O Sacrifício de um Cervo Sagrado

O Sacrifício de Um Cervo Sagrado, em análise

“O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” é o feel bad movie do ano. Um mistério bizarro que se transforma em puro terror psicológico, com Barry Keoghan como revelação.

Um exercício: pensem nos grandes nomes contemporâneos da realização europeia, excluindo o Reino Unido. É natural que Michael Haneke, Lars Von Trier, Pedro Almodóvar, Paolo Sorrentino ou o controverso Roman Polanski sejam alguns dos nomes que vos surjam. Porém, começa a ser obrigatório juntar o grego Yorgos Lanthimos a essa casta. “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” é a confirmação disso mesmo.

Foi “Canino” (2009) que o pôs no mapa e “A Lagosta” (2015) que provou que em Hollywood há lugar para a sua visão. Diferente de tudo, diga-se. Mais um exemplo do extraordinário olho da A24, que já distribuíra o crustáceo e volta a fazê-lo neste filme protagonizado por Colin Farrell e Nicole Kidman.

O Sacrifício de Um Cervo Sagrado - Colin Farrell e Barry Keoghan
O Sacrifício de Um Cervo Sagrado – Colin Farrell e Barry Keoghan

Embora inferior às suas duas obras mais aclamadas, já referidas, “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” mantém o registo característico de Lanthimos: sobressai a atmosfera desconfortável e intrigante, comportamentos, personagens e ambientes pouco ortodoxos ou convencionais. Numa palavra, o realizador grego explora o bizarro.

O principal mérito desta escolha de Sofia feat. brincadeiras perigosas de Lanthimos é evidente – o filme prende o espectador do primeiro ao último minuto e, em bom rigor, só oficializa a questão de partida por volta dos 40 minutos de ação. Daí em diante, a narrativa passa a ter um relógio interno. Um temporizador rumo a uma difícil decisão.

As sensações que “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” provoca assemelham-se em certa medida às de “mãe!”. Embora, mitologias à parte, neste caso se ofereçam respostas mais claras e haja menos subtexto, menos liberdade para interpretações.

O Sacrifício de Um Cervo Sagrado - Nicole Kidman e Colin Farrell
O Sacrifício de Um Cervo Sagrado – Nicole Kidman e Colin Farrell

Steven (Colin Farrell) é um cirurgião para o qual qualquer erro na mesa de operações só pode ser imputado ao anestesista. É casado com Anna (Nicole Kidman), numa família que fica completa com os dois filhos, Kim (Raffey Cassidy) e Bob (Sunny Suljic). À vida privada do quarteto, pautada por regras várias e alguma rigidez, acrescenta-se desde bem cedo um elemento, Martin (Barry Keoghan). Um adolescente com o qual Steven se encontra amiúde.

A estranha natureza da relação do cirurgião com Martin lança o filme e a curiosidade é alimentada à medida que o jovem conhece a família de Steven, exigindo cada vez maior atenção deste. Até ao momento em que o rapaz declara intenções: depois do seu pai morrer na mesa de operações de Steven, este deve escolher entre os três membros da sua família (a mulher, a filha e o filho) e matar um, ou os três acabarão mortos. A ideia de justiça do vingativo rapaz debaixo da asa do cirurgião.

A partir do momento em que as pernas não mexem, as bocas não comem e os olhos esperam não vir a sangrar, “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” revela-se algo bem diferente da sátira e do humor negro de “A Lagosta”. Não é apenas misterioso, é mesmo um filme de puro terror psicológico. Perturbador como Lanthimos já mostrara ser capaz em “O Canino”.

O Sacrifício de Um Cervo Sagrado - Barry Keoghan
O Sacrifício de Um Cervo Sagrado – Barry Keoghan

À imagem das suas obras anteriores, o realizador volta a ter o seu estilo bem evidente. A parca expressividade de vários elementos, os atores contidos, tensos e retilíneos e diálogos quase monocórdicos. Tudo isto contribui para uma experiência não só invulgar mas também desagradável. Mas, tal como por exemplo “A Vida não é um Sonho” ou “Temos de Falar Sobre Kevin” nos mostraram, um filme pode ser bom mesmo que só o queiramos consumir uma vez.

Este filme confirma também que o melhor Lanthimos faz lembrar a espaços Kubrick. Nos enquadramentos dos planos ou na banda sonora alfinetada, desafinada e desagradável que invoca “Shining” mesmo quando recorre a Schubert ou a coros natalícios. Sem esquecer aquela versão de Ellie Goulding, bela e creepy ao mesmo tempo.

Porventura inferior a “O Canino” e “A Lagosta”, “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” é capaz de ser o feel bad movie do ano. Claustrofóbico, hipócrita e enervante, brilha na forma como Yorgos Lanthimos rejeita o realismo uma vez mais e dota a câmara de um certo voyeurismo. E aquele rodopio de olhos vendados e caçadeira na mão é certamente uma das cenas do ano.

Embora haja Farrell e Kidman, o grande destaque do filme é Barry Keoghan. O ator irlandês – poderão tê-lo visto em “Dunkirk” – merece ser considerado uma das revelações cinematográficas de 2017 graças a este papel. O seu Martin é sinistro, ambíguo e manipulador, de olhar muitas vezes vazio e ausente, máscara inocente e capacidade mental questionável. Só para o verem, vale a pena experimentarem ver o filme.

De olhos postos no futuro, será interessante ver o que o realizador grego faz em 2018 com “The Favourite” sobre a Rainha Ana da Grã-Bretanha no século XVIII. Motivos de curiosidade: Lanthimos num drama de época; o elenco com Olivia Colman, Emma Stone, Rachel Weisz e Nicholas Hoult; o facto de, ao contrário dos seus grandes sucessos, executar um argumento que não é seu.

TRAILER | “O SACRIFÍCIO DE UM CERVO SAGRADO”

Já foste ver “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado”? Curiosos para acompanhar os próximos anos da carreira do grego Yorgos Lanthimos?

O Sacrifício de Um Cervo Sagrado
O Sacrifício de um Cervo Sagrado

Movie title: O Sacrifício de Um Cervo Sagrado

Movie description: Steven, um conceituado cardiologista, é forçado a fazer um terrível sacrifício depois de um adolescente, seu protegido, assumir-se verdadeiramente sinistro.

Director(s): Yorgos Lanthimos

Actor(s): Colin Farrell, Nicole Kidman, Barry Keoghan

Genre: Drama, Horror, Mistério

  • Miguel Pontares - 76
  • José Vieira Mendes - 70
  • Rui Ribeiro - 75
  • Daniel Rodrigues - 82
  • Cláudio Alves - 55
72

CONCLUSÃO

Em “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” sobressai a atmosfera desconfortável e intrigante, assumindo-se este puro terror psicológico como candidato a feel bad movie do ano, pelo seu carácter claustrofóbico, hipócrita e enervante .

O MELHOR: O secundário Barry Keoghan é uma revelação. A rejeição do realismo e o voyeurismo dos movimentos de câmara juntam-se ao enquadramento dos planos e à banda sonora alfinetada e desafinada como pontos fortes.

O PIOR: É improvável que alguém são queira rever “O Sacrifíco de Um Cervo Sagrado”. A parca expressividade de vários elementos, os atores contidos, tensos e retilíneos, e os diálogos quase monocórdicos contribuem para que o filme não seja universal.

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