©José Vieira Mendes

Festivais de cinema portugueses em risco

Que se passa com os festivais de cinema portugueses: adiados, cancelados ou preparados já para edições on-line? A MHD falou com três dos seus responsáveis, para saber o seu futuro nos próximos tempos e como se vão organizar, tendo em conta as incertezas, limitações e medidas provocadas pela pandemia.

O medo do surto do Covid-19 continua a fazer estragos em todo o mundo e os festivais de cinema nacionais, certamente não são estranhos a estas repercussões. Depois que, o alarme foi acionado em outros setores da cultura, agora é a vez dos dos festivais de cinema estarem igualmente em risco; e de se sabermos se vão anunciar cancelamentos, adiamentos ou reorganizações, devido às medidas que irão ser adoptadas em breve pelo Governo, depois deste período de quarentena, além das incertezas económicas, apoios de patrocinadores, viagens dos convidados e sobretudo um risco de agravamento ou de um 2º surto da pandemia. Os festivais de cinema portugueses vão ser  forçados a mudar e a adaptar-se a esta nova realidade.

Festivais de Cinema
©IndieLisboa

Começamos pelo maior festival lisboeta, e em conversa com Miguel Valverde, o director do IndieLisboa. Valverde disse à MHD que efectivamente, não era possível realizar o festival, nas datas que estavam marcadas (30 de Abril a 10 de Maio), a começar porque ‘todas as salas de cinema de Lisboa e aquelas com quem o festival trabalha, estão para já fechadas e muitos convidados já tinham rejeitado a possibilidade de viajarem, para apresentarem os seus filmes’. Portanto o já anunciado adiamento para finais de agosto, inicio de setembro, aparece como uma forte possibilidade, se a situação de confinamento se alterar e o surto da pandemia estiver mais controlado, ‘sendo que a incerteza mantêm-se, pois alguns estudos prevêem essa melhoria e outros, falam num 2º surto de Covid-19’. Segundo Miguel Valverde a equipa do IndieLisboa está a trabalhar e com vontade de realizar o festival, mas tudo depende do evoluir da situação.

Festivais de Cinema
‘Xala’, de Ousmane Sembène, é um dos filmes da retrospectiva do cineasta senegalês. | ©IndieLisboa

No entanto, a hipótese das projecções on-line está completamente posta fora de questão, para se realizar o IndieLisboa 2020: ‘Até porque os distribuidores internacionais dos filmes não o permitiriam. A distribuição em sala é o negócio deles e há uma negociação. Há alguns festivais de curtas-metragens e documentários, para quem esta questão da negociação para a projecção online é mais facilitada, mas olhando para a experiência do Visions do Réel, — que se realiza em Nyon, Suiça, onde estão ‘Amor Fati’, de Cláudia Varejão, na competição internacional de longas metragens e ‘Would you Rather’, de Laura Marques, na de curtas e médias — ’verificamos que foram impostas muitas limitações. Muitos filmes saíram da programação e outros só estão disponíveis na plataforma por 2 horas, 48 horas ou por um semana’, conclui o director do festival lisboeta, a respeito dos direitos de distribuição internacional e da opção pelo on-line.

©Curtas Vila do Conde

Miguel Dias, do Curtas de Vila do Conde, diz que a sua equipa continua a ‘teletrabalhar’, na esperança de realizar o festival de 3 a 11 de outubro, as datas de adiamento entretanto anunciadas do festival, que se realiza habitualmente em julho. A Solar-Galeria de Arte Cinemática está fechada e Agência das Curtas-Metragens, está a funcionar a meio-gás. ‘Para já é muito cedo para falar em qualquer hipótese de cancelamento’, disse-nos Miguel Dias, ‘porque continuamos a trabalhar e estamos a mais de 6 meses das datas agora marcadas em Outubro e esperando que até lá, mesmo com algumas limitações, o Curtas possa realizar-se’. Quanto ao on-line o responsável do Curtas, se por um lado não o satisfaz pessoalmente, também não é um hipótese de todo a afastar, até pelo esforço financeiro e humano, e o trauma de um ano perdido: ‘É evidente que não é a mesma coisa ver um filme em sala ou vê-lo no computador’. Há realizadores e distribuidores internacionais que não aceitam o on-line, — ao nível das curtas-metragens não se coloca tanto esse problema, como nas longas —, ‘mas há também outros cineastas, que não se importam que os filmes sejam projectados em on-line’; e também haverá distribuidores, que acabarão por aceitar o on-line, dependendo obviamente da negociação e do prestígio do festival. ‘Mas só mesmo em último recurso é que avançaremos para o on-line’, diz a este propósito o director vilacondense. No Curtas, estão ainda outras hipóteses em cima da mesa: ‘pode-se pensar por exemplo fazer uma edição mista com projecções on-line e outras em sala’, tendo em conta as limitações impostas de distanciamento social, pelas autoridades de saúde. Quanto aos convidados e jurados internacionais, o Curtas 2020 poder-se-á fazer-se só com os portugueses.

©Motel X

Em espera em relação ao evoluir da situação e até junho, estão também os responsáveis do Motel X-Festival de Cinema de Terror de Lisboa, evento que mantêm para já as mesmas datas: 8-13 de Setembro. Datas que praticamente tocam com o do adiamento do IndieLisboa (finais de agosto, inicio de setembro). Dada a complexidade da situação ao nível da produção, o Motel X alargou inclusive o prazo de inscrições de filmes nacionais, para a sua competição para 2 de Agosto. Segundo Pedro Souto, um dos directores do Motel X, ‘há várias hipóteses de fazer o festival ou fazê-lo de uma maneira diferente, mas só lá para junho é que vamos avaliar a situação esperando naturalmente que as coisas melhorem. Quanto à quase sobreposição de datas de festivais, diz Souto que naturalmente haverá uma enorme concentração de eventos culturais e público muito disperso’, nessa altura. Quanto a uma edição em on-line ‘será muito difícil fazer porque é necessário um estrutura informática e uma plataforma considerável e demasiado dispendiosa’, diz o responsável, mantendo que essa opção, não está completamente posta de parte, até porque este é um momento de reflexão para todos nesta actividade, para essa questão do on-line e das salas, no futuro. ‘Evidente que para nós, diz Souto não é a mesma coisa, ver um filme em sala ou vê-lo num computador’, mas depois há o público e as suas opções. E será que se pode chamar a uma projecção de filmes on-line de festival?, questiona Pedro Souto, porque toda esta situação é nova e vai trazer alterações na nossa vida em geral.

Por isso não há que fechar a porta, a qualquer tipo de iniciativas interessantes on-line ou de utilização de outras tecnologias, ou mesmo de programações a decorrerem ao longo do ano, a pensar no futuro — como por exemplo a experiência do Netflix Party, ou outras tecnologias como os hologramas ou a realidade virtual. Neste sentido, um dos responsáveis pelo Motel X, diz que ‘este ano uma edição on-line é pouco provável, e continuamos com uma esperança enorme de realizar o Motel X 2020, nas datas marcadas’. Mas tudo irá depender das autoridades de saúde e também de parceiros como o Cinema São Jorge/Egeac, a quem ainda não foi colocada qualquer decisão ou opção. ‘Não vamos tomar decisões até Junho, embora até setembro seja um instante, conclui o programador de cinema de terror. Como espectadores, cinéfilos ou jornalistas especializados, de acordo com a situação dos festivais de cinema  internacionais, — que abordaremos amanhã — vamos ter de aguardar. Mas uma coisa é certa, os diversos festivais de cinema portugueses, se não forem cancelados, vão acabar por ter as suas edições muito, mas muito diferentes das habituais. 

José Vieira Mendes

One thought on “Festivais de cinema portugueses em risco

  • Vai ser uma overdose de festivais a se encavalitar no segundo semestre entre os que já estão marcados e os que vão equacionar novas datas. Mais valia, este ano, unificar alguns destes festivais, realizar em 4 ou 5 cidades ao mesmo tempo do que acontecerem todos ao mesmo tempo e não terem público ou relevância. Aliás, o que já decorre com tantos festivais que são cópias de cópias. Na minha opinião, o melhor festival de Cinema em Portugal é os Caminhos do Cinema Português, porque é verdadeiramente Português e não uma imitação pobre de festivais internacionais e suas academias, que nos ficam largos nos punhos.

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