos na Royal Academy of Dramatic Art em Londres, fui para a Royal Shakespeare Company. A transição foi bastante difícil. Em primeiro lugar, porque era uma recém-licenciada e não tinha grandes tarefas no trabalho, o que percebo, mas não deixou de ser aborrecido. Segundo, porque é um trabalho muito masculino. E depois estava muito longe de casa, tinha horários muito confusos e era tudo muito rotineiro.

E eu lembro-me de num dia, entre espetáculos, de telefonar ao meu pai e começarmos a falar sobre dark matter. E foi nesse momento que surgiu a ideia. Não te consigo dizer quando, como ou porquê de ter surgido a ideia.

Fui a correr para o café mais próximo para escrever a história. Pensei que seria um pequeno conto de alguém que vive a mesma vida várias vezes. Mas ao final de 30 mil palavras percebi que afinal era um livro e tinha de voltar a escrever tudo de novo.

Claire North

MHD: Mas foi nesse momento que surgiu a ideia toda do livro? Ou foi pensado à medida que ias escrevendo?

CN: Eu pensei logo na personagem. Pensei que seria uma pequena história de desenvolvimento de uma personagem. E quando estava nas 30 mil palavras percebi que estava a escrever um livro e pedi permissão para lançar nova obra. Então tive bastante tempo entre o surgimento da ideia e a data para entregar o rascunho.

MHD: Gostavas de ter esta capacidade de Harry August de se lembrar das suas vidas passadas?

CN: Sim e não. Acho que todos queremos uma chance de voltar atrás e fazer diferentes escolhas, de tentar fazer melhor do que fizemos. Neste sentido, acho que toda a gente tem este desejo.

Mas no caso de Harry, em que ele sabe que está preso naquela repetição e que nada vai mudar, então isso é uma espécie de inferno. Sem a morte é difícil encontrar-nos a nós próprios. Quando o tempo deixa de ter sentido, a vida muda drasticamente e não no melhor sentido.




MHD: Em “A Súbita Aparição de Hope Arden” Hope acaba por ser esquecida por todos. Acreditas que este é um medo comum a toda a gente?

CN: Sim, acho que é um medo comum. Está no nosso ADN o medo de ficarmos sozinhos. Além disso, também colocamos grande valor em sermos lembrados. E somos definidos pelas nossas relações com os outros: “Eu sou Claire North a escritora para os meus leitores, a filha para os meus pais”. Todas estas relações mudam a forma como eu sou, não só como eu sou vista. E se não temos isto, então é muito difícil perceber quem nós somos.

MHD: Então também tens este receio?

CN: Acho que sim. Eu sou técnica de iluminação, então passo a maioria do meu tempo a ser ignorada pelas pessoas. Por um lado, fico muito orgulhosa de ninguém se aperceber do meu trabalho, porque os espectadores apenas reparam nos técnicos se algo correu mal. Contudo, quando os técnicos são ignorados tendem a serem desumanizadas. Eu não sou uma pessoa, sou uma extensão da máquina.

Por estas razões, não é estranho eu ter escrito a história de Hope quatro anos depois de ter começado o meu emprego como designer de iluminação. É muito fácil para as pessoas, mesmo que seja sem intenção, ignorar quem está por trás do espetáculo.

Claire North

MHD: Então a ideia deste livro também surgiu quando estavas a trabalhar.

CN: Numa forma menos estranha e muito mais lenta que a de Harry. A história de Hope foi surgindo entre os momentos de pausa dos espetáculos no teatro, quando estava sozinha.

MHD: “A Súbita Aparição de Hope Arden” também pode ser vista como uma crítica social à era moderna? Na medida em que as personagens tentam alcançar o reconhecimento social e a perfeição?

CN: Provavelmente sim. Nunca tentei incluir isso no livro. Acredito que quem quiser fazer alguma crítica à sociedade deve escrever num jornal. Um escritor tem de contar uma história e incutir emoção ao leitor, mesmo que seja um livro dramático e aborrecido.

Talvez tenha sido inevitável ter colocado isso no livro. É difícil falar da memória sem abordar o reconhecimento social e a perfeição.




Claire North

MHD: Em “Touch”, Kepler é assassinado, mas em vez de morrer ele adquiriu a capacidade de viver através do corpo de outras pessoas. Gostavas de ter este poder?

CN: Ó meu Deus, não sei… Novamente, sim e não. Por um lado, deve ser ótimo ter acesso a várias vidas e ao mundo sem precisar de fazer o trabalho pesado.

Mas sem o meu corpo e sem a minha vida, quem é que eu sou? Percebo o desejo de experienciar a vida de outra pessoa, mas não é a mesma coisa que vivê-la. Em alguns casos, as pessoas não desejam viver a vida dos outros, não querem é viver a vida delas próprias.

MHD: A memória é um tema comum nos livros de Claire North. Porquê? Sempre foi um tema que te interessou ou foi mera coincidência?

CN: Acho que estava a atravessar uma fase, porque os próximos livros retratam problemas políticos, porque a mer** do Brexit aconteceu. “As Primeiras Quinze Vidas de Harry August”, “Touch” e “A Súbita Aparição de Hope Arden” correspondem à minha trilogia de problemas. Escrevi a história de Harry quando saí de Royal Academy of Dramatic Arts, ”Touch” surgiu quando estava a tentar perceber o meu papel no mundo do teatro e a história de Hope foi escrita quando finalmente me instalei no caótico mundo do teatro.

MHD: Depois de young adult, urban fantasy e sci-fi, qual seria outro género que gostarias de experimentar?

CN: Histórico. Mas não será para já, porque eu adoro sci-fi.

MHD: E qual seria a era histórica?

CN: Eu gosto da Guerra Fria, mas acho que já há muitos livros sobre isso. Por isso, século XVII ou XVIII, porque foram os anos onde tudo aconteceu. E adoraria fazer aventuras ou crimes no género histórico.

MHD: Claire foi uma prazer conhecê-la e muito obrigada pela entrevista!

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