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IndieLisboa ’22 | Um Filme em Forma de Assim, em análise

Inspirando-se na obra de Alexandre O’Neill, João Botelho volta a agraciar o grande ecrã com uma experiência algures entre a poesia e o sonho. “Um Filme em Forma de Assim” teve a sua antestreia no 19º IndieLisboa, onde integrou o programa de Sessões Especiais.

Nascido de origens irlandesas no seio da burguesia lisboeta, Alexandre O’Neill foi um dos mais importantes nomes da literatura portuguesa do século XX. Da poesia ao cinema, passando pela palavra cantada, teatro, prosa e publicidade, seu legado é tão vasto como a imaginação. Tudo aprendeu enquanto autodidata, mas isso não o impediu de alcançar grandes píncaros. Com isso dito, nunca se tornou verdadeiramente em escritor profissional apesar de ganhar a vida por essa arte. Também ganhou inimigos, sendo ele um alvo predileto da PIDE e da censura.

O trabalho na veia surrealista é especialmente importante, marcando-o como um dos fundadores do movimento em Portugal. Essa mesma faceta que torna o autor num claro antecedente de João Botelho, um dos grandes realizadores do cinema nacional e também ele um adepto da abstração surreal. Já anteriormente os dois artistas se haviam cruzado na grande tela, com o cineasta pronto a fazer homenagem ao seu antecessor n’“Um Adeus Português” de 1986. “Um Filme em Forma de Assim” representa assim um reencontro.

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Abre-se a cena numa Lisboa imaginada, um sonho da cidade ao invés de uma reprodução fiel da mesma. O engenho pelo qual a conhecemos é quase Brechtiana, com a câmara de João Ribeiro filmando o céu que não é céu. Acontece que estamos dentro de espaço fechado, um hangar feito estúdio gigantesco, onde a equipa de Botelho construiu uma Alcântara de épocas passadas. A imagem voa e desce, revelando as estruturas por detrás da fachada, o artifício que nos traz um filme em forma de texto lírico.

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Cada sequência é construída através de um plano ininterrupto que flutua pelo espaço em coreografia ponderada. Encontram-nos num ponto médio do cinema e do teatro, onde a encenação remete para o palco, mas a visão é definida pelos limites da objetiva. Nessas danças entre câmara e ator, os intérpretes declamam a poesia de O’Neill em conversas estilhaçadas e murais épicos de verso surreal. O seguimento narrativo não existe, somente o prazer da palavra, a pintura desta Lisboa de estúdio e a alusão à biografia de O’Neill.

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Quem procurar história ou ar fresco, acabará muito desapontado, está certo. Nesse sentido, “Um Filme em Forma de Assim” remete para toda a obra passada deste realizador, famoso pelos seus quadros barrocos, seu cinema teatral, sua falsidade descarada. É um trabalho que arrisca a claustrofobia e o aborrecimento, não fossem as imagens de Ribeiro tão belas ou o texto de O’Neill tão extasiante. Também se aplaudem os atores e músicos, não fosse este mais um quase-musical que Botelho orquestrou com música de Daniel Bernardes.

Ao invés de um qualquer puzzle intelectual que demanda deciframento, o filme é quase epicúrio no modo como nos convida a saborear o festim audiovisual. Chegado o fim do último quadro, o título da fita emerge com subtítulo: “Um divertimento em tempo de pandemia.” Assim se revela certa intenção lúdica, certa vertente de reconforto para uma era cheia de dor. Note-se como a única passagem em que o texto se cala ocorre na dança de jovens com máscaras na cara. É esperança e prece, uma festa do cinema feito quando a peste corre lá fora, longe do plateau confinado.

Um Filme em Forma de Assim, em análise
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Movie title: Um Filme em Forma de Assim

Date published: 29 de April de 2022

Director(s): João Botelho

Actor(s): Pedro Lacerda, Inês Castel-Branco, Cláudio da Silva, Crista Alfaiate, Ana Quintas, Luís Lima Barreto, Carmen Santos, Rita Blanco, Marina Albuquerque, Hugo Mestre Amaro

Genre: Drama, 2022, 101 min

  • Cláudio Alves - 70
70

CONCLUSÃO:

Nas ruas simuladas em estúdio fechado, João Botelho compõe uma carta de amor e admiração ao poeta Alexandre O’Neill. Talvez a sua mais babada homenagem ao vanguardista do surreal lisboeta, “Um Filme em Forma de Assim” é mais uma montra para os talentos da equipa regular do realizador. A fotografia multicolorida de João Ribeiro é especialmente bela, mas isso não é novidade para quem quer que já tenha visto uma fita deste cineasta.

O MELHOR: A cenografia Brechtiana, a fotografia híper-artificial, a música que faz a poesia de Alexandre O’Neill em jazz lírico.

O PIOR: Há certa amorfia no exercício, uma falta de força motriz até às passagens finais ditarem um propósito para a fita. Louvamos o jogo estético e estilístico de Botelho, mas temos que admitir quanto “Um Filme em Forma de Assim” nos fez pensar em trabalhos muito semelhantes e muito melhores na filmografia do autor.

CA

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