Fernando Vasquez aquando da nossa entrevista na Cinemateca Portuguesa em 2018

14ª edição do FEST | Entrevista Fernando Vasquez

A equipa da MHD foi até à Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema conversar com Fernando Vasquez o produtor executivo e programador do FEST – Festival Novos Realizadores, Novo Cinema. 

A partir de hoje e até o próximo dia 25 de junho, a pequena cidade de Espinho, no distrito de Aveiro, será totalmente transformada na cidade de um só evento: o FEST. São poucas as cidades que se movem apenas com um festival de cinema em Portugal, o que torna o caso da cidade de Espinho bastante particular. No estrangeiro, e como bem sabemos, é isso que acontece em Espanha com o Festival de San Sebastian, em França com o Festival de Cannes, ou na Itália com o Festival de Veneza. São cidades distintas das grandes metrópoles e capitais, e que permitem aos seus habitantes e, por intermédio, aos seus visitantes, viver a cidade a partir da sétima arte. Esta paixão pelo cinema, e de um cinema inerente à cidade, foi um dos tópicos abordados na nossa entrevista a Fernando Vasquez, produtor executivo e programador do FEST.

Na nossa conversa realizada na Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, o produtor executivo e programador reconheceu que apesar de ainda não ter a dimensão, ou sequer a projecção necessária para ser igualado a outros festivais, o FEST promete trazer uma vez mais o melhor da sétima arte para o norte do país. Aí o público nacional e internacional viverá certamente algumas das melhores experiências cinematográficas deste ano. Além de terem oportunidade de conhecer cineastas emergentes, os espectadores conhecerão tantas figuras emblemáticas da indústria cinematográfica, que em Espinho partilharão os seus conhecimentos e as suas realidades profissionais.

Muito prontamente, Fernando Vasquez desvendou-nos todos os segredos de um festival que quer continuar a crescer e a surpreender. Com a confiança que nos foi transmitida, convém dizer que também nós acabámos por fazer as nossas previsões. Quem sabe se dentro de alguns anos o FEST não será um festival com uma projecção inimaginável não só em Portugal, como lá fora!

MHD: Como decorreram os processos de submissão e, por sua vez, de selecção dos filmes?

FV: A nível dos processos correu tudo às mil maravilhas! Aliás, desde que se criaram as plataformas de submissão o processo foi facilitado em todos os festivais. Este ano recebemos perto de 4 mil submissões, entre longas e curtas-metragens. Desses filmes, e dos que fomos encontrando em outros festivais, ou que até nos foram sendo recomendados ou propostos por distribuidoras, seleccionámos cerca de 240. A grande maioria são curtas-metragens.

MHD: E como é a programação desta 14ª edição do FEST

A programação está dividida por vários sectores. Em primeiro lugar, temos uma competição para as primeiras e as segundas longas-metragens de ficção e de documentário, que é a competição do Lince de Ouro. Neste grupo temos oito produções de ficção e o restante são documentários. A ficção acaba sempre por dominar o universo do FEST. Digo que a programação este ano foi um quanto complicada porque tratou-se de um ano excelente na óptica do cinema. Haviam muitas produções que poderiam ter sido seleccionadas, mas acabámos por focar a nossa visão em filmes que de uma maneira ou de outra refletissem o tema central que são as fronteiras. Fronteiras não só numa perspectiva física, mas também num nível psicológico. Posso afirmar com toda a confiança que este ano é o melhor programa que nós já fizemos, ou pelo menos o programa mais equilibrado. Temos uma enorme variedade de estilos e o júri não terá tarefa fácil! (risos)

Entre os vários filmes em exibição destaco I AM NOT A WITCH, uma comédia negra vencedora do BAFTA, que permite às audiências conhecerem a realidade da Zâmbia algo desconhecida. Outro caso é o de “PHOTON”, um filme híbrido que mistura ficção e documentário, e que é um projecto extremamente ambicioso na forma como fala sobre o futuro do planeta. Temos ainda uma competição de curtas-metragens, entre elas “A GENTLE NIGHT”, vencedora da Palma de Ouro do ano passado e “HARBOUR”, uma das películas premiadas em Locarno.

Depois temos uma secção académica que é o NEXT, em que este ano incluímos cerca de 50 escolas a nível mundial. Talvez o facto mais curioso desta lógica é que temos pela primeira vez obras brasileiras a competir. Aqui vale a pena perceber qual é o foco das diferentes academias de diferentes países, sendo também importante para os próprios alunos competir logo no primeiro ano.

MHD: É importante que os jovens cineastas tenham uma visão além. 

FV: Sim, e a partir daí não tenham medo de se exporem.

Ainda temos a FESTinha dedicada a cinema infantil e juvenil; o “Lost in the Metaverse”, uma nova secção dedicada a conteúdos de realidade virtual; ou o BEACH CINEMA, que está na sua segunda edição e apela a uma ligação do FEST com o mundo.

De não esquecer a secção “Be Kind Rewind” que é dedicada ao tema de cada ano. Este ano vamos fazer uma retrospectiva de cinema norte-coreano (Pausa). A maior parte das pessoas não sabe, mas o regime norte-coreano tem uma forte ligação ao cinema. O ex-ditador Kim Jong-il considerava-se uma autoridade no cinema. O próprio realizou filmes que quase ninguém viu fora da Coreia do Norte. Chegou ao ponto de raptar produtores e atrizes sul-coreanos para produzirem filmes para si!

Os filmes são de propaganda dura e pura, mas por ser um cinema produzido numa área de máximo isolamento e com obras pensadas para cumprir uma função que não a do mérito artístico, acabam por ter um certo charme. Não sei se reparaste, mas nos outros festivais, continua a haver um interesse em conhecer este cinema. Sendo a audiência do FEST muito direccionada para a produção, este é um tipo de cinema que se deve dar a conhecer, nem que seja para evitar.

Ainda no programa damos destaque a outros países. Este ano escolhemos ainda a Áustria, o Japão e a Suécia que têm uma grande tradição de cinema, e por vezes têm dificuldade em lançar novos talentos. Decidimos por isso apresentar algumas curtas-metragens realizadas por jovens desses países. 

FEST

MHD: Quais os filmes e autores portugueses presentes no festival? 

Temos uma grande obra portuguesa na área do documentário chamada “Lupo”, do Pedro Lino. Achámos relevante mostrar este filme por ser de um realizador que passou pelo FEST e que fala sobre outro realizador, o Rino Lupo, que foi uma figura incontornável da história do cinema português. Temos ainda, como habitual, o Grande Prémio Nacional, entregue à melhor curta-metragem nacional do ano. Concorrem “FUGIU. DEITOU-SE. CAÍ – (PORTUGAL)” que estive em competição no IndieLisboa, “O FIDALGA”, do Flávio Ferreira; “N”, da Carolina Coelho, entre outros. Saliento ainda a sessão especial com a re-exibição do filme “Dot.com”, de Luís Galvão Teles que é um dos nossos convidados especiais. 

MHD: O que poderá o público esperar das edições deste ano do Training Ground, uma faceta educacional do FEST que aposta na formação de futuros cineastas? E do Pitching Forum, centrado em questões de financiamento de novo projetos?

A nível do Training Ground conta-se com um programa bastante completo, não só pelo peso dos formadores e dos convidados, mas pelo facto do Training Ground ter atravessado um positivo processo de crescimento. Há cada vez mais oportunidade dos participantes não só de assistirem às sessões específicas, mas de conhecerem os formadores cara-a-cara, seja numa perspectiva mais formal, ou numa perspectiva mais informal, como por exemplo com os networking dinners. Ao falar do Training Ground não posso deixar de falar de alguns dos formadores presentes. Saliento Asghar Farhadi, Gabriella Cristiani, Stephan Elliott, Christopher Hampton, Larry Smith e David Seidler.

Quanto ao Pitching Forum, é uma parte do evento que temos investido muito. Curiosamente, e por acaso, o nosso filme de encerramento, “Club Europa” é de Franziska M. Hoenisch, uma realizadora alemã que foi primeiramente participante do Pitching Forum e que agora traz este seu filme. É importante perceber o crescimento das pessoas que passam pelo FEST. Ao apreciar esses resultados acabamos por entender o que funciona bem e aquilo que não funciona. 

MHD: Como é que se iniciou o FEST? E a sua participação no mesmo?

FV: O FEST enquanto festival de cinema começou em 2004, fundado pelo Filipe Pereira, que é o actual director (vê a entrevista a Filipe Pereira aqui). Na altura, o Filipe e eu estávamos a estudar cinema na Inglaterra e ele já me falava da possibilidade de fazer um festival justamente neste princípio. Contudo, só entrei no FEST em 2010. Primeiro fui voluntário em 2009 com as sessões do Training Ground, mas a começar a sério só mesmo no ano seguinte. Quando eu comecei, o FEST era um festival pequeno, mas com um grande objectivo de criar uma audiência, de atrair uma audiência específica, nomeadamente os estudantes de cinema. Por isso percorremos várias universidades do nosso país para divulgar o nosso trabalho.

MHD: E é assim que o FEST conquista o público português…

Quando o evento foi criado o nosso intuito era atrair os portugueses, mas foram os estrangeiros que responderam primeiro. Não me perguntes porquê, nós até fazemos mais promoção em Portugal. Para mais, o evento é barato, porque está pensado nas carteiras portugueses. Todavia algo que ainda não mudou foi a participação do FEST ser composta por 80% de estrangeiros. Queremos mais público nacional, e que os portugueses se exponham. Só isso, de facto irá criar a estrutura necessária para o cinema português explodir.

MHD: Que pontos altos recorda neste seu contributo como produtor do FEST?

Diria que existiram dois grandes momentos. A edição de 2012 foi uma edição mítica, não só porque tínhamos um grande programa de cinema, e outro de Training Ground, mas sobretudo porque deu para perceber o que poderíamos oferecer. Haviam oportunidades únicas a nascer em muito com a ajuda das redes sociais. É nesse sentido que continuamos a trabalhar. Outro grande momento foi convencer o Béla Tarr a estar presente no FEST. Béla Tarr veio numa altura em que terminou de fazer cinema, e em que fechou a sua própria escola. A sua presença deu um carimbo de qualidade ao FEST.

MHD: Como é que se organiza um festival de cinema tão eclético e dinâmico como o FEST?

Organiza-se com muita paciência e energia. Obviamente como a maioria dos festivais gasta-se muito tempo, e a maioria das pessoas fá-lo voluntariamente. 

MHD: Com o amor à camisola…

FV: Exactamente. Sem os seus voluntários o FEST não se concretizaria. Toda a gente que vem ao FEST tem uma grande responsabilidade. Ora o FEST faz-se também com muita ajuda dos parceiros, sobretudo os parceiros locais como o caso do Casino Solverde, e da Câmara Municipal de Espinho. No início procurámos viajar por várias partes do mundo, e conhecer vários festivais para saber o quê poderia ser replicado cá. Estamos constantemente a observar aquilo que fazemos bem. Quanto àquilo que corre menos bem, procuramos corrigi-lo. É um processo contínuo e a nossa sorte é que muitos dos nomes do cinema internacional estão a vir morar para Portugal (risos). Estão aqui para conhecer igualmente vários cineastas do país que agora os acolheu.

no cinema é tudo uma questão de percepção. No FEST não queremos jogar essa disputa entre o cinema comercial e o cinema de autor. Quando entramos por esse caminho não se ganha nada. Só perdes porque estás a limitar o festival a um número.

MHD: O FEST é um festival que atrai nomes da indústria cinematográfica. Por Espinho já passaram nomes como Melissa Leo, Ed Lachman, Ian Smith. O público do FEST acaba por ser aquele que está mais atraído pelo cinema comercial ou o FEST procura ser igualmente um chamariz para o público mais vocacionado para o cinema de autor? 

FV: É muito interessante a pergunta. Mas no cinema é tudo uma questão de percepção. No FEST não queremos jogar essa disputa entre o cinema comercial e o cinema de autor. Quando entramos por esse caminho não se ganha nada. Só perdes porque estás a limitar o festival a um número. Não queremos nada disso. A nossa interpretação de cinema é abrangente. Já tivemos de tudo, e no mesmo ano em que veio o Béla Tarr, que é tudo menos um cineasta comercial, tivemos a Melissa Leo, por exemplo.

O nosso interesse no caso do Training Ground é que os participantes saiam de lá com uma formação concreta. E muitas vezes as pessoas que fazem cinema comercial são aquelas que estão focadas na boa execução do projecto. Estar a insistir nas questões teóricas não nos interessa muito, porque isso já se faz academicamente. É muito mais interessante aprender, como aconteceu numa das edições passadas do FEST, como se coloca um microfone numa atriz nua, do que por exemplo a disputa do Godard entre a película e o digital. Os elementos teóricos são importantes, mas terá que haver um equilíbrio. Cinema é cinema! É importante os participantes tirarem as suas próprias ilações. Nós apenas disponibilizámos a plataforma para que o façam.

MHD: Com a maioria dos festivais de cinema do nosso país a decorrerem entre Lisboa e Porto, como contempla a descentralização do FEST das grandes cidades? 

FV: Gostávamos de trazer o FEST aqui para Lisboa, mas o preço iria aumentar bastante, não só ao nível dos bilhetes, como também ao nível do alojamento para os participantes. Além disso, seria difícil replicar a nossa estrutura numa cidade onde existem mil e uma coisas a acontecer ao mesmo tempo. Seria muito mais difícil criar uma comunidade como aquela que existe em Espinho. É lá que temos um espaço bastante acolhedor, onde todos estão juntos, frequentam os mesmo restaurantes, e até demoram cinco minutos a pé de um sítio para o outro. Queremos que o FEST funcione de acordo com a sua própria velocidade e capacidade. Neste momento estamos muito bem. 

MHD: Sendo a mescla de géneros e formatos cinematográficos tão demarcantes na programação do FEST – há espaço para documentários, ficção, cinema experimental e cinema infanto-juvenil -, qual é a reacção do público? 

FV: Varia bastante. Um exemplo particular é o do cinema experimental, um cinema não-narrativo. Durante anos foi uma secção que atraiu muito pouca atenção. Mas aos poucos e poucos reparámos que se tornou numa das secções mais concorridas do FEST. Tendo em conta que há toda uma variedade de filmes, se calhar a maioria das pessoas pensa que aquela seria a sessão menos apelativa, mas não é o caso. O objectivo é sempre crescer e ter mais portugueses a participar e de se tornar no grande centro do cinema português. 

MHD: Quais são os objectivos futuros da equipa do FEST?

Que a cidade de Espinho mude radicalmente durante a semana do festival, e que abrace ainda mais o evento. Queremos um festival por exemplo como o de San Sebastian em que a cidade pára literalmente durante o festival. Quando lá estive, cheguei a ir a um talho que dizia na porta “Fechados porque estamos a assistir ao filme x, na sala tal”. Também quando entrei num táxi, o taxista viu a minha acreditação e perguntou “Viste x filme ontem à noite?”. Isto não acontece em muitos sítios, mas é algo que eu gostava que fossemos construindo com os habitantes de Espinho. Mas claro é um trabalho que demorará várias décadas. 

MHD: Boa sorte! e já agora o nosso muito obrigado. 

Um agradecimento especial ao Gabinete de Relações Públicas da Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema pelo acolhimento no espaço. 

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