Hot Milk, pleno de sensualidade e erotismo, é um dos grandes destaques do Berlinale
A aclamada dramaturga e argumentista britânica Rebecca Lenkiewicz, apresentou aqui na Competição da Berlinale 75 e fez a sua estreia na realização com “Hot Milk”, uma adaptação do romance de Deborah Levy, de 2016. Uma mãe e a sua filha fazem uma viagem iniciática a Almería, num filme hipnótico sobre o desejo e o auto-conhecimento.
“Hot Milk”, de Rebecca Lenkiewicz, duas mulheres inglesas, mãe e filha, chegam à costa de Almería em pleno verão. Estão numa casa de praia alugada e parecem estar de férias, mas não estão. Rose (a grande Fiona Shaw) hipotecou o seu apartamento, para estar ali. A filha, Sofia, (Emma Mackey de “Sex Education”) tem vinte e poucos anos, é licenciada em Antropologia e ganha a vida a trabalhar num café em Londres, pois tem de tomar cuidar da mãe, Rose, que padece de uma doença de diagnóstico difuso que lhe produz dores persistentes, impedem-na de andar e está numa cadeira de rodas.
O motivo da viagem é precisamente procurar uma cura na clínica do doutor Gómez, (Vincent Perez), um enigmático terapeuta, que aplica tratamentos heterodoxos, que tanto poderá ter a chave para essa misteriosa paralisia de Rose, como ser conversa de um charlatão. Sofia, até então presa pela condição da mãe e nos poucos momentos livres, que deixam aliás a mãe possuída, começa a libertar-se das suas inibições ao ser atraída pelos encantos magnéticos de Ingrid (Vicky Krieps), uma alemã que está instalada na zona, uma estranha viajante de espírito livre, além de acabar por ter um caso com o banheiro e socorrista da praia.
“Hot Milk” é uma história hipnótica e sensual
É sob o sol inclemente da costa andaluza que se desenvolve “Hot Milk”, uma história hipnótica sobre uma jovem em auto-descoberta (é surpreendente a interpretação silenciosa e observadora de Emma Mackey), em plena iniciação sexual, mas carregada de ambiguidade, desejos regidos pela confusão e pela procura de espaços de liberdade, face a uma mãe doente e controladora. O cenário é curiosamente uma zona desértica onde outrora se rodavam os lendários westerns spaghetti, onde o único verde de vegetação é o dos campos de golfe e o do Mar Mediterrâneo, que está infestado de alforrecas, que quando lhe toca provoca dores e alergia.
Monstros e o mito da Medusa
Com estes elementos — que aliás estão também bastante presentes no magnífico romance de Deborah Levy, que se lê quase como um filme, apesar de narrado pela vacilante protagonista — Rebecca Lenkiewicz constrói este “Hot Milk”, como um filme envolvente, sensual e perturbador, na qual assombra equívocas pulsões sexuais, sombras do passado — o pai grego ausente, que a dada altura Sofia decide visitar em Atenas — e a inquietante presença indirecta de monstros e mitos intemporais: as medusas ou a Medusa, encarnada na personagem de Krieps. Além claro de uma mãe perturbada, dependente e dominadora.
Porém, o sentido da vida de Sofia com a mãe (ou contra a mãe) constrói-se através de uma acumulação de pormenores, de uma constelação de símbolos e de explosões narrativas como a quebra do jarrão grego, que antevê uma histérica discussão. Mas, tal como uma medusa, o filme consegue ter vários olhares penetrantes, sobretudo para uma dor interna terrível, que está presente nas duas mulheres e que culmina num final verdadeiramente surpreendente.
Ainda não há informação sobre a sua estreia em Portugal mas é bem possível que chege ao nosso país em breve.