IndieLisboa The Image You Missed

15º IndieLisboa | The Image You Missed, em análise

The Image You Missed” de Donal Foreman é um comovente retrato de um pai ausente assinado por um filho que com ele partilha uma só paixão – o cinema. Este é também um de três documentários atualmente na competição internacional do IndieLisboa.

Arthur MacCaig, que morreu em 2008, foi um cineasta nascido em Nova Jérsia que, ao longo de vários anos em que trabalhou como realizador e diretor de fotografia, acabou por documentar alguns dos anos de maior instabilidade sociopolítica na história da Irlanda do século XX. Em França os seus feitos cinematográficos foram particularmente valorizados, mesmo que a maior parte dos seus projetos pessoais, como uma narrativa romântica em tempos de guerra, nunca tenham sido efetivamente finalizados ou mostrados ao público. Tais feitos podem não representar algo que a maioria da população consideraria um grande legado artístico ou mesmo uma carreira cinematográfica de relativo sucesso, mas, se há algo que “The Image You Missed” nos mostra, é que MacCaig tinha orgulho naquilo que havia alcançado.

Pelo menos, o espectador espera que seja esse o caso, pois, na sua vida, MacCaig parece ter feito uma clara troca entre família e carreira. Afinal, é isso que o seu filho, o realizador Donal Foreman parece aceitar resignadamente como uma verdade absoluta. Que outra razão teria seu pai para ser uma figura quase totalmente ausente na vida do filho? Mesmo desenterrando os tesouros perdidos nos arquivos pessoais de MacCaig, Foreman quase não consegue encontrar marcas da sua existência. Por entre montanhas de fotos e filmagens de manifestações políticas e agressões policiais, não existe um único fotograma do realizador deste documentário e somente uma foto de sua mãe.

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“(…)um fascinante diálogo fílmico(…)”

É certo que Foreman raramente contextualiza o espectador em relação às dinâmicas internas da sua família, pelo que poderá haver uma série de inúmeras outras razões para a distância de MacCaig. Contudo, sendo também ele um cineasta, se bem que completamente diferente de seu pai tanto em estética, técnica ou filosofia, é entendível que Foreman tente entender o seu patriarca cronicamente ausente através da sétima arte. De facto, é através do arquivo pessoal do realizador falecido que o cineasta mais novo constrói este exercício em exumação de demónios pessoais e tentativa de criar o retrato de um espectro. Por isso mesmo, é fácil entender a falta de temas familiares, se bem que a sua inclusão poderia ter elevado “The Image You Missed” ou, no mínimo, poderia ter ajudado a complicar as suas conclusões.

Ao longo do filme, Foreman foca-se principalmente nas filmagens irlandesas do seu pai, mesclando-as com imagens que ele mesmo filmou para este projeto em Belfast e alguns filmes caseiros, achados arqueológicos de uma infância em que a câmara já representava algo maravilhoso. O que isto produz é um fascinante diálogo fílmico cuja complexidade transcende quaisquer ponderações verbalizadas por Foreman. Só o modo como a capital da Irlanda do Norte é filmada, ora no registo caótico e a vibrar de vida de MacCaig ora nas composições precisas e elegantes do seu filho, diz-nos muito sobre estes dois homens.

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Como que fundindo os exercícios de Sarah Polley em “Stories We Tell” e Kirsten Johnson em “Cameraperson”, Foreman parece estar a construir um retrato de seu pai baseando-se principalmente em documentos que, mais do que reportagens da história irlandesa, são cristalizações puras do olhar desse homem que já nada mais pode dizer ao filho. Nesse sentido, “The Image You Missed” é também uma espécie de autorretrato, iluminando partes da vida e personalidade do seu realizador que talvez nem ele completamente entenda. É um filme feito a meias, entre gerações e entre um vivo e um morto. Ironicamente, é um filme feito entre duas pessoas que, não obstante as suas relações de sangue, raramente se encontraram ao longo das suas vidas.

Apesar de raramente deixar que notas emocionais se manifestem na narração, as frustrações e ressentimentos presentes e passados de Foreman certamente marcam presença, tanto na sua estruturação do documentário, assim como na sua omnipresente narrativa. Afinal, este não é só um retrato póstumo feito para o benefício do espectador, mas sim uma tentativa de um filho conhecer o pai através dos seus filmes. No final, uma das frustrações de Foreman nem é relativo ao tratamento do seu pai para com a família, mas sim direcionado para o facto que MacCaig raramente se filmava a si mesmo. Há nestes esforços arquivistas e arqueológicos um genuíno desejo de ver esse homem, esse espectro que, para nós espectadores, não é mais que essa etérea presença invisível que é o realizador, mas que, para Foreman, é muito mais que isso.

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“(…)brutal sintetização do elo pouco afetivo entre pai e filho(…)”

Emoldurada por todo este drama entre pai e filho está ainda uma fascinante coleção de imagens da Irlanda durante os conflitos dos anos 70 e 80. Segundo pai e filho, política é algo quase intrinsecamente pessoal, mas ambos tentaram injetá-la no seu trabalho de modo diferente. MacCaig dizia ser objetivo na sua captura de imagens, mas Foreman nunca fez tal promessa. Perto do fim do filme, ele chega mesmo a criticar alguns dos trabalhos do seu pai, acusando-o de esconder certas partes da história, simplificando eventos de modo a pintar de modo mais agradável as pessoas e causas que ele apoiava.

É pena que os dois nunca possam ter discutido isso ou suas diferentes maneiras de olhar o cinema. Certamente MacCaig não parecia disposto a dialogar, como é confirmado pela reminiscência de uma das poucas conversas entre adultos que pai e filho tiveram. Aí, Foreman perguntou ao homem mais velho se, na sua vida, ele tinha algum arrependimento. Depois de uma série de repostas secas e curtas, MacCaig não mudou o seu modus operandi e apenas disse “não”. Resta, portanto, ao filho usar “The Image You Missed” como terapia cinematográfica, como substituto para essas conversas nunca tidas, conversas com seu pai realizador.

Nas suas últimas imagens, “The Image You Missed” afirma bem a sua natureza conversacional. Usando filmagens de arquivo e as suas novas documentações em Belfast, Foreman contrastou o modo como ele e seu pai viam a mesma ponte. MacCaig filmou a paisagem vista da ponte, do interior de um comboio em movimento, deixando-se também filmar a olhar pela janela da locomotiva, a desviar o olhar da objetiva, da audiência e do seu filho. Foreman, por outro lado, filma a ponte pondo a câmara na paisagem que o seu pai em tempos mirou, montando lá o seu rígido tripé. Neste contra plano, nesta reação fílmica e brutal sintetização do elo pouco afetivo entre pai e filho, temos uma conversa. Pode não ser o diálogo que Foreman gostaria de ter tido com o seu pai, mas é um diálogo apesar de tudo.

 

The Image You Missed, em análise
IndieLisboa The Image You Missed critica

Movie title: The Image You Missed

Date published: 30 de April de 2018

Director(s): Donal Foreman

Genre: Documentário, 2018, 74 min

  • Cláudio Alves - 75
75

CONCLUSÃO

Arthur MacCaig dedicou a vida ao cinema e desculpou a sua ausência da vida do filho com essa mesma arte. Anos depois da sua morte, Donal Foreman, seu filho, propõe-se a retratar e reconstruir a memória do patriarca que nunca foi uma presença estável na sua vida, usando essa mesma arte como veículo para a sua exploração. O resultado, é um documentário íntimo, onde política e família andam de mãos dadas.

O MELHOR: O diálogo entre os planos da ponte.

O PIOR: A miopia do filme em relação aos pormenores da dinâmica familiar entre MacCaig e o resto da sua família.

CA

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