Festival da Eurovisão – A noite em que Conchita Wurst conquistou a Europa e arredores 


O Festival da Eurovisão, qual Fénix renascida.

Dizer que as surpresas no Festival da Eurovisão já têm barbas seria uma expressão metafórica banal, que não surpreenderia ninguém. Porém, desta vez a surpresa tinha mesmo barbas. Literalmente. Chamava-se Conchita Wurst e veio da Áustria – quem diria? Pois é, da terra de Mozart, Mahler, Schoenberg e dos Strauss. O país que ganhou o Eurofestival em 1966 com “Merci Chérie” de Udo Jurgens e ofereceu ao mundo nos anos 1980 esse fenómeno pouco compreensível da pop chamado Falco.

 

Common Linnets
Common Linnets

Em 2014, Conchita Wurst, o alter ego travestido de Thomas Neuwirth, chegou viu e venceu com uma margem considerável, até porque foi a intérprete da canção,“Rise Like a Phenix”, que reuniu maior consenso dos júris nacionais, uma vez que foi aquela que um maior número de países (onze, incluindo Portugal) considerou merecer ganhar. De facto, a sua vitória superou todas as expectativas, apesar de ter havido uma série de tentativas  para banir a pobre Conchita do concurso. Foi o caso do ministro da informação – esta designação faz-me lembrar qualquer coisa! – da Bielorússia que pressionou a BTRC, a estação de televisão estatal do seu país que tinha a responsabilidade da emissão do Eurofestival na Bielorússia, para que suspendesse a emissão durante a performance da polémica mulher barbada. O referido ministro alegou mesmo que a presença de Conchita iria transformar o Eurofestival num “potencial foco de sodomia”. Claro que estes paladinos da “masculinidade impoluta” devem desconhecer que, por exemplo, na mitologia antiga o viril herói Hércules tinha uma certa predileção por vestir roupas de mulher.

Logo a seguir ao ministro bielorusso, surgiu na Rússia, onde os defensores da nova lei da propaganda também não devem achar assim muita graça a homens vestidos de mulher e ainda por cima com barba, uma petição pública para tentar impedir a representante austríaca de actuar. Como se não bastasse, a coisa não se ficou por aí. Também as redes sociais reagiram à participação da drag queen barbada e no Facebook,
por exemplo, foi criada uma página “anti-wurst” (à letra “anti-salsicha”, já que “wurst” significa “salsicha” em alemão). Porém, tudo isto falhou e Conchita Wurst conseguiu não só a passar à final como ganhar com uma margem seguríssima.

conchita
Conchita Wust

A nível musical a sua canção, “Rise Like a Phenix” não traz muito de novo, podendo no entanto tornar-se num símbolo da resistência das minorias, um hino para os que não aceitam a exclusão. Na linha de canções de outras divas (de Judy Garland a Céline Dion, passando por Barbra Streisand e Shirley Bassey) “Rise Like a Phenix” vai ser certamente ser um êxito comercial e a sua vitória um acontecimento capaz de restituir ao Eurofestival alguma da importância cultural e política de tempos idos. De facto, parece-me que o que ganhou não foi tanto a canção per si, mas a atitude de irreverência e principalmente de resistência de Conchita. Diria mesmo que, mais do que a vitória de uma diva barbada, o que aconteceu foi a derrota das vozes mais conservadoras e preconceituosas, que continuam a negar o direito à diferença e o respeito, em pé de igualdade, pelas minorias – pois era disso que se tratava afinal. A quinze dias das eleições europeias, a vitória de Conchita Wurst, artista proveniente de um dos países mais conservadores da actual União Europeia, tem um profundo significado não só cultural mas político.

Foi a derrota da homofobia e da intolerância, a derrota da extrema-direita segregacionista, e ainda a condenação da Rússia pela sua lei de propaganda anti-gay e actual prepotência. A confirmar esta opinião parece estar a declaração do vice-1º ministro russo que, segundo o Jornal de Domingo da RTP-1, terá dito que a vitória de Conchita significava “o fim de uma Europa que ficou completamente louca”, aproveitando assim a deixa para acicatar também o nacionalismo russo anti-europeu.  Interrogada numa conferência  de imprensa sobre o presidente russo, Putin, Conchita mostrou não ser só uma mulher com barbas mas com tintins e respondeu: “We are unstoppable!”

Carl Espen
Carl Espen

Quanto ao resto, algumas notas. Pessoalmente, confesso que a canção austríaca não era uma das minhas preferidas, mas valeu pelo seu simbolismo. Entre as minhas preferidas eu colocaria antes a canção da Noruega (“Silent Storm”, interpretada por Carl Espen), a da Suiça (“Hunter of Stars” por Sebalter) e a da Grécia (“Rise Up” pelo rappers Freaky Fortune e Risky Kidd), não negando a qualidade de outras participações como a da Hungria (“Running” por András Kállay-Saunders), que foi a 5º classificada, ou a da Holanda (“Calm After The Storm” pelos Common Linnets), que terminou num honroso 2º lugar.

Freaky Fortune e Risky Kidd
Freaky Fortune e Risky Kidd

Uma última palavra ainda para a canção representante de Portugal, “Quero Ser Tua”, da autoria de Emanuel e interpretada por Suzy, que nem sequer foi apurada para a final. Realmente, só me vem à cabeça lamentar a já famosa “falta de empreendorismo” dos portugueses. E a da RTP. E também a dos nossos actuais governantes. Se, em vez de terem feito tudo para que uma canção de Emanuel fosse a representante portuguesa, deixando transparecer que acreditavam convictamente que o pimba – símbolo maior do subdesenvolvimento cultural português, resultante de 48 anos de ditadura – era algo exportável para países não subdesenvolvidos culturalmente, se tivessem lembrado de pôr umas barbas à Zé Povinho num qualquer travesti do “Finalmente” e o conduzido até ao Eurofestival, poderíamos ter ganho ou pelo menos chamado mais a atenção, até porque as barbas dos latinos são muito mais pujantes, como já alguém lembrou. Assim tivesse acontecido e, quiçá, neste momento teríamos alcançado não só o tão ambicionado 1º lugar no Eurofestival como o tão desejado equilíbrio entre exportações e importações. Teríamos os nossos problemas financeiros “finalmente” resolvidos ou resolvidos pelo Finalmente. Seria certamente um êxito irrevogável.

Sebalter
Sebalter

Enfim, mais um Eurofestival, desta vez realizado na Dinamarca, que ofereceu alguns  momentos bons e alguns momentos maus, mas que ficará certamente na história como a noite em que Conchita Wurst conquistou a Europa e arredores.

João Peste Guerreiro

 

 


Também do teu Interesse:


0 thoughts on “Festival da Eurovisão – A noite em que Conchita Wurst conquistou a Europa e arredores 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *