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DocLisboa ’25 | The Tree House – Análise

Trương Minh Quý, cineasta responsável por assinar a estrondosa obra de ficção contemplativa “Viet And Nam”, um belíssimo e invulgar romance queer, é um dos cineastas convidados e presentes nesta edição do DocLisboa em 2025. Mais precisamente, a retrospectiva do seu trabalho insere-se na secção “Riscos”, que inclui novas e arrojadas cinematografias. No dia 20 de outubro, na Culturgest, vimos “The Tree House”.

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Uma filmografia diversa no DocLisboa ’25

 

Tal qual como mencionado no website oficial do DocLisboa, os filmes de Trương Minh Quý são apresentados nesta edição do maior festival documental do nosso país, o que contempla também a exibição das obras que realizou ao lado de Nicolas Graux. Trương Minh Quý é um nome claro para incluir nesta secção, não fosse o vietnamita um realizador capaz de inovar a cada obra, explorando tanto a ficção como a não-ficção, passando inclusive pelo campo da fantasia e/ou ficção científica. O seu cinema explora comunidades e pontos de vista distintos e, no que diz respeito ao seu país de origem, expõe muito do que ficou escondido e sempre adotando a mais sincera e bela das perspectivas.

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É precisamente isso que Trương Minh Quý atinge com este “The Tree House”. A capacidade de representar as memórias de um povo, à medida que se debate com algumas questões morais fundamentais, basilares e muito presentes no filme documental – o direito a captar a imagem do outro, a importância da fotografia para a preservação da memória e a capacidade transformativa da presença da câmara.

The Tree House (2019) e a memória de um povo

Doclisboa the tree house
©info@levofilms.com

O filme de Trương Minh Quý, a segunda longa-metragem da sua filmografia, é uma espécie de projeto intencionalmente inacabado que parte da vontade de narrar uma história para a posterioridade, gravando-a em filme e preservando-a perante o olhar do colectivo.

A premissa diz-nos que estamos no ano de 2045, embora este ponto de partida não tenha consequências narrativas e sirva antes como um dispositivo poético que é aqui accionado. O nosso narrador em “The Tree House” é um homem que vive em Marte e que se propõe a analisar os seus encontros com uma comunidade indígena que viva nas selvas do Vietname, mais precisamente em grutas, isto até uma imposição estatal os remover do seu ambiente natural.

O nosso marciano vai conhecendo este mundo, sem fazer declarações polémicas ou categóricas, observando calmamente e de forma ociosa, mas sem nunca deixar de fazer observações pertinentes sobre a culturas de um povo. Ora se recriam imagens que nos recordam rituais fúnebres, ora vemos casas a serem edificadas.

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Este é um esforço etnográfico notável, compreensivo, amplo, mas é também uma obra que se casa com uma ligeira brincadeira, um toque de “ficção científica” que nos permite pensar a dilatação temporal neste que é um ambicioso retrato das temporalidades que se encontram ao longo de uma vida.

Paisagens sonoras e retratos por Trương Minh Quý

Trương Minh Quý, presente na Culturgest para apresentar a sua obra nos “Riscos” do DocLisboa, merece aqui louvores pelo trabalho ao nível do som, que acentua sempre a naturalidade e, claro está, os sons da natureza – o universo das casas na floresta não podia funcionar de outra forma, senão com o prevalecer de encantadoras paisagens sonoras indígenas que reforçam a ociosidade mencionada (ao fim de contas, “não há muito para fazer em Marte”).

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O povo Ruc é o grande herói coletivo desta longa-metragem. Sem que se apontem dedos furiosamente, compreendemos na perfeição uma das problemáticas centrais do filme: a forma como este povo das montanhas e da selva foi forçado a assimilar, seja culturalmente ou do ponto de vista social, aproximando-se daquela que é a experiência standard da população vietnamita.

Pelo caminho, este belo e simples filme lançado em 2019 levanta portanto muitas questões pertinentes e atuais sobre assimilação cultural e a imaginação galopante de culturas distintas. Opressão societária, guerra, o difícil período pós-guerra, todos estes são temas chaves que surgem organicamente no decurso das múltiplas reflexões de “The Tree House”, um filme cuja discussão dificilmente se esgotaria.

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A imagem aqui captada e o dilema da fotografia

Esta é uma obra bastante lírica, e nada mais esperaríamos do autor de “Viet And Nam” (2024), que nos arrebatou o ano passado no Queer Lisboa. Ademais, a escolha do uso de película e a reflexão sobre esta opção coadunam-se na perfeição com a natureza auto-reflexiva da obra, que não só não esconde o artefacto como pensa nas suas consequências – das mais positivas às mais nefastas.

Ao fim de contas, quem é o realizador para reivindicar para si estas imagens, para provocar este desconforto ao sujeito filmado? Principalmente quando tal sujeito parece ser quase “superior”, dispensando a fotografia e cravando as suas histórias a pedra e cal na força da sua oralidade. O seu universo, o seu imaginário, do Povo Ruc, é ao de leve explorado pelo filme, mas o cineasta compreende que não deve escancarar a porta, que existem forças a respeitar, uma intimidade coletiva devida a este fascinante povo que nunca vê como exótico ou “diferente”, apenas rico na sua individualidade.

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The Tree House | Trương Minh Quý DocLisboa
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“Sem fotografias o que seria das minhas memórias”? É uma questão colocada pelo narrador a certo ponto, uma questão que os Ruc nunca colocaram e que por isso os eleva a outro patamar de criatividade.

E de onde partiu a ideia para este filme? Trương Minh Quý diz-nos que “The Tree House” nasceu, nada mais nada menos, do que a partir da imagem da montanha, tornando-se rapidamente uma investigação sobre as nossas casas, mais especificamente as casas que constroem a nossa infância. Esta é uma obra sobre memória, neste caso em grande parte a memória da casa na árvore onde um dos protagonistas da fita viveu durante mais de 40 anos com o seu pai.

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Dizer adeus é difícil e “The Tree House” é também muito um filme poderoso sobre dizer adeus, virar costas a parte da nossa infância e abraçar o desconhecido – aqui na terra ou em Marte.

O DocLisboa continua na capital até ao próximo dia 26 de outubro e cá estamos, como habitual, com a nossa cobertura da programação!

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The Tree House - Análise

Conclusão

  • “The Tree House” é uma obra simples mas bela e reflexiva, capaz de devolver a um povo a sua história e fixá-la para as gerações vindouras.
Overall
7.5/10
7.5/10
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