Hamlet(a) sobe ao palco do Teatro da Comuna

Hamlet(a) conquista o palco do Teatro da Comuna

Um elenco composto exclusivamente por actrizes interpreta Hamlet(a), uma das mais aclamadas obras de Shakespeare, no Teatro da Comuna.

De William Shakespeare nenhum manuscrito de A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca ou apenas Hamlet, como usualmente é abreviado, é conhecido. Adaptada e encenada nos palcos de todo o mundo, é hoje uma das mais importantes obras do dramaturgo. Não se sabe qual a data precisa da génese deste clássico, mas pensa-se que terá sido escrita entre 1599 e 1602. A peça começou a ser representada no século XVII e foram três as versões de Hamlet que sobreviveram até aos dias de hoje. Cada uma delas possui versos ou mesmo cenas que não se encontram presentes nas outras. Em Portugal, a tradução da versão mais extensa por Sophia de Mello Breyner Andresen foi estreada no Festival de Almada em 2015 pelo Teatro da Cornucópia. É este o texto que sobe ao palco do Teatro da Comuna em Hamlet(a).

“Há algo de podre no Reino da Dinamarca”

O enredo tem lugar na Dinamarca e conta a história do Príncipe da Dinamarca, Hamlet. Ainda conturbada com a tragédia que abala o reino, a rainha Gertrudes acaba por casar com Cláudio, o irmão do rei Hamlet. É ele quem agora toma posse do trono. É numa das noites em que o fantasma do rei Hamlet faz a sua aparição no castelo de Elsinore que revela a Hamlet que terá sido envenenado por Cláudio para ocupar o seu lugar. Tomado pela ira e pronto a descobrir toda a verdade, Hamlet passa a agir como louco. Entre a loucura fingida e a loucura real, o plano de vingança faz Hamlet ser até capaz de sacrificar o amor que sente por Ofélia.

“Se William Shakespeare levou Hamlet à cena, na sua versão original, representado só por homens, porque não fazê-lo só com mulheres?”

Shakespeare levou Hamlet à cena na sua versão original apenas representado por homens. Nessa altura não era permitido às mulheres entrarem em palco. Muito foram as mulheres que reivindicaram o direito de interpretar esta obra de Shakespeare. Em 1899, Sarah Bernhardt subiu aos palcos de Paris e Londres interpretando Hamlet. Muitas outras mulheres lhe seguiram os passos, tendo sido mais recentemente Maxine Peake a receber os maiores elogios da crítica pelo seu desempenho de Hamlet no Royal Exchange de Manchester em 2014.

Com a proposta de encenação para transgredir e ir o mais longe possível, é de Hugo Franco que surge o ímpeto de fazer crescer um espectáculo interpretado exclusivamente por actrizes. Do elenco fazem parte Maria Ana Filipe (Hamlet), Margarida Cardeal (Cláudio), Diana Costa e Silva (Polónio), Mónica Garnel (Horácio), Tânia Alves (Laertes), Lia Carvalho (Gertrudes) e Custódia Gallego (Ofélia).

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O cenário despido de elementos figurativos, a cargo de Hugo Franco e Renato Godinho, é marcado pela penumbra que apenas é contrariada pela luminosidade resultante do jogo de luzes. O conjunto de sombras e transparências expande o cenário e conduz a atenção do espectador pelos diferentes componentes do palco. Este ambiente permite desfrutar na íntegra da magistral e irrepreensível interpretação de cada uma das sete actrizes.

Os surpreendentes figurinos, a cargo de Rui Alexandre, conduzem o espectador para um contexto contemporâneo contrastando assim com o texto que o transporta para a época. Não vimos as actrizes vestidas com os esperados figurinos clássicos, mas sim com vestidos, calças e casacos coloridos com corte feminino e da actualidade.

Este é um espectáculo que desafia a imaginação do espectador. A Custódia Gallego, o encenador Hugo Franco atribui o papel da inocente e jovem Ofélia e a Diana Costa e Silva o papel de Polónio que surge com menos de metade da idade da filha. A célebre frase “Ser ou não ser, eis a questão” não é ouvida pelo espectador. Depois de reflectir, Hamlet (Maria Ana Filipe) escreve, numa das paredes escurecidas do cenário, “Ser ou não ser” com giz branco. Frase essa que, mais tarde, será transformada por Cláudio (Margarida Cardeal) em “Ter ou não ter”, não transmitisse ele a simbologia do poder e ambição.

“Este texto representado por mulheres tem, sem dúvida, uma pulsão diferente. E é essa diferença que me interessa. Mas que diferença é essa?”

Na nota do encenador sobre a peça podemos ler o que levou Hugo Franco a arriscar:

O meu intuito sempre foi o de contar esta história que está para além do género. Este texto representado por mulheres tem, sem dúvida, uma pulsão diferente. E é essa diferença que me interessa. Mas que diferença é essa? O amor de Hamlet pelo Pai é diferente quando representado por uma mulher? A amizade de Horácio por Hamlet é diferente quando é representado por uma mulher? Mais do que um género, estas questões são essenciais à humanidade. Nesta tragédia temos amor, assassinato, traição, ódio, vingança – sentimentos transversais da natureza humana, sentimentos que não têm género… SER OU NÃO SER? O Verbo SER não é feminino nem masculino. É irregular.

Hamlet é uma obra que retrata a natureza humana na sua essência. Apresentada quase sempre por homens, serão os sentimentos de ódio, raiva, paixão e loucura diferentes quando interpretados por mulheres? A resposta fica com cada espectador. Será capaz o teatro de fazer magia e levar o público a alienar-se de que estamos perante uma mulher a interpretar um papel de homem? Ou será que o espectador sente que os sentimentos são transversais ao género, tendo só uma diferente forma de serem encarados?

HAMLET(A)|ELENCO DE ACTRIZES SOBE AO PALCO DO TEATRO DA COMUNA

Em cena até dia 10 de Março no Teatro da Comuna, de quarta a sábado às 21h e domingo às 16h. Os bilhetes custam 10 € ou 5 €, caso se assista ao espectáculo numa quarta ou quinta-feira, e podem ser reservados em 21 722 17 70 ou através de teatrocomuna@sapo.pt.

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