Families Like Ours, a Crítica | Profecias ambientalistas de Thomas Vinterberg
Em “Families Like Ours”, o realizador Thomas Vinterberg apresenta-nos uma emocionante distopia sobre o futuro da Dinamarca, que pode ser transposta para as zonas mais baixas e não apenas a mais pobres do Planeta. A minissérie de 7 episódios estreia no dia 19 de novembro, às 22h10, no TVCine Edition, mas foi vista em grande ecrã, primeiro no Festival de Veneza e agora em duas sessões do LEFFEST’24.
Depois dos seus compatriotas Per Fly, Nicolas Winding Refn e Lars von Trier, também o aclamado realizador dinamarquês Thomas Vinterberg, vencedor do Óscar de Melhor Filme Internacional, em 2021 com “Drunk—Mais Uma Rodada”, estreia-se agora no mundo das séries de televisão e do streaming com esta magnífica “Families Like Ours”. A série sombriamente profética, conta uma emocionante história que mistura drama familiar com ficção científica, pois passa-se num futuro próximo e num cenário devastador, onde a Dinamarca — antes o mesmo já teria acontecido com os Países Baixos — um dos países com maior índice de felicidade, vê-se à beira do colapso, com a população a ter que enfrentar uma evacuação em massa, do seu território, devido à rápida, embora controlada, subida do nível das águas do mar.
Um alerta para as tragédias ambientais
A natureza parece estar zangada e as recentes tragédias, como as cheias na região de Valência por exemplo, têm mostrado a cada vez maior possibilidade de se virem a acentuar catástrofes ambientais, com graves consequências para a Humanidade, seja nos países ricos ou nas comunidades mais pobres. Por isso, “Families Like Ours” além de um grande sentido de oportunidade na sua estreia, aborda um tema que à partida seria demasiado grande para os limites do drama televisivo, no entanto é uma obra que desafia as convenções das narrativas familiares tradicionais ao inserir elementos distópicos e apocalípticos. As famílias do título são um um pequeno agregado de dinamarqueses confortáveis, que nunca esperavam que lhes faltasse alguma coisa, muito menos um país. Porém, vamos assistir à evacuação total de um dos países mais ricos do mundo, povoado por cerca de quase 6 milhões de pessoas, com um elevado nível de qualidade de vida e na sua maioria altamente qualificadas, que se vão transformar em imigrantes apátridas, simplesmente porque o seu território vai desaparecer do mapa, sob as águas do mar; e irremediavelmente transformar-se num imenso parque eólico marítimo. Vinterberg leva-nos através de uma jornada emocional e visual onde, à medida que o nível das águas sobe, famílias e amigos vêm-se obrigados a tomar decisões bastante dolorosas e a dizerem adeus a todos os seus haveres, valores e identidade. Ao mesmo tempo, que as opções de realocação em outros países, variam conforme as possibilidades financeiras de cada família, criando uma divisão social entre os que podem pagar para viver em segurança e os que dependem apenas do auxílio do Estado, para encontrarem um novo lar em destinos incertos.
A água como tema seminal
A água desempenha um papel seminal nesta saga de sete episódios realizada por Thomas Vinterberg, muito antes dos trágicos acontecimentos que temos vivido na realidade nos últimos tempos. Porém aqui em “Families Like Ours” sofisticados sistemas de represas e drenagem mantêm as inundações temporariamente sob controle enquanto um programa de evacuação/realocação financiado pelo governo dinamarquês é colocado em ação. Enquanto isso, numa escalada crítica, as fronteiras vizinhas e próximas da Alemanha, França, Reino Unido e restantes países nórdicos vão sendo fechadas, como anunciam os noticiários de urgência, para ‘refugiados, imigrantes e famílias como a nossa’, expresso igualmente pelo diretor da escola de Laura (Amaryllis August), uma jovem de 19 anos da classe média alta dinamarquesa, filha de pais separados, que vai ter de escolher ficar com um ou com o outro.
Uma evacuação muito nórdica
Enquanto a serenidade relaxante da primavera se instala nos bairros de classe média alta de Copenhaga e o inconfundível cheiro da relva e do verde preenchem o ar dinamarquês, uma população no topo dos rankings de estabilidade política e felicidade do mundo, prepara-se para enfrentar amanhãs desconhecidos: no final do verão, todos terão que abandonar as suas casas e bens e serão mandados embora e amontoados em cabines de grandes navios cruzeiro da MSC, autocarros e centros de trânsito de imigração, apenas com a vida inteira arrumada numa mala. O processo de evacuação parece estar todo organizado de forma muito nórdica, pois há poucos indícios de pilhagens, batalhas por lugares em barcos que partem, inevitáveis resistências rebeldes ou manifestações, que quase certamente se tornariam num caos real em outro contexto, mas também desordenariam o puzzle de histórias de Vinterberg.
A família de Jacob é como a nossa
Não só Laura (Amaryllis August), mas igualmente os seus familiares mais próximos que constituem o cerne da história: seu pai, Jacob (Nikolaj Lie Kaas), um proeminente arquiteto que com a mulher, pensam que conseguirão transferir as suas vidas para Paris; a sua mulher, Amalie (Helene Reingaard Neumann) que já trabalhou em outros países europeus; o irmão desta, Nikolaj (Esben Smed), um alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que têm a vantagem de conhecer antecipadamente os planos de evacuação do governo; o seu marido Henrik (Magnus Millang), um rico e inseguro grande proprietário de terras; Fanny (Paprika Steen), a depressiva ex-mulher de Jacob e a mãe de Laura, que vive já de subsídios do governo e que tem de ir para a Roménia; e Elias (Albert Rudbeck Lindhardt), um colega de escola de Laura e o seu primeiro grande amor, determinado a segui-la para onde quer que vá. São as viagens desesperadas e perigosas deste jovem casal pela Europa para se encontrarem que acabam por se tornar na narrativa principal e essencialmente numa coleção de experiências radicais e de sobrevivência. A partir desse ponto, porém, cada família fictícia mergulha na sua própria tragédia.
As escolhas possíveis acabaram erradas
A jovem Laura (Amaryllis August), que hesita na escolha entre os pais, entre o conforto de Paris e as incertezas de Budapeste, perde o barco e desaparece. O seu pai, Jacob (Nikolaj Lie Kaas), que arranjou um emprego clandestino em Paris, age à dinamarquesa: vai à polícia, chamando a atenção oficial para o arquitecto francês que arriscou o seu negócio para lhe dar um emprego. “Vocês são duas pessoas muito mimadas”, diz o benfeitor de Jacob enquanto atira a família para a rua. Na verdade, estas pessoas são os refugiados mais privilegiados que se possa imaginar. Ao longo dos primeiros seis implacáveis episódios de “Families Like Ours”, observamo-los a desvendarem-se ou a cometerem atos não muito civilizados, até então impensáveis, que os transformam nas pessoas que costumavam desprezar. No episódio três, a crescente desesperança faz-nos pensar porque é que não estão simplesmente a atirar-se violentamente para a água salgada invasora e a reagir à boa maneira latina? Mas, ao mesmo tempo, há como que uma sensação desconfortável pois como é possível que todos errem e façam infalivelmente as piores escolhas possíveis? É como se todos estes perdedores do Primeiro Mundo fossem obrigados a aumentar a sua miséria da trama, para que as suas almas sejam purificadas pelas águas invasoras.
Uma estreante ao lado de um grande elenco
A estreante Laura — era modelo juvenil — é efectivamente a força motriz da história, marcada no luminoso rosto de Amaryllis August, que se vai transformando ao longo da trama e do seu drama pessoal. Mas há também uma espécie de conforto em vermos tantos dos notáveis atores que ganharam destaque internacional com o movimento Dogma: Paprika Steen, Thomas Bo Larsen, Nikolaj Lie Kaas, David Denrick, Magnus Millang. Já estão todos na meia-idade, mas são incomparáveis na sua capacidade de transmitir emoções meio sufocadas e contidas, através do movimento de uma sobrancelha ou da queda de uma mandíbula. Seja qual for a situação, o seu naturalismo característico convence-nos de que a vida está a ser vivida aqui um dia de cada vez, momento a momento, de uma forma bastante perigosa. Adicionando suporte a este elenco notável e à trama principal, estão ainda Peter (David Dencik), o irmão malvado de Henrik; Holger (Thomas Bo Larsen), o tio de Laura, um cabeça quente, caloroso e generoso; e o pequeno Lucas (Max Kaysen Høyrup), uma criança prodígio no futebol, que além de ir para Inglaterra para as ‘escolinhas’ do Liverpool FC, parece possuir certas habilidades psíquicas algo assustadoras que parecem prever o futuro. Em suma, estão reunidas, além de uma complexa trama, uma ampla e colorida paleta de protagonistas e secundários, que nos proporcionam performances igualmente de grande credibilidade e competência.
Pode ser necessária uma nova temporada?
O realizador de “A Festa” e “Drunk—Mais Uma Rodada” também lida admiravelmente bem com o escopo épico e distópico desta história, que se torna por vezes até romântica e poética. Os admiradores dos filmes de Vinterberg podem desfrutar da familiaridade dos seus cenários favoritos: uma dança de casamento, multidões a explodir em canções harmoniosas, a vastidão ecoante de uma igreja luterana. À medida que as coisas parecem cada vez mais desoladoras para o final, mas já perto de uma conclusão — se é que existe? — intercalam-nos inclusive imagens de arquivo e cenas das manifestações da libertação de Copenhague, na II Guerra Mundial em 1945. Também em “Families Like Ours”, para os dinamarqueses as coisas podem estar difíceis, mas nunca se perde a esperança. Embora Vinterberg e o seu co-argumentista Bo Hr Hansen coloquem os seus personagens em dolorosas provações e situações bastante complicadas, há também uma ternura perceptível que envolve tanto a pequena família que está no centro da história, quanto a pequena Dinamarca como um todo, sobre a qual “Families Like Ours”, pode também ser vista como uma carta de amor sincera e um tanto nacionalista, no melhor dos sentidos: um certo orgulho de ser dinamarquês. A destruição de um país inteiro pelas alterações climáticas é uma perspectiva enorme e urgente, mas que pode vir a acontecer. Mas os momentos mais comoventes aqui nada têm a ver com as personagens em si. Na verdade são as cenas panorâmicas de uma Copenhaga vazia, com estradas silenciosas e janelas escuras, as suas pontes completamente inundadas e as suas praças imersas em água, quase até ao alto das torres das igrejas. Nestes tempos igualmente difíceis e incertos da atualidade, talvez uma nova temporada de “Families Like Ours”, possa mesmo vir a ser necessária um dia destes. Por mim, venha daí!
JVM
Families Like Ours, a crítica
Name: Families Like Ours
Description: “Family like Ours”, é uma série de sete episódios, que explora os temas dos vínculos familiares e da resiliência diante de uma dramática crise ambiental. Situada num futuro próximo na Dinamarca, a história passa-se num cenário devastado pelas mudanças climáticas, onde inundações massivas e a subida das águas do mar, tornaram o país inabitável, por isso a população é evacuada e o obrigada a imigrar para outros países.
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José Vieira Mendes - 80
Conclusão:
A série “Families Like Ours”, criada pelo premiado realizador dinamarquês Thomas Vinterberg (“A Caça” e “Druk – Mais Uma Rodada”), é uma obra que desafia as convenções das narrativas familiares tradicionais ao inserir elementos distópicos e apocalípticos, trazendo para o ecrã uma história que, embora fictícia, toca em questões universais de perda, pertença e resiliência. É neste contexto que acompanhamos jovem Laura, uma adolescente a finalizar o ensino secundário que vai viver o seu primeiro amor e ter de enfrentar o dilema de escolher entre as pessoas que mais ama. Com um elenco que inclui nomes como Amaryllis August, Nikolaj Lie Kaas e Paprika Steen, entre outros, esta série de sete episódios promete ser uma das mais marcantes do ano, misturando as complexas relações humanas com uma crítica ao impacto das alterações climáticas. “Families Like Ours” é uma série que desafia os seus espectadores a refletir sobre questões ambientais e sociais, num drama que Vinterberg constrói como sempre com a sua marca pessoal de profundidade emocional e autenticidade.
Pros
A capacidade de Thomas Vinterberg de transformar um cenário de desespero, numa profunda meditação sobre a importância dos laços humanos. A série também não se limita a explorar a crise climática e os seus impactos práticos, vai mais além, focando-se nas emoções e nos dilemas morais que surgem quando a sobrevivência dos personagens está em jogo.
Cons
A pouca química que existe entre o jovem casal: Amaryllis August e Albert Rudbeck Lindhard. Claramente o realizador quer reivindicar um certo optimismo a este casal de namorados ao sugerir que, mesmo durante um apocalipse, o amor prevalecerá. Na verdade, são tão artificiais no final, que depois da tragédia ambos sugerem que a relação possa durar mais do que uma semana.