Gatos

Gatos, em análise

“Gatos” é um delicioso e terno documentário protagonizado pelos amigos felinos que dão vida e parte da identidade da bela cidade de Istambul. É sobretudo mais um bilhete postal da cidade dos seus habitantes e sobretudo uma bela história e declaração de amor aos os eternos e afáveis felinos.

"Gatos"
Os gatos fazem parte da identidade de Istambul.

Depois de “Crossing the Bridge —The Sound of Istanbul”, de Fatih Akim (“Uma Mulher Não Chora”) a cidade turca volta a ser o cenário de um documentário em que pela primeira vez os gatos são os protagonistas. Curiosamente “Isle of Dogs”, de Wes Anderson, que vai abrir a Berlinale 2018, é protagonizado por cães, mas em outro contexto. No entanto, “Gatos” (Kedi) é um documentário único que filma a comunidade de gatos de Istambul, — embora estejam lá os humanos — como se estes fossem as personagens de uma história da vida real. Sete gatos correm as ruas, cafés, telhados e janelas convivendo com a população local, enquanto a câmera segue a vida de cada um dos bichos, quase como se estivéssemos sobre um skate que desliza rapidamente e suavemente sobre os lugares da cidade.

TRAILER | DESCOBRE ESTA CIDADE DE “GATOS”

A realizadora Ceyda Torun, nasceu em Istambul, sempre viveu rodeada da imensa população de gatos, que estão espalhados pela cidade e que são uma marca da sua tradição e identidade. Numa das mais surpreendentes estreias do início do ano — à margem das estreias e da febre da corrida aos Óscares — este documentário Gatos é sem dúvida uma pérola e uma boa excepção. Trata-se de extraordinário retrato de humanidade sobre a vida destes animais e sobre o impacto e afectos que transmitem às pessoas que com eles convivem diariamente, na cidade do Bósforo. Os gatos habitam Istambul há mais de mil anos — sobreviveram à queda de impérios como o Romano e Otomano, são os verdadeiros sultões do lugar — , e sem eles a cidade, sobretudo para quem conhece, perderia uma parte do que a torna única no contexto das grandes metrópoles históricas e turísticas do mundo. Os gatos fazem parte da sua essência e da alma de Istambul.

"Gatos"
A câmera segue o dia a dia dos gatos como se eles fossem pessoas.

No entanto, a particularidade do documentário “Gatos” está sobretudo na forma como Ceyda Torun  — que se estreia nas longas — aprofunda essa espontânea relação entre ‘gatos e homens’: uma das duas partes parece muito mais frágil que a outra, e neste caso até parecem ganhar os gatos. Torun faz aliás um retrato não só dos bichos, mas igualmente dos seres humanos, das suas carências, e de como eles muitas vezes encontraram suporte emocional e espiritual nestes animais de espirito livre que deambulam sem rumo, mas sempre com um objetivo claro — sobreviveram com dignidade — pelas imensas ruas de Istambul. Na cidade turca, consta que vivem cerca de 150.000 ‘gatos vadios’, que mantêm a sua autonomia apesar de serem cuidadosamente mantidos e até mimados pelos habitantes, vizinhos dos bairros e lojas de comércio. Essas ruas, edifícios e outros tantos cenários como, barcos, mercados, cafés ou casas particulares escondem comovedoras histórias pessoais capazes de nos fazer acreditar que ainda há esperança e bondade num mundo cada vez mais agitado e violento: as senhoras que pese embora os seus escassos recursos, partilham o pouco que têm com os seus companheiros felinos; o ex-toxicodependente que encontrou na companhia dos gatos, a sua salvação e redenção; ou o pescador que passou por momentos de infortúnio e que supersticiosamente afirma que a sorte começou a sorrir-lhe graças ao aparecimento inesperado de uma dessas criaturas e que inclusive funcionou como que uma aproximação a Deus; este são alguns dos motivos que tornam o documentário “Gatos” num autêntico manifesto a favor da vida e da tolerância, e sobretudo um retrato exemplar destes animais que parecem ter uma certa aura mística e nobreza. 

"Gatos"
O documentário é igualmente um retrato da cidade, da arquitectura e ambientes.

“Gatos” apoia-se em dois pilares fundamentais para articular a sua excelente narrativa: por um lado conta com os testemunhos dessas figuras descritas — sempre muito positivos em relação aos felinos —, por outro lado intercala com uma notável e fluída montagem, apresentando-nos aos vários gatos, no seu dia a dia de vida; cada um com a sua personalidade, características e manias. Em quase uma hora e meia vamos conhecer e apaixonarmo-nos por Sari, a vigarista, uma gata que cuida das suas quatro crias recolhendo comida pela cidade; Psikopat, uma gata mal-humorada e dengosa que aterroriza os outros gatos do bairro, mas que não sabe dizer que não a umas festas e mimos dos seus vizinhos; Alan Parçasi, que ajuda os donos de um restaurante à beira-mar, a caçar ratos, grato pelos cuidados e a comida que lhe dão; o Duman, que é um verdadeiro gourmet de gostos requintados, bem educado que gosta de presunto fumado. São estes e outros bichos, que todos eles apesar de vadios, tem nome e personalidade própria, que vamos descobrir em “Gatos”, um filme surpreendente e que nos mantém presos ao ecrã do principio ao fim. Os gatos deste filme são os verdadeiros mestres de cerimónia e as verdadeiras estrelas que brilham graças à fabulosa banda sonora com temas dois tema de Kira Fontana e sobretudo à realização da jovem Ceyda Torun: a seleção de planos que seguem os bichos junto ao solo — utilizou uma câmera colocada sobre um carro telecomandado —, as objetivas escondidas, a fotografia aérea do esquadro da cidade, e sobretudo a impressionante utilização da pitoresca arquitectura e ambiente urbano de Istambul, que a torna igualmente a cidade numa personagem sempre presente no documentário.

Já tiveste a oportunidade de ver este filme?

Gatos, em análise
  • José Vieira Mendes - 90
90

CONCLUSÃO

“Gatos” é uma espécie de jóia cinematográfica — como se fosse o ‘corno de ouro’, que envolve a geografia da cidade — e um filme feito com o coração — apesar das dificuldades e ao que parece um orçamento reduzido — uma enorme declaração de amor a estes animais, mas também aos seres humanos e a Istambul.

O MELHOR: Os gatos no seu papel de habitantes plenos da identidade, mas também o naturalismo das pessoas e dos ambientes da cidade de Istambul;

O PIOR: Os testemunhos das pessoas denotam um sociedade problemática e fechada onde os gatos são um exemplo de liberdade e funcionam como amigos e auto-ajuda.

JVM

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