Especial | O Cinema às Voltas Com o Futuro (8) | Tiago Alves
A pandemia também afectou o trabalho dos jornalistas: não há estreias, as salas fecharam, os grandes festivais foram cancelados, adiados ou em streaming e agora mesmo as entrevistas às estrelas são feitas online. O Tiago Alves, jornalista, crítico de cinema e apresentador do Cinemax na RTP2, manifesta aqui as nossas preocupações e esperanças quanto ao futuro do cinema, dos festivais e da nossa profissão .
Tiago Alves é editor e crítico de cinema, além de radialista, jornalista, divulgador e programador de cinema desde 1995. Na rádio, manteve no ar, na TSF, durante 8 temporadas, o magazine CINEMANIA, e, atualmente, na Antena 1, coordena e apresenta, desde 2005, o CINEMAX, um magazine com emissões diárias e semanais. Além de se escutar na rádio, o CINEMAX é um canal de cinema online, dedicado à atualidade cinematográfica, e um magazine de televisão com sessões regulares de curtas-metragens na RTP2. Desde 1999 que escreve regularmente sobre cinema em publicações diferentes: na revista Visão, no diário Jornal de Notícias, e na revista digital Metropolis. Desde 2017 que programa o Shortcutz Ovar. Gosta de acreditar que o cinema é maior do que a vida mas espera sempre que a realidade consiga ser mais surpreendente. E costuma dizer que trabalhar a área do cinema é um ócio do ofício.
Cinema vs. coronavírus: Julgo que os resultados de 2019 demonstram que a exibição tradicional em sala estava sólida, com resultados históricos em alguns territórios, concretamente, em Portugal. Não temos dados para dizer que a pandemia antecipou um ciclo negativo, bem pelo contrário.
Blockbusters, super-heróis e cinema de arte & ensaio: Sim, os primeiros são as produções determinantes para sustentar o circuito em sala (distribuição e exibição) mas há um cansaço, um esgotamento do modelo, uma necessidade de reinventar a fórmula que se aplica às locomotivas. Com exceção da produção de clássicos da Disney, diria que é necessário encontrar novas ‘séries’ e novas narrativas para a próxima década.
Um cinema ‘infantilizado’ vs. séries de televisão: Apesar da dita ‘infantilização’ das produções populares, o cinema continua a ser poderoso e corajoso, e o melhor meio para interpretar o mundo. A dificuldade reside em preservar o espaço das produções artísticas e independentes no circuito de exibição das salas. Mas há outros espaços e locais de exibição menos convencionais que vão abrindo janelas em sala para esse cinema mais adulto. Não gosto de analisar o sucesso das séries televisivas. Não me interessa refletir sobre isso, não tenho opinião formada porque não lhes dedico a atenção suficiente.
Cinema de arte & ensaio e o streaming: O streaming pode ajudar porque contribui para diversificar as fontes de financiamento.
Festivais, reportagens e entrevistas em streaming: Não. Acho que os festivais devem permanecer e resistir, retomando a sua atividade social e de proximidade entre autores de cinema, distribuidores, produtores e jornalistas. De resto oponho-me à estratégia de programar novidades online. Acho que os festivais devem resistir e retomar a atividade com programação nova em sala assim que possível. No entanto este momento mostrou que será possível gerir melhor o percurso dos convidados, reduzir convidados, organizar junkets em streaming, gerir o acesso aos protagonistas de outra forma, até democratizar mais a participação dos jornalistas nos encontros com os talentos. Mas mantendo sempre os festivais como local de encontro.
Os cinéfilos agentes do sector andam desanimados: Sim. Mas pessoalmente sinto que a seguir virá um tempo em que sentiremos vontade de regressar à sala de cinema. Acredito que este período valorizou a dimensão social de todos os eventos culturais e acontecimentos com público, sejam conferências, jogos desportivos, artes de palco, concertos de música e cinema em sala. Sinto que há um desejo de ir às salas de espectáculos e entretenimento. E provavelmente haverá um cansaço em relação ao streaming e à opção de ver isolado em casa.
O fim de uma era no cinema: Julgo que as limitações irão ter um reflexo negativo. O espectador resistirá em ir porque as medidas de distanciamento não são confortáveis. Mas se o período em que essas medidas vão vigorar for curto, acredito não ser um problema, nem assistiremos ao fim de uma era no cinema.
A pandemia vai acelerar a transição para o streaming: Não. Acredito que a programação em sala, se for diversificada e relevante, continuará a ser atraente.
Lotações limitadas vs. receitas: Definitivamente não será um bom período. Julgo que será aconselhável selecionar bem a oferta e surpreender, equilibrando o cartaz com a oferta de filmes comerciais, com obras clássicas ou artísticas, que cativem outros espectadores. Acho que a chave está num cartaz menos diverso, mais focado, com mais sessões do mesmo filme no mesmo dia/semana. Por outro lado os exibidores deverão adoptar estratégias novas para cativar os espectadores: a compra de um bilhete vale uma entrada noutra sessão, por exemplo. O espectador terá que ser cativado e a experiência de ir ao cinema recompensadora.
Receio em voltar às salas: Acho que as pessoas vão ter receio de voltar. Terão que aprender, como sucedeu com a ida ao supermercado ou o regresso aos transportes públicos.
O futuro da distribuição de cinema: A distribuição de cinema em sala terá que ser cada vez mais pensada em função das outras plataformas que ganharam espaço. Julgo que a janela se vai apertar cada vez mais. Mas isso não decorre da pandemia, porque já era uma dinâmica evidente tendo em conta a multiplicação de plataformas.
Cineclubes, salas especializadas, drive in: Acredito que podemos assistir a uma dinamização de velhas formas de ver e distribuir cinema. Julgo que não há espaço para os cineclubes porque quase todas as cidades têm oferta de cinema (festivais, mostras, eventos)… Mas o drive in poderá ressurgir enquanto o vírus estiver ativo e representar um risco.
Operadores de serviços das plataformas: Parece-me inevitável. Mas isso funciona a favor dos cinemas. Dificilmente as plataformas farão oferta cruzada. E o cinema em sala torna-se mais competitivo à medida que as plataformas se multiplicam e dispersam a oferta com custos para os espectadores. Pela minha parte não pago as plataformas pela oferta de cinema — pago para ver cinema na sala.
O retomar de filmagens ou rodagens: Não há como resolver este problema antecipadamente. Não vejo solução. Só poderão filmar quando existirem condições de conforto. Isso irá refletir-se nos rendimentos, será necessário adiantar subsídios atribuídos mesmo que as produções sejam adiadas ou atrasadas. A distribuição irá sofrer porque em 2021 teremos menos oferta, menos filmes novos para ver. 2021 será uma espécie de ano quase zero em termos de oferta… um grande problema.
JVM