Elementos Secretos, em análise

Elementos Secretos (Hidden Figures) é um dos filmes mais comentados nesta temporada e cativa pela perseverança das suas personagens e da sua história, baseada em factos reais.  

Embora um e qualquer filme seja mais do que as suas nomeações aos Óscares ou a qualquer outro prémio de Hollywood, não deixamos de olhar para Elementos Secretos como uma adição no mínimo interessante ao lote dos nomeados deste ano, onde se contam filmes como Manchester by the sea, Moonlight e claro La La Land: Melodia de Amor. A par de Moonlight e de Vedações (que ainda não estreou em Portugal), Elementos Secretos confirma a necessidade de diversidade na indústria cinematográfica. Muito embora esteja aquém de ser a (maior) obra-prima do ano, o filme conseguiu uma surpreendente nomeação à categoria principal dos prémios da Academia e outras duas para Melhor Argumento Adaptado e Melhor Atriz Secundária – Octavia Spencer. Tudo isto, claro, para reivindicar Elementos Secretos como o cereja no topo do bolo, ou melhor, na lista de filmes que deverão servir de ‘bofetada’ às recentes (senão próximas) políticas do Presidente Donald Trump.

Como certamente já saberão, porque não se tem falado em outra coisa, Elementos Secretos conta a incrível história de Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monae) – três brilhantes mulheres afro-americanas que trabalharam na NASA e que foram os cérebros por trás de uma das maiores operações da história: o lançamento do astronauta John Glenn para a órbita terrestre. Segundo  a sinopse “tal incrível feito restaurou a confiança da nação, agitou a Corrida Espacial durante a Guerra Fria e que reanimou o mundo”. Seja pelo seu fator extremamente mediático e comercial (a longa-metragem é produzida pela 20th Century Fox, sendo ainda um êxito de bilheteira nos Estados Unidos) ou pela sua importância histórica, no tenso período dos anos 60, diante da consolidação dos direitos dos cidadãos afro-americanos, o filme convida o espectador a sentir a garra (e a força de vontade!) das suas personagens.

Contudo em vez de voar bem alto, o filme torna-se um pouco, para não dizer bastante, desapontante. Para além de não ter nada de lá muito original (alguns chamá-lo-ão de “As Serviçais dos Algorítmicos”, o que discordamos), quiçá até de secreto para ser desvendado, Elementos Secretos prefere ser mais um projeto comodista, como qualquer outro baseado em histórias verídicas (as excepções do ano esgotam-se em projetos mais ambiciosos como Lion – A Longa Viagem para Casa ou Jackie). Na verdade, não há qualquer ousadia em romper com as ditas convenções narrativas recorrentes em histórias verídicas contadas por Hollywood e os passos que vão sendo dados na sua estrutura são dominados por uma série repetitiva de clichés.

Elementos Secretos

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Pela campanha em torno do projeto, tanto pela sinopse como o trailer, fez-se crer que supostamente seria dado igual destaque às três mulheres, quando toda a história se constrói (quase, mas quase) apenas em torno de Katherine Johnson, a única das três mulheres ainda viva. São os seus sonhos e os seus maiores receios que fazem deste Elementos Secretos alguma coisa de realmente interessante. As peripécias e situações com que a personagem vai sendo afetada são dispostas numa interpretação algo contida, mas bem composta de Taraji P. Henson, sobretudo conferido alguns tiques nervosos e algum espírito determinado a Katherine.

Nascida em 1918, no seio de uma família humilde, Katherine Johnson cedo demonstrou aptidões para a matemática, tornando-se a primeira mulher afro-americana a integrar uma graduação na West Virginia University, em Morgantown, onde sairia formada com notas de excelência. Johnson na trama é revelada igualmente como uma essa mulher pacífica, mas dedicada, trabalhadora, mas que ainda retira algum tempo para estar com as suas filhas. Sabemos onde chegou e como chegou, sendo em várias situações humilhada, como quando torna-se a única mulher negra numa sala, rodeada de homens brancos, ou até, pela embaraçosa situação de ter que possuir uma cafeteira pessoal, para além de utilizar uma casa de banho ‘apenas para afro-americanos’, que está situado ao fundo de outro espaço distante ao edifício onde trabalha.

Mesmo assim, na trama está tudo calculado. Ali e acolá a personagem e todo o filme parecem distribuir bem o seu tempo e não abrem mão do seguro, preferindo deixar as ousadias para outras mãos. Afinal, aqui está uma história que, ao fim e ao cabo, quer levar o espectador às lágrimas de alegria mais pelos feitos alcançados do que pelas suas imagens poéticas ou quiçá verdadeiramente transcendentes.

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De facto, a narrativa poderia predispor-se por aí, para alguma profundidade dramática, contudo ironiza e traz elementos de comédia para a maioria das situações. Parece que cada passo dado por Katherine merece ser acompanhado por uma banda-sonora bem-disposta, para esquecer todos os problemas sociais. A batida soul de Pharrell Williams funciona muito bem sozinha, mas atrapalha todos os instantes da intriga, esquecendo qualquer densidade das tribulações da época.

É verdade que em muitos momentos a narrativa refira que as personagens preferem manter-se bem sossegadas no seu canto, não sendo ativistas ou radicais, como muitos dos seus vizinhos ou amigos, nem decidindo sair à rua para acompanhar manifestações. Mas sentimos que algo mais poderia ter sido aproveitado. Tudo parece correr sempre às mil maravilhas, como se nenhum “verdadeiro” problema existisse. Aliás, o único problema que encontramos é o confronto entre os EUA e a URSS, confirmando o patriotismo de histórias pertencentes a uma cultura americana, que conquistam qualquer um quando chegamos à Awards Season.

O realizador Theodore Melfi esquece, de facto, o passado obscuro do país, que de alguma forma ainda se faz lamentavelmente sentir nos dias de hoje. O mesmo se pode dizer da sua colega argumentista Allison Schroeder, que apesar das fragilidades da narrativa parecem estar na linha da frente para ganharem o Óscar de Melhor Argumento Adaptado (atente ao facto do filme continuar a ser entre todos os nomeados a Melhor Filme o mais bem sucedido comercialmente, com cerca 120 milhões alcançados até agora).

A questão de que não existem barreiras para a concretização dos nossos sonhos apresenta-se sobretudo através da personagem mais interessante de toda a narrativa: Mary Jackson, interpretada pela cantora Janelle Monae. Monae não mede esforços e apresenta-nos uma mulher muito próximo àquilo que é na realidade. Defensora de direitos das mulheres, negros e LGBT, a sua personagem faz-nos vibrar em cada momento que entra em cena.

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Já os restantes atores como Kirsten Dunst ou Jim Parsons são reduzidos a meros estereótipos, antipáticos como se numa conversa tudo ou nada se pudesse resolver – senão vejamos quando as personagens de Octavia Spencer ou Kirsten Dunst se cruzam em cena. Vale a pena referir também a presença positiva de Kevin Costner, um ator que tinha vindo a participar em filmes de ação explosiva ou dramas esquecíveis, retoma alguma da sua capacidade mobilizadora do passado, da típica personagem que está lá para ajudar tudo e todos.

O filme, como já dito pode ter para muitos algo d’As Serviçais, mas ambos os projetos parecem-nos tão distantes. Enquanto The Help tem atenção única e exclusivamente às organizações familiares dos afro-americanos e a sua distribuição nas mansões dos brancos, nomeadamente na forma como as criadas negras lidavam com os seus patrões e patroas, mais ou menos diversos em estilos, ações e atitudes, seguindo, por sua vez, uma peculiar jovem branca que quer contar e registar todas as diferentes histórias das criadas transpondo exatamente a desigualdade que sente injusta. Já Elementos Secretos formaliza algo oposto, no registo social e profissional e sucumbe o extraordinário ao mais banal. Quer isto dizer, que mostra afro-americanos são todos introduzidos como heróis e a maioria dos brancos (a excepção do galã John Glenn) como anti-heróis.

Por isso, embora falhe claramente por não mostrar qualquer densidade psicológica da sua história, Elementos Secretos é um filme interessante nem que seja pela diversidade do seu elenco. Mesmo assim, não poderemos ficar por aí e o filme deveria apresentar qualquer coisa de verdadeiramente artístico, mais do que meramente informativo ou descritivo.

O melhor – Taraji P. Henson e Janelle Monae.

O pior – O registo infantil como as atitudes são focadas.



Título Original:
 Hidden Figures
Realizador: Theodore Melfi
Elenco:
 Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monae, Kevin Costner, Kirsten Dunst

NOS | Drama, Biografia, História | 2016 | 127 min

Elementos Secretos

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VJ

 

Consulta também: Guia das Estreias de Cinema | Fevereiro 2017

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