Pais, mestres e magos | Festival de Veneza 2025 (Dia 5)
No Lido a meio do Festival de Veneza 2025, ninguém escapa: Jarmusch obriga-nos a enfrentar o drama familiar e a sensação de incomunicabilidade, Di Stefano devolve-nos o verão que perdemos e Assayas mergulha-nos na máquina do poder russo. O Dia 5 foi um terapia intensiva, sem direito a anestesia.
O quinto dia do Festival de Veneza 2025 serviu-nos três pratos fortes, não de pasta, e todos com travo amargo. Um tríptico familiar de Jim Jarmusch (“Father Mother Sister Brother”), um verão de iniciação com Andrea Di Stefano (“Il Maestro”) e uma descida ao inferno político com Olivier Assayas (“Le Mage du Kremlin”). São três filmes sem ligação aparente, mas todos com o mesmo diagnóstico: ninguém escapa à família, ao tempo e ao poder e muito menos em Veneza, onde até os gelados sabem a tragédia.
Jim Jarmusch nunca foi realizador de grandes explosões, mas aqui no Festival de Veneza 2025 declara guerra ao mais silencioso dos inimigos: a família. “Father Mother Sister Brother” divide-se em três capítulos, cada um numa cidade (Nova Jérsia, Dublin, Paris), mas todos com a mesma ferida aberta, a dificuldade de falar com quem mais devíamos entender.
Jarmusch e a família como campo minado
Tom Waits, Charlotte Rampling, Cate Blanchett, Vicky Krieps, Adam Driver carregam personagens herméticas, filhos que regressam ou pais quase fantasmas, aliás como os gémeos (Luka Sabbat e Indya Moore) que tentam sobreviver a uma tragédia.
O humor é discreto, quase cruel, mas aquilo que fica é a melancolia: Jarmusch filma como quem observa através de uma janela embaciada, deixando que os pequenos gestos — um olhar, um silêncio, um cigarro apagado — se transformem em grandes catástrofes emocionais. É o seu filme mais íntimo em anos, e talvez o mais corrosivo.
Di Stefano e o verão que já não volta
Depois fora da competição do Festival de Veneza 2025 veio “Il Maestro”, e aqui entrámos no território do ‘filme de verão’ com sabor a limão e lágrimas. Andrea Di Stefano põe Pierfrancesco Favino a dar vida a um ex-tenista em queda livre que encontra redenção em Felice (Tiziano Menichelli) um miúdo de 13 anos, aspirante a jogador do circuito nacional de ténis, esmagado pelas expectativas do pai (Giovanni Ludeno).
É um road movie pelo litoral italiano, com courts de ténis poeirentos, hotéis baratos e vitórias perdidas pelo caminho. O filme acerta num ponto: crescer dói, mas também liberta. A relação mestre-aluno começa na disciplina e acaba na cumplicidade, lembrando-nos que há verões que se vivem uma vez e ficam tatuados para sempre nas nossas vidas. É previsível? Um pouco. Mas é também sincero e generoso e isso vale mais do que qualquer reviravolta na história.
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Assayas e o mal político encarnado
E se Jarmusch olhou para dentro e Di Stefano olhou para trás, Assayas decidiu olhar para o abismo do poder russo, dando grande atualidade a este Festival de Veneza 2025. “Le Mage du Kremlin” não é apenas um filme sobre Putin, é sobre o mecanismo do poder moderno: mentir, manipular, enfeitiçar. Jude Law encarna Putin sem caricatura, e Paul Dano faz do conselheiro Vadim Baranov um camaleão inquietante, daqueles que transformam a mentira em arte.
Alicia Vikander dá a nota humana, mas o que sobra é o cinismo absoluto e o poder como espetáculo de sombras. Assayas já tinha retratado terroristas e revolucionários, mas aqui atinge outro nível: um thriller político onde o verdadeiro vilão não é um homem, mas um sistema que devora tudo.
A terapia coletiva
Estamos a meio do Festival de Veneza 2025 e concretiza-se um triângulo perfeito: Jarmusch mostrou-nos que o silêncio da família pesa mais do que qualquer explosão, Di Stefano fez-nos reviver o verão que perdemos e Assayas lembrou-nos que o mal político não desaparece, apenas muda de rosto. Três filmes que, juntos, provam que Veneza continua a ser um lugar onde o cinema não dá tréguas.
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