Druk, em análise | Melhor Filme Internacional
“Druk”, com Mads Mikkelsen no papel principal, é um drama naturalista sobre um grupo de amigos de meia-idade e uma experiência louca. Este filme de Thomas Vinterberg está a representar a Dinamarca nos Óscares. A obra já foi posta na lista de finalistas da categoria para Melhor Filme Internacional e é muito provável que acabe entre os cinco nomeados.
Mads Mikkelsen há muito provou ser um dos melhores atores europeus da atualidade. Sua filmografia é rica com variedade, incluindo cinema independente dinamarquês, filmes de super-heróis, blockbusters de ação, Marvel, James Bond, e até Hannibal Lecter. Ele tanto sabe modular seu trabalho para as exigências do entretenimento comercial como para as demandas do cinema de autor. Não obstante essas maravilhas, Mikkelsen conseguiu superar-se no annus horribilis de 2020.
Quando o vemos rodopiar em dança febril pelos últimos minutos do filme, sabemos que “Druk”, o segundo trabalho conjunto do ator e o cineasta Thomas Vinterberg, lhe deu espaço para chegar a novos píncaros, afirmando-se como o tipo de talento que só surge uma vez por geração. Antes de prosseguirmos com este festim de elogios para Mikkelsen, talvez devêssemos explicar de que é que o filme trata. “Druk”, também conhecido como “Another Round” em territórios anglófonos, conta uma história que parece tirada de um conto de algum russo do século XIX.
Suas considerações filosóficas sabem a vodka e quase pressentimos a influência de Tchekhov, Tolstói, Dostoiévski, apesar de se tratar de um argumento original. A sua qualidade cristaliza-se no celuloide, na estrutura e sensibilidade, beleza e artifício também. A premissa foca-se na crise de meia-idade de quatro professores de escola secundária. Certa noite, enquanto afogam as mágoas e partilham suas histórias infelizes, o quarteto de amigos tem uma ideia. Por que não experimentar um estado de perpétua embriaguez?
Segundo algumas teorias, o constante consumo de álcool pode desenjaular o potencial verdadeiro de cada um. Certa percentagem de inseguranças esvanece, a dúvida evapora e novas confianças emergem. Pelo menos, essa é a esperança destes homens entristecidos. A realidade da coisa é mais complicada, se bem que, ao início, tudo parece ir correr bem. Nos primeiros dias, os quatro amigos saboreiam novas gradações de euforia e suas vidas parecem realmente melhorar.
Contudo, como que replicando a experiência da bebedeira, o júbilo rapidamente começa a amargar e outras facetas da intoxicação se vão revelando. A alegria derrete em ondas de suor que escorre pelos corpos masculinos, sorrisos são presos por arames e o odor do vómito persegue cada um dos pedagogos. O humor que outrora brilhava no canto do olho de cada ator começa a perder luminosidade, fica baço e toldado pela sombra do desespero. Se, no princípio, o álcool revelou o lado mais despreocupado das personagens, a continuidade do ébrio põe a descoberto os seus lados mais violentos e erráticos.
O álcool é o cinzel que vai esculpindo os demónios interiores dos homens. O bloco marmóreo da boa educação e da sensatez vai sendo escoriado até que só o centro tóxico permanece, uma estátua revoltosa com cara de demónio irado. Não tarda muito até que as vidas de cada professor comecem a desmoronar, qual casa cujas fundações apodreceram e deram de si. É tortuoso ver o seu sofrimento, mas cada membro do elenco sabe como modular a história deprimente, concebendo retratos fascinantes de humanidade em espiral autodestrutiva.
Antigo promulgador do Dogma 95, um estilo de cinema híper-naturalista, Thomas Vinterberg há muito que abriu os seus filmes à possibilidade da poesia, da falsidade, da mentira que diz verdade. Sua habilidade para dirigir atores está aqui em plena evidência, mas há muito que amar no seu controlo de ritmo e narrativa visual. Há uma certa superficialidade no início da fita que serve para desarmar o espetador, ganhando-lhe confiança antes de desferir o golpe mortal. Por isso mesmo, a tragédia de “Druk” afeta e cobra seu preço de sangue e lágrimas com impiedade.
Com isso dito, chegado o final, há um potencial raio de esperança a brilhar no horizonte. Ao sabor da música endoidecida, a conclusão de “Druk” deixa o espetador com um beijo de pura ambiguidade. Será que a figura de Mads Mikkelsen se retorce como um homem que aceitou seu fado fatídico? Ou será ele um enlutado que celebra a vida que ainda lhe corre nas veias? O génio do ator e seu realizador é a inexistência de uma resposta fechada. Dançando como que no gume de uma faca, Mikkelsen explode num espetáculo de humanidade em pleno, balançando-se entre um final feliz e um derradeiro golpe de miséria.
Druk, em análise
Movie title: Druk
Date published: 6 de March de 2021
Director(s): Thomas Vinterberg
Actor(s): Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Magnus Millang, Lars Ranthe, Maria Bonnevie, Helene Reingaard Neumann, Susse Wold, Albert Rudbeck Lindhardt, Martin Greis-Rosenthal
Genre: Comédia, Drama, 2020, 117 min
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Cláudio Alves - 80
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Maggie Silva - 86
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Virgílio Jesus - 90
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José Vieira Mendes - 80
CONCLUSÃO:
O grande concorrente para o Óscar de Melhor Filme Internacional é “Druk”, da Dinamarca, e é fácil perceber porquê. Com prestações fabulosas e uma narrativa empolgante, este é um filme embriagado com as possibilidades de um elenco de luxo e a capacidade humana para sofrer e mentir a si próprio. É quiçá o melhor filme na carreira do realizador Thomas Vinterberg.
O MELHOR: O estrondoso final, onde Mads Mikkelsen chega ao rubro e nos mostra o máximo potencial do seu talento.
O PIOR: A narrativa não tem falta de clichés e lugares comuns. Para quem deseja total originalidade, “Druk” está condenado a ser uma desilusão.
CA