Stranger Things, terceira temporada em análise
Stranger Things regressou à Netflix no passado dia 4 de julho, e bateu recordes de visualização no serviço de streaming. Será que a série dos Duffer Brothers continua a superar-se?
ATENÇÃO: Este artigo contém spoilers da terceira temporada de “Stranger Things”
A resposta é…sim. “Stranger Things” está maior, está mais ambiciosa, munido de novo orçamento reforçado resultante em efeitos visuais muito superiores. Está mais detalhada e minuciosa, o horror está mais sangrento e mais explícito. Traz-nos também um conjunto de dramas da adolescência, e a consequente transformação inevitável das dinâmicas de grupo.
Verão de 1985. Passado um ano na narrativa e quase dois na vida real. Entre romances de verão, donas de casa à beira da piscina e a cave de Mike, regressamos ao universo de Hawkins onde tudo parece feliz e jovial. Até ao momento em que uma nova ameaça externa vem comprometer a paz, prometendo o regresso do tão temível mundo invertido. Com uma nova manifestação do mesmo monstro, o grupo de amigos deve travar a sua maior batalha até agora, e tentar não destruir o novo centro comercial pelo caminho…
Esta é uma série de elenco, tal como o atesta o Critics Choice Award vencido em conjunto pelos atores em 2017. O que implica uma série de elenco? De forma bastante auto-explicativa, diz-nos que Eleven, Mike, Will, Joyce e Hopper até podem ser as personagens com mais destaque, mas todo o elenco é fundamental para a resolução da trama. Neste terceiro capítulo, esta realidade mostra-se cada vez mais verdadeira, para beneficio do enredo.
A lógica de narração, nesta terceira temporada, é bastante mais fragmentada. Os personagens estão divididos em 4 grupos centrais: Hopper e Joyce, parte do velho gangue com Mike, Eleven, Will, Luke e Max, por outro lado Nancy e Jonathan e, por fim, a nova equipa maravilha – Steve, a estreante Robin, Dustin e Erica. Desde já, constatamos que existe uma rede alargada. O principal ponto positivo, no que a esta decisão diz respeito, é que cada núcleo, individualmente, chegou a conclusões e descobertas relacionadas com a trama principal.
Destaque para a parelha improvável Steve e Dustin, o verdadeiro “bromance” que continua a encantar os fãs. Com Robin e Erica à mistura, vemos a irmã de Luke a ofuscá-lo totalmente (já nos tinha demonstrado potencial para tal no passado), e somos presenteados com a cativante interpretação de Maya Hawke (filha de Ethan Hawke e Uma Thurman), que tem aqui a sua verdadeira estreia.
Quanto a esta oportunidade de permitir que cada grupo investigue e brilhe de forma individual, há contudo que evidenciar que nem todas as parelhas foram tão orgânicas quanto outras.
Por exemplo, todo o trajecto de Hopper e Joyce pareceu mais um meio para um fim do que propriamente uma viagem meritória. Apesar de termos conseguido atingir algum grau de compaixão em relação ao seu prisioneiro russo, e apesar de reconhecermos a validade dos seus testemunhos, é inevitável concluir que o seu arco é o elemento para “encher-chouriços” da temporada. Com este trajecto, o que verdadeiramente importou foi o resultado final. Até lá chegarmos, houve momentos bem mais interessantes a testemunhar noutros núcleos.
Algo importante para compreender “Stranger Things” é pensar como, tipicamente, ao longo das temporadas, cada personagem teve sempre uma função muito específica. No caso dos miúdos, Will é frequentemente o motivo, ou seja, o que motiva a ação. Porque foi raptado, porque está possuído ou porque é um detector humano de monstros. Mike é, por norma, o impulsionador. Com a informação dada, costuma guiar o seu grupo rumo à descoberta, funcionando como uma espécie de líder não assumido. Quanto a Dustin, é o permanente e adorável alívio cómico. A adição de Max trouxe acima de tudo tensão dramática, devido às suas complicadas dinâmicas familiares. E Eleven, claro, é aquela que leva à resolução do conflito.
Onde surge o pecado aqui? Em primeiro lugar, com Luke. Luke não funciona como um personagem por si só, um protagonista, e por isso é muito raro que o vejamos em cenas sozinho. Isto porque os argumentistas nunca se debruçaram realmente sobre ele, não o suficiente para lhe atribuir um personagem claro e repleto de individualidade. Tal é ainda mais notório na terceira temporada, à medida que todos os outros vão ganhando corpo.
O outro pecado é Will. A Will acontecem coisas, que acabam sempre por ter uma influência directa na narrativa do Mundo ao Contrário. Contudo, ele não é nem a solução, nem tão pouco um elemento positivo. Nesta temporada, ele tem apenas duas funções. Funcionar como um mapa do tesouro, e queixar-se porque quer manter-se criança e jogar D&D para sempre. Este tipo de persona torna-se cansativa com facilidade, e tal é inegável.
Com a divisão dos personagens em vários grupos e puzzles, foi possível inverter um pouco o vício de já sabermos que a história vai terminar com El a salvar o dia. Os dramas são semelhantes, mas estão expostos com um nível de complexidade superior.
Uma crítica que pode ser tecida a “Stranger Things” é que estamos sempre na mesma localização, a lutar contra o mesmo monstro e a tentar combater a mesma lógica de mundo invertido. O Devorador de Mentes está de volta, mas é um monstro muito diferente. Em retrospetiva, o Demogorgon da primeira temporada parece agora uma figura tosca e simples. Esta evolução implica uma lógica de colmeia, de multiplicação, de conexão, de traições e possessões. É uma criatura mais complexa, com outras motivações e formas de agir. É a mesma história, mas contada de uma forma diferente.
Algumas vozes afirmam que a série é demasiado repetitiva, seguindo sempre a mesma fórmula. Contudo, acho que este defeito consegue ser, curiosamente, também uma qualidade. “Stranger Things” narra um conto muito simples, em parte adaptado a partir de jogadas de “Dungeons and Dragons”, mas é na sua simplicidade que consegue brilhar. Podemos ver estes monstros uma e outra vez, mas é a percepção dos mesmos que se vai metamorfizando.
Temos agora um conteúdo mais cinemático, com transições brilhantes e uma banda sonora exímia. “Stranger Things” funciona menos como uma série e mais como um longo filme de 8 horas. Para lá de viciante, este novo capítulo é um binge watch imperdível, digno de chegar a casa e só parar depois de devorar a temporada. Aliás, uma temporada tão curta parece ensinar uma lição a quem insiste que a chave do sucesso são 16 ou 22 episódios.
A narrativa é concentrada, e por isso mantém o interesse no nível máximo. Começa de forma muito ligeira, discreta até, com muito amor de juventude e alegria de verão. O tom cómico é substituído, de forma rápida, por uma tensão de cortar à faca. A partir do quinto episódio, e durante esses quatros capítulos, o perigo é iminente, constante e proveniente de múltiplas frentes. Não há um antagonista, há vários, não há um foco de tensão, existem muitos. ‘Code Red’ durante grande parte da temporada, com tempo ainda para alguma bem merecida emotividade e algumas lágrimas.
“Stranger Things” começou também a dar os seus toques no género da série de adolescentes, imiscuindo-a algures entre o seu terror e suspense. Suponho que estava na altura, os seus protagonistas estão cada vez mais crescidinhos, e daqui a duas temporadas serão uns calmeirões de liceu. Muitas são as vozes que dizem dispensar o romance entre Eleven e Mike. Talvez porque são múltiplas as manifestações de afeto, interpretadas por dois jovens expostos agora a um mundo que nunca deixar de sexualizar em excesso as crianças que crescem na indústria.
Contudo, é inevitável constatar que sempre foi uma direcção para a qual os escritores se inclinaram, desde a primeira temporada. Caramba, desde as primeiras interacções entre os dois personagens. A criação de um elo forte com alguém da sua idade e fora do laboratório foi um primeiro passo imprescindível para que Eleven se pudesse reconciliar com a sua humanidade. Ser a natureza desta relação um pouco para lá do laço da amizade foi uma decisão que acaba por não mudar muito o objectivo claro das interacções dos dois personagens.
Nesta entrada na adolescência vemos em Will, o Sábio (mas também o enfadonho), uma manifestação forte de resistência à mudança. Não sabemos se de facto “não gosta de raparigas” ou se “ainda não gosta de raparigas”. Sabemos sim que não está a maturar ao nível dos seus amigos, o que provoca inevitável sofrimento e conflito. Uma realidade curiosa, nem todos os miúdos crescem ao mesmo ritmo e as sensibilidades destes companheiros são aqui bem identificadas e respeitadas. Uma temática que ainda dará pano para mangas, numa quarta temporada repleta de mudança.
“Stranger Things 3” volta a levar-nos para território bem conhecido, e talvez o mistério se esteja a desvanecer. Contudo, essa falha é colmatada por uma mesma realidade apresentada de forma mais envolvente, com mais nuances, com mais a dizer, com mais complexidade e menos dualidade. Em breve, garantem os criadores, vamos mover-nos para lá de Hawkins. Novos palcos, talvez de novo personagens adicionais, e quem sabe, uma nova ameaça. Ficamos à espera de “Stranger Things 4”.
E por aí, esta a vossa temporada favorita de Stranger Things?
Stranger Things 3, em análise
Name: Stranger Things - Temporada 3
Description: Estamos no verão de 1985, a escola já acabou e o primeiro centro comercial chegou a Hawkins. O grupo está a entrar na adolescência e o amor está no ar, o que causa alterações na sua dinâmica. Paralelamente à vida quotidiana, o perigo volta a emergir. El percebe que afinal não conseguiu fechar totalmente o portal e que há uma nova ameaça. O mal não acabou, apenas evoluiu…
-
Maggie Silva - 85
-
Inês Serra - 67
-
João Fernandes - 75
-
Maria João Sá - 65
-
Miguel Pontares - 76
-
Filipa Machado - 75
CONCLUSÃO
O MELHOR – Novas dinâmicas, com ênfase nas provocadas por novos personagens
O PIOR – Muito pouco se alterou em Hawkins no que diz respeito à história que nos é narrada