Fernando Vasquez aquando da nossa entrevista na Cinemateca Portuguesa em 2018

FEST 2020 | Entrevista ao programador Fernando Vasquez

Depois de uma conversa em 2018, a MHD volta a entrevistar Fernando Vasquez, o programador do FEST – Festival Novos Realizadores, Novo Cinema. 

Fernando Vasquez, produtor executivo e programador do FEST – Novos Realizadores, Novo Cinema voltou a falar com a Magazine.HD depois da entrevista de 2018 que decorreu na Cinemateca Portuguesa.

Apesar do FEST – Novos Realizadores, Novo Cinema continuar em plena adolescência, seguindo na sua 16ª edição, não deixa de apresentar sempre algo de novo ao panorama de festivais de cinema do país. Este ano, as novidades passam essencialmente pela instalação de um cinema Drive-In, em muito resultado da crise instalada no setor, pela pandemia do Coronavírus. De facto, Fernando Vasquez assume as tarefas na organização do FEST desde 2010, mas considera que só agora o festival passou por um processo de readaptação intenso.

FEST Drive-in
“A Morte de Estaline” será um dos destaques do Drive-in |©FEST

O FEST – New Directors | New Films Festival estará em Espinho até ao próximo dia 9 de agosto. Além de Espinho, o FEST irá passar pelo Porto, mais precisamente pelas salas do Cinema Trindade e da Casa Comum da Reitoria da Universidade do Porto. Por Lisboa, os seus filmes chegarão ao Cinema Ideal a partir do próximo dia 6 de agosto.

Conhece agora o que Fernando Vasquez revelou à Magazine.HD e descobre aos melhores filmes no FEST 2020.

MHD: O FEST 2020 é o primeiro festival de grande peso e renome no panorama cinematográfico português a abrir portas ao público após o confinamento. Como foi o processo de adaptação às novas medidas de segurança?

Fernando Vasquez: Dentro da situação complicada que todos vivemos neste momento, a adaptação foi relativamente simples. Foi necessário desenvolver um plano de segurança muito minucioso, e tivemos obviamente que repensar, até certo ponto, a natureza do evento, adiando algumas iniciativas como o Training Ground e o Director’s Hub. Para além disso, as regras estão bem definidas pelas autoridades, e o importante é segui-las todas com rigor e sem facilitismos.

MHD: Pela primeira vez, o FEST em Espinho instalou um Cinema Drive-In, com sessões bi-diárias. Curioso o facto deste ser um tipo de cinema, de origem norte-americana, estar muito mais direcionado aos grandes blockbusters e filmes com efeitos sonoros astronómicos. Portanto, a pergunta é: de que forma poderão tornar-se os cinemas Drive-In, um espaço de reflexão dos filmes independentes, por vezes, marginalizados pelo público que não está habituado a festivais de cinema?

Fernando Vasquez: Acredito que a falta de tradição em Portugal do formato Drive-In pode potencializar esse processo, no sentido em que se trata de uma novidade sem qualquer alicerce. Os portugueses não têm este hábito, como tal, para a maioria das pessoas, ele ainda não é associado a nenhum tipo específico de filme. Isto é, o caminho está aberto para diferentes experiências. Nós próprios, nesta primeira edição do nosso Drive In, que chegou para ficar, desenvolvemos uma programação que acreditamos que seja apelativa para diferentes audiências. Teremos sempre sessões de comédia, longe do formato habitual de Hollywood, e à meia-noite a aposta é sempre no cinema de género, também ele com um grande foco em obras longe do formato típico de Hollywood.

MHD: Que filmes destacaria da edição do FEST – Novos Realizadores | Novo Cinema deste ano, e quais aqueles que os espectadores deverão prestar mais atenção?

Fernando Vasquez: Obviamente que acreditamos que todos os filmes são merecedores do seu destaque. Dito isto, é impossível não começar os destaques por “Jumbo” de Zoe Wittcock. É uma das obras mais procuradas do momento, ou pelo menos desde a estreia de sucesso em Sundance, e um autêntico triunfo do cinema Europeu para 2020. Tratasse de uma história de amor entre uma rapariga e um carrossel. Pode parecer estranho, não duvido, mas é um filme imensamente corajoso e ambicioso, que mistura elementos de Cinema Fantástico e Realismo Social, e sempre de uma forma brilhante. É uma obra que ainda vai dar muito que falar.

FEST 2020 cartaz
“Jumbo” de Zoé Wittock |©FEST

Papicha” da Mounia Meddour é uma das obras mais galardoadas dos últimos 12 meses. E o caso não é para menos. É um filme que aborda a temática dos direitos das mulheres no mundo islâmico, com uma protagonista extremamente cativante e de língua afiada. “Pacificado” de Paxton Winters é outra das obras de grande destaque, já que foi o grande vencedor do último festival de San Sebastian. Esta primeiro obra do cineasta norte-americano, residente no Brasil, segue a linha de outros thrillers de favela, mas atreve-se a ir mais longe, utilizando os habitantes do Morro dos Prazeres no Rio, como actores, um facto que reveste o filme de uma genuinidade impressionante. Por ultimo, destaco “Babyteeth” de Shanon Murphy, um dos grandes vencedores de Veneza no ano passado, uma comedia negra que ousa “brincar” com a doença terminal de uma adolescente, e com a forma como a sua família lida com o final inevitável.

MHD: Quais as temáticas mais fortes em discussão no FEST deste ano? Temos, por exemplo, filmes sobre os papéis femininos e a maternidade e a saúde mental que precisam ainda de ser desconstruídos na sociedade, não é assim?

Fernando Vasquez: Sem dúvida. Só na nossa competição de longas, dos 10 filmes seleccionados, 7 são de mulheres realizadoras. Por isso, não é de estranhar que a maternidade jogue um papel fundamental. Nesse sentido, o melhor e mais óbvio exemplo é o filme “Maternal” da Argentina Maura Delpero, um dos grandes sucesso do último festival de Locarno, e um filme que nos oferece diferentes versões do que é ser mãe.

A nível temático, os direitos das mulheres são também uma temática recorrente, muito evidentes na nossa competição de curtas. Como trabalhamos essencialmente com novos cineastas, temos sempre o privilégio de saber quais são os tópicos que mais interessam as novas gerações, e em geral, ficamos facilmente a perceber quais os temas dominantes dos próximos anos. Um que se evidencia com facilidade é o direitos dos animais, que reaparece de várias formas no nosso programa.

FEST 2020
“Wildland” é um dos filmes em destaque no FEST 2020 © FEST

MHD: Como habitual, o FEST passa por Espinho, mas este ano ocupará também as salas do Cinema Trindade e a Casa Comum da da Reitoria da Universidade do Porto e as salas do Cinema Ideal em Lisboa. Apesar de se ter consolidado numa cidade periférica como Espinho, ainda é importante levar o FEST ao público das grandes cidades portuguesas?

Fernando Vasquez: Sim, claro. Esta expansão sempre fez parte dos nossos planos. A nossa organização tem como grande objectivo a promoção destes novos cineastas, por isso é sempre vital procurar formas de fazer com que os filmes cheguem o mais longe possível. A chegada a Lisboa e ao Porto são por isso passos naturais nesta fase. Dito isto, Espinho permanece, e permanecerá, o grande foco do nosso trabalho. Eventos desta natureza funcionam melhor em localidades mais pequenas. Quase todos os grandes festivais do mundo operam em pequenas cidades. Dessa forma, é mais simples criar uma comunidade temporária, sem outras distracções, e com uma estrutura logística mais compacta. Esta expansão não significa de todo uma mudança a esse nível, simplesmente um alargar da nossa influência e impacto.

MHD: Além de Espinho, Porto e Lisboa estão pensadas novas cidades para as edições futuras do FEST?

Fernando Vasquez: Sim. Na realidade o FEST organiza sessões em diferentes pontos do país e Europa ao longo do ano. Durante a semana do FEST é sempre um pouco mais complicado, mas temos noção de que a itinerância é uma mais-valia nos dias que correm, e uma expansão ainda mais abrangente poderá a vir a ser uma solução, caso as limitações de hoje continuem amanhã. Estamos em contacto com várias instituições espalhadas pelo país para tornar isso uma realidade nos próximos anos.

MHD: Que palavras de esperança gostaria de deixar aos espectadores do FEST, e aos próprios artistas do mundo cultural, tendo em conta o período incerto e difícil que se vive na sociedade atual?

Fernando Vasquez: Mais do que uma palavra de esperança gostaria de relembrar que os momentos de crise sempre foram bons para o Cinema. É nestes momentos que se torna imperativo que os verdadeiros autores apareçam, que todos aqueles que têm algo de significativo a dizer sobre o mundo se destaquem da multidão. As crises dão sempre origem a grandes filmes.

Acredito também que, apesar das dificuldades, esta situação já está a criar as condições para uma maior vontade de experiências colectivas por parte das audiências, e a experiência do cinema, em sala, pode vir a tornar-se como a mais procurada.

Fest 2020
Slogan promocional da 16ª edição do FEST – Novos Realizadores, Novo Cinema © FEST

O cenário é negro, muito complicado, até porque muitos criadores e trabalhadores do sector estão a enfrentar serias dificuldades. Mas este sempre foi um sector, pelo menos em Portugal, que viveu no limiar do desespero. É possível que esta fase complicada se transforme numa plataforma de lançamento de uma nova forma de se fazer e viver cultura em Portugal.

Este é o momento para debatermos ideias e perspectivas e reestruturar todo o sector. Isto é, apesar de tudo o que está a acontecer, é preciso acreditar e trabalhar para que se eliminem velhos hábitos de uma vez por todas. Está na hora de pensarmos na cultura como um todo absolutamente vital para a nossa identidade, pensar em novas sinergias, e não pensar e trabalhar da forma fragmentada e conflituosa que habitualmente caracteriza o meio no nosso país.

MHD: Muito obrigado pelo seu tempo!

Continua atento aos conteúdos especiais da MHD sobre a 16ª edição do FEST – Novos Realizadores, Novo Cinema. Deixa o teu comentário abaixo sobre esta entrevista a Fernando Vasquez. 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *