Cosmos, em análise

 

Os filmes de Andrzej Zulawski nunca foram grandes exemplos de modéstia ou subtileza, e Cosmos não difere, apresentando-se como uma explosão de ensandecido absurdismo, tão energética como cansativa.

 

Cosmos Título Original: Cosmos
Realizador: Andrzej Zulawski
Elenco: Jonathan Genet, Victória Guerra, Sabine Azéma
Género: Drama, Comédia
Leopardo Filmes | 2015 | 103 min[starreviewmulti id=18 tpl=20 style=’oxygen_gif’ average_stars=’oxygen_gif’]

 

Andrzej Zulawski é um dos mais célebres nomes do cinema polaco e Cosmos é o seu primeiro filme depois de uma pausa de 15 anos. Esta coprodução franco-portuguesa de Paulo Branco marca um retorno do autor aos seus usuais devaneios estilísticos e preocupações cinematográficas, sendo uma espécie de comédia noir metafísica.

Adaptado do romance homónimo de Witold Gombrowicz, o filme desenrola-se em volta de uma casa de hóspedes gerida por uma família francesa. É na sua chegada a tal local que Witold (Jonathan Genet), um estudante de férias, se depara com um pardal enforcado. O animal grotescamente morto é o primeiro de muitos mistérios que captam a atenção de Witold, levando o estudante e o filme a caírem numa espiral de absurdismo quase surreal. No final, poder-se-á mesmo afirmar que toda a construção do filme se apoia numa certa ideia de loucura associada ao processo criativo, onde o artifício e a irracionalidade são indispensáveis.

Cosmos

O guião de Cosmos bem revela as suas origens literárias, enchendo a duração do filme com extensos diálogos onde nem uma sombra de razão ou naturalismo se atreve a marcar presença. Referências artísticas e culturais, reflexões intelectuais e indagações que insinuam o completo nonsense são as principais marcas textuais de Cosmos, onde a linguagem e seu inerente artifício e fluidez interpretativa parecem tomar lugar de primazia em relação a qualquer esqueleto de enredo que as figuras humanas queiram sugerir.

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O elenco, na tradição do cinema de Zulawski, cria uma coleção de grotescas presenças que são mais marionetas que humanos, nas mãos do seu autor. Movimentos bruscos, gritos repentinos, agressivos tiques e uma panóplia de loucas escolhas interpretativas têm a tendência a enfaticamente desumanizar e distanciar as personagens de Cosmos. Neste particular registo, a atriz francesa Sabine Azéma é de destaque, dominando completamente todas as cenas em que entra, mesmo quando congelada devido a uma bizarra enfermidade da sua personagem.

Cosmos

A portuguesa Vitória Guerra, no papel de Lena, a filha da dona da casa de hóspedes e objeto da obsessão erótica de Witold, não tem tantas oportunidades como a maioria do restante elenco para roubar a atenção da audiência com pirotécnicas interpretativas. A câmara de Zulawski tem grande gosto em explorar a atriz mais como um belo objeto de desejo que como mais uma gárgula histérica. Não é que as outras personagens sejam particularmente humanizados pela observação de Zulawski, mas Guerra é objetificada de um modo bastante desconfortável que lembra as acusações de misoginia que têm seguido a obra do realizador há décadas.

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Toda a experiência do filme é, aliás, algo desconfortável, quer seja de ponto de vista conceptual ou formal. Cosmos vive do seu absurdo e do modo como vai revelando o vazio por detrás da sua agressiva artificialidade, mas, para conjurar tais ideias, Zulawski apoia-se numa esmagadora verbosidade que se vai tornando mais irritante que ousada ou desafiadora à medida que o filme se desenrola. A própria concretização técnica com a câmara em constante movimento, a sonoplastia expressiva, elementos visuais repletos de referências e montagem agressiva acaba por testar a paciência da sua audiência. Cosmos é um filme frustrante e cansativo, mesmo que, devido à sua magistral exuberância, consiga evitar tornar-se simplesmente medíocre ou aborrecido.

Cosmos

Para grandes fãs da obra passada de Zulawski, Cosmos será um delicioso regresso do realizador aos seus usuais truques e preocupações, mas, para quem não tenha grande paciência para os elaborados jogos de indulgência intelectual deste autor, o seu mais recente filme poderá revelar-se como pouco mais que um pretensioso exercício em exuberante técnica. Independentemente de tudo isso, Cosmos é uma obra que exige uma certa admiração, mostrando como, apesar de 15 anos sem realizar qualquer filme, Andrzej Zulawski continua a ser o impetuoso autor que há 40 anos colocou a sua marca na história do cinema com filmes tão controversos e ambiciosos como Diabel e Possessão.

CA

 

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