Nocturno / Leopardo Filmes ©

Nocturno, em análise

O meticuloso realizador italiano Gianfranco Rosi criou no seu novo documentário ‘Nocturno’, um olhar cinematográfico, complexo, compassivo e poético sobre a vida diária das pessoas, que vivem na vanguarda dos conflitos no Médio Oriente.

Filmado durante cerca de três anos no Médio Oriente, Gianfranco Rossi realizou em ‘Nocturno’, um extraordinário retrato íntimo das pessoas e das populações que vivem em zonas de constantes guerras civis, ditaduras sangrentas, invasões e interferências externas. Gianfranco Rosi dá assim voz às diferentes histórias de gentes que vivem e atravessam ténues divisões geográficas, que estão unidas pela violência e destruição e cuja sua humanidade, acorda diariamente de um “nocturno” pesadelo, que parece não ter fim. Apesar de tudo trata-se de um filme bastante luminoso, feito curiosamente com a matéria negra da história contemporânea e dos conflitos armados que permanecem sobre o olhar hipócrita do mundo ocidental, que pouco faz para os atenuar. Por trás das explosões na linha da frente da guerra, no meio dos resquícios do desastre e da destruição, a vida continua, como em qualquer outro lugar do mundo. Gianfranco Rosi (vencedor do Leão de Ouro em Veneza e do Giraldillo de Prata em Sevilha, em 2013, com ‘Sacro Gra’, as histórias reais, à volta da estrada circular de Roma), passou agora três anos entre as fronteiras do Iraque, Curdistão, Síria e Líbano, filmando aquelas pessoas que tentam reconstruir seu quotidiano, entre guerras civis, ditaduras, invasões estrangeiras e a fúria assassina do Daesh. ‘Nocturno’ (ou melhor ‘Notturno’, no original) ganhou três prémios em Veneza 2020, e trata-se de uma delicada suite cinematográfica, filmada num crepúsculo de invulgar beleza e veracidade, e que se torna ao mesmo tempo numa sinfonia, ou num movimento sereno, de quem tem de viver um presente contínuo e incerto, sem qualquer garantia de um futuro.

VÊ TRAILER DE ‘NOCTURNO’

Efectivamente, sempre que Gianfranco Rosi termina um novo trabalho, logo os grandes festivais internacionais de cinema se disputam para colocá-lo na sua Selecção Oficial; e têm sido raras as vezes que o italiano não saí de lá com prémios importantes. Depois de ganhar o Urso de Ouro em Berlim com ‘Fogo no Mar’ o cineasta italiano voltou a competir o ano passado no Festival de Veneza, onde já recebeu o Leão de Ouro em 2013 com ‘Sacro GRA’. Este seu novo filme, no no qual trabalhou durante três anos, com uma equipa limitada e parcos recursos é de uma beleza extraordinária dentro da tragédia e da guerra. As imagens são extraordinárias e ‘Nocturno’, ganhou o Prémio de Melhor Fotografia no Festival de Cinema Europeu de Sevilha, em 2020.

Nocturno
Nocturno /Leopardo Filmes

O documentário ‘Nocturno’ é mesmo anunciado do ponto de vista promocional, como ‘um filme de luz sobre as trevas da guerra’, que foi filmado ao longo das fronteiras do Iraque, Curdistão, Síria e Líbano, no centro de um conflito aparentemente constante, seja civil, estrangeiro ou de guerra iminente, instigado pelos terroristas do Estado Islâmico. Através de pequenas (algumas sem diálogos) histórias que mais parecem vinhetas de banda-desenhada, meticulosamente montadas, Rosi compôs um retrato contemplativo do dia-a-dia na linha da frente da guerra, dando rosto (e a voz também) a quem acorda todos os dias, em alguns dos lugares mais perigosos do mundo. A maioria destas pessoa enfrentou horrores da guerra directa ou indirectamente: por exemplo um grupo de mulheres idosas participa de um cântico fúnebre, no qual choram por várias crianças assassinadas; as crianças, ex-prisioneiras do Daesh, contam as suas experiências através de desenhos, que depois são expostos na parede de uma sala de aula. Os rabiscos e desenhos destas crianças, representam mesmo actos tão horríveis e bárbaros, que conseguem atormentar qualquer espectador; os pacientes de em um hospital psiquiátrico preparam um peça de teatro terapêutico, sobre o absurdo de várias leis e políticas locais; um jovem casal desfruta de um narguilé no telhado de uma casa, desejando que venha a chuva: o suave gorgolejo do cachimbo de água, mistura-se com uma montagem sonora de explosões, ouvidas à distância.

A espingarda de um caçador é disparada e produz um som e um eco tão estranhos, que acaba parecendo tudo menos um tiro. Estas imagens são tão intrincadas e belas, que acabam por constituir, uma experiência sensorial que, na maioria das vezes, é absolutamente poética e deslumbrante. Talvez ainda mais do que os filmes anteriores de Gianfranco Rosi. Há uma cena completamente inesperada (ou melhor inusitada), que parece inspirada em ‘A Estrada’, de Federico Fellini: vemos um cavalo parado no meio de uma cidade. Não sabemos realmente por que está ali essa cena metida, mas desfrutando dela chegamos à conclusão que é absolutamente genial. Outro exemplo desse lirismo documental, pode ser encontrado no fato de ‘Nocturno’ se desdobrar, quase como que acontecesse, num único dia deste universo particular. Tudo acontece nos limites (ou nas fronteiras) do cenário de guerra, mas nunca no meio ou no centro da batalha. A experiência não é imediata, já que no inicio, o filme oferece-nos algumas linhas explicativas para onde vai, mas depois ficamos completamente sozinhos, com as imagens, com as vozes e os rostos, que vão silenciosamente ganhando clareza e dando uma lógica narrativa. 

Nocturno, em análise
Nocturno

Movie title: Notturno

Date published: 13 de June de 2021

Director(s): Gianfranco Rosi

Genre: Itália/França/Alemanha, Documentário, 100 minutos, 2020

  • José Vieira Mendes - 70
70

CONCLUSÃO:

‘Nocturno’ de Gianfranco Rosi é um filme muito interessante, que aos poucos vai levantando grandes questões do mundo contemporâneo, a partir de pequenos episódios, isto é partindo do particular, para o geral ou global, sobre as grandes questões e conflitos do Médio Oriente. No entanto, é muito difícil fazer uma filme que retrate toda essa complexa realidade. Estas imagens, histórias pequenas e pungentes, episódios ou melhor encontros com pessoas e situações, acabam por penetrar e sacudir as nossa mentes e sentidos, muito para além do final do filme.

O MELHOR: Os relatos de crianças sobre os momentos de terror que passaram, quando estiveram nas mãos do Estado Islâmico.

O PIOR: É praticamente um apanhado de cenas e situações fortes, num filme feito para impressionar o espectador.

JVM

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