Ingmar Bergman

Os melhores filmes de Ingmar Bergman

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Aquando da celebração do centenário de Ingmar Bergman, exploramos a sua filmografia em busca dos 10 melhores filmes deste mestre cineasta sueco.

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Se ainda fosse vivo, Ingmar Bergman teria feito 100 anos neste dia, 14 de julho de 2018. Infelizmente, esse cineasta que tanto se debateu com as questões da mortalidade humana ao longo da sua carreira já não está entre nós, mas o seu trabalho perdura. E que trabalho! Bergman tem das filmografias mais ricas na história do cinema, uma coleção de obras tão concetualmente densas como formalmente magistrais.

Quer seja no uso da cor ou da luz, do fotograma ou da cara dos atores, Bergman foi um dos melhores cineastas que já viveram e observar os seus filmes é entender a razão pela qual o cinema existe. Como o menino na morgue de “Persona”, estendemos a nossa mão na direção das imagens de Bergman e tentamos perscrutar algo, tocar grandeza, ver os mistérios do universo, conhecer outro ser humano, o impossível.

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Ingrid Thulin e Gunnar Björnstrand em LUZ DE INVERNO (1962)

Com tal riqueza de trabalho e dezenas de filmes ao longo de quase 70 anos de carreira, Bergman é um cineasta sobre o qual é difícil elaborar um top 10, mas vamos tentar. Como critério, tivemos somente a obrigatoriedade da passagem das obras em questão pelos cinemas. Assim, mesmo as minisséries que foram exibidas e editadas para o cinema são elegíveis.

Elegíveis, mas fora da lista, são os três grandes filmes que, nos anos 60, Bergman assinou sobre o silêncio de Deus. A Trilogia da Fé conclui que Deus ora nunca existiu ou está morto ou então é uma grande aranha de face rochosa com as suas patas a plantar caos entre a humanidade. Qual destas conclusões é menos assustadora nem Bergman parece saber, nem mesmo as suas personagens torturadas ao longo de “Em Busca da Verdade”, “Luz de Inverno” e “O Silêncio”. A grande razão pela qual não estão aqui presentes é o modo como se complementam uns aos outros e acabam por funcionar melhor como uma trilogia ideológica e filosófica do que como filmes individuais.

Para descobrires os 10 filmes escolhidos, segue estas setas para veres as várias páginas do artigo e explora o legado de um dos maiores génios do cinema.




 10. A FLAUTA MÁGICA (1975)

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A magia do artifício teatral e o poder da música clássica.

Apesar de hoje em dia, Ingmar Bergman ser mais conhecido pelo seu espetacular legado cinematográfico, durante a sua vida ele foi uma tão ou mais importante figura cultural no panorama do teatro sueco. De facto, quase todos os seus atores trabalharam primeiro com ele em palco, muitos deles durante o período em que Bergman foi diretor do Teatro Nacional de Estocolmo. Além disso, até a nível estrutural e estético, muito do cinema do realizador deve algo ao seu trabalho no teatro, sua paixão e mestria dessa outra arte performativa. Com isso dito, talvez nenhum dos seus filmes, com possível exceção de “Depois do Ensaio”, sejam tão claras homenagens à maravilha do evento teatral como “A Flauta Mágica”.

O filme, cujo início ilustra a música de Mozart com as faces de uma audiência prestes a ver a ópera titular, é talvez uma das mais belas homenagens a quem dá razão de existência às artes performativas – o espectador. Depois, o que segue, é uma encenação modesta, mas de uma beleza surreal, de “A Flauta Mágica”, levada a cabo no pequeno Teatro de Drottningholm com uma conceção cénica que quase funciona enquanto teatro arqueológico. A morfologia do cenário e a tecnologia usada, por exemplo, seguem modelos que poderiam ter sido empregues aquando da encenação original da ópera no século XVIII. Os atores não incluem nenhuns nomes então famosos na ópera mundial e até o intervalo é um momento com o qual Bergman chama a atenção para a pequenez e humor absurdista deste ecossistema teatral. Contudo, é na contenção do cineasta que se encontra a beleza do seu trabalho, uma homenagem à magia da música clássica e do palco, em que um chão de madeira e meia dúzia de telões se tornam num mundo de aventuras fantasiosas.

O sucesso desta versão de “A Flauta Mágica” viria a levar muitos outros cineastas a tentarem a sorte na adaptação de óperas ao grande ecrã. Nos anos 80, estes “filmes-ópera” tornaram-se particularmente populares, mas o seu estilo foi sempre um de ostentação. Foi como se o cinema fosse somente um veículo para epicizar o que já era grandioso em cena. Na sua contenção e leitura metafísica da relação entre espectador e história mística de Mozart, Bergman evitou tal hubris e concebeu uma versão fílmica insuperável desta ópera.




 09. SORRISOS DE UMA NOITE DE VERÃO (1955)

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Uma farsa sexual à moda de Ingmar Bergman.

Sorrisos de Uma Noite de Verão” foi o primeiro grande sucesso de Ingmar Bergman fora do panorama sueco. É curioso, por isso, considerar-se que, no panorama de uma filmografia cheia de cáusticos dramas domésticos, ponderações cósmicas e reflexões sobre a morte de Deus, esta é uma das raras comédias do autor. Aliás, “Sorrisos de Uma Noite de Verão” pode praticamente ser considerada uma comédia romântica, sendo a história de uma atriz, seu amante e todo um ecossistema de aristocratas e criados envolvidos em teias de amor, correspondido ou não, que se encontram na casa de campo dessa diva dos palcos.

A ação passa-se no virar do século XIX para a alvorado do XX, em palacetes ostentosos por onde a câmara de Bergman documenta todo o luxo com tanta atenção dada ao belo como ao ridículo. Por entre rocailles e rendas, as figuras humanas deambulam, gritam, riem, amam-se, traem-se e ponderam os caminhos e escolhas que os trouxeram até a este momento nas suas vidas. A noite é rica em reviravoltas e luxúria, mas é talvez a penumbra melancólica do amanhecer que mais fica na memória do espectador. Veja-se, por exemplo, a prestação de Eva Dahlbeck, grande musa da Bergman, no papel da atriz que tudo sacrificou em nome da carreira. Ela é uma estrela, um poço sem fim de carisma e sedução, um milagre cómico e, no entanto, uma figura que respira desapontamento nessa eterna procura humana pela felicidade.

Quando foram adaptadas aos palcos da Broadway, o enredo e as personagens deste filme resultaram num dos trabalhos mais inteligentes e dolorosamente melancólicos de Stephen Sondheim. Não que esta seja uma obra de miserabilismo, pois, afinal é uma comédia. Se nos esquecermos disso, basta recordar, Harriet Andersson em epítetos de desejo, a rebolar no feno e a uivar ao sol nascente. É nesse contraste, nessa mestria tonal, que Bergman delineou o mais delicioso dos seus estudos de relacionamentos, tão doce como amargo, mas sempre num equilíbrio perfeito que nos faz pensar sem nos fazer cair na depressão, uma sobremesa de risos e mágoas internas coberto pelo esplendor oitocentista e um elenco decidido a dar ao espectador um espetáculo de farsa burguesa ao qual é impossível resistir.




 08. A FORÇA DO SEXO FRACO (1964)

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Paródia, cinema e loucura, a cores!

Por muito bom que um cineasta possa ser, por muito admirado que seja ou respeitado o seu legado, normalmente há sempre alguma obra generalizadamente aceite como um passo em falso. Pessoas mais caridosas poderão chamar a esses filmes um trabalho menor, mas o que realmente querem dizer é que até os grandes fazem maus filmes. No caso de Ingmar Bergman, cuja filmografia inclui dezenas de títulos ao longo de sete décadas, a mais castigada ovelha negra tende a ser “A Força do Sexo Fraco”. Trata-se da mais cómica das suas obras, do seu primeiro filme a cor e do seu trabalho mais claramente leve e atípico. O que é uma infelicidade, é que tais condições não são indicativas de falta de qualidade, ao contrário do que a cinefilia mundial parece automaticamente assumir.

Neste filme, Bergman decidiu seguir o exemplo de Fellini, um cineasta que muito admirava, e constrói todo um tratado acerca da sua identidade enquanto artista, as musas que são sua inspiração e seu tormento e as mágoas do processo criativo. Em suma, “A Força do Sexo Fraco” é o “8 ½” de Ingmar Bergman, se “8 ½” fosse também uma venenosa crítica aos críticos. Nesse aspeto Bergman não é muito original, pois muitos são os cineastas que vocalmente detestam os críticos de cinema, mas a sua abordagem é extremamente especifica. Ao invés de punir as vozes que não compreendem o seu trabalho, Bergman ri-se e parodia os magotes de cinéfilos prontos a declarar tudo o que ele produzia como a mais importante das obras artísticas. Aqui o mestre goza com a sua própria fama de mestre.

Além de tudo isso, “A Força do Sexo Fraco” é uma das obras mais formalmente ambiciosas e arriscadas no cânone Bergman. Encarando de braços abertos um impulso quase pós-moderno, Bergman assina aqui um exercício em mecanismos cinematográficos em dinâmica de autorreflexão e desconstrução, chegando mesmo a usar passagens de filme mudo e brincar com as antípodas do anti naturalismo cinemático. Interessantemente, este filme é também o primeiro de Bergman a cores, o resultado de muita insistência de um estúdio que queria um filme lucrativo e apelativo, mas acabou por ter nas mãos uma obra cronicamente incompreendida em que um cineasta de renome mundial decidiu cuspir na mera ideia de um génio artístico e todos os sistemas que suportam tal barbárie.




 07. CENAS DA VIDA CONJUGAL (1973)

Autópsia de um casamento.

Como é que é possível conhecer outra pessoa? De certo modo, a impossibilidade de conhecermos por completo alguém é a maior maravilha e maior horror da condição humana. Estamos todos sozinhos, destinados a não compreender os outros e não sermos compreendidos, sempre no desconhecido. Mesmo casados, mesmo passando anos juntos, partilhando tudo, há uma barreira que nos separa que vai muito além da separação física de dois corpos. Ao longo da segunda metade da sua carreira, Ingmar Bergman muito se interrogou sobre essas questões e, em “Cenas da Vida Conjugal” construiu talvez o melhor tratado cinematográfico sobre o assunto.

Filmado em 16mm na cidade Estocolmo e na ilha de Fårö, locais onde Bergman trabalhava e vivia, com Liv Ullmann, amante do cineasta, e Erland Josephson, usual representante simbólico do realizador dentro dos seus próprios filmes, “Cenas da Vida Conjugal” é um gesto um tanto ou quanto autobiográfico. Muitos dos melhores filmes de Bergman são claras exumações da sua vida, especialmente da infância, pelo que o filme não foge à regra. Contudo, há uma pequenez mesclada de grandiosidade que o destacam no cânone Bergman. O filme foi concebido ao mesmo tempo como uma obra de cinema e como uma minissérie, mas isso não explica totalmente a riqueza e densidade da obra que consegue detalhadamente documentar dez anos na relação em espiral destrutiva de um casal na Suécia contemporânea.

Quer seja o gesto autobiográfico, a dimensão exigida por um projeto televisivo ou somente a astúcia de dois dos melhores atores de sempre a darem duas das suas mais complexas prestações, este é um filme de dolorosa incisão. Observar o antagonismo dos dois protagonistas, as duas dinâmicas de poder, o afeto por entre a crueldade, o ódio por entre a vulnerabilidade, é um espetáculo sem igual. É um espetáculo de faces humanas a exporem tudo o que lhes vai na alma com mico expressões tornadas em gloriosos monumentos pela câmara do mais genial realizador de atores na história da sétima arte.




 06. A VERGONHA (1968)

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A guerra é o pesadelo que a humanidade imaginou e é também sua maior vergonha.

A guerra é um dos eternos temas da arte. Afinal, que melhor símbolo existe do poder destrutivo do ser humano que o conflito armado, que o impulso bélico, que a guerra? No entanto, muitos são os trabalhos que tendem ora a tornar a experiência em algo abstrato ou a edificar esse horror quase exclusivamente através daqueles diretamente envolvidos no combate. A uma primeira análise, “A Vergonha” de Ingmar Bergman parece ir cometer um destes erros. Sua história foca-se num casal de músicos a viver numa ilha escandinava abalada por uma guerra sem nome e parece que as únicas marcas do conflito são um eco simbólico.

Afinal, a relação entre a história de um casal em conflito e o conflito bélico é bastante óbvia a nível temático. O que destaca o esforço de Bergman é que aqui a guerra não é somente um símbolo, um reflexo do casal ou uma narrativa paralela. Em “A Vergonha”, a guerra e o drama humano são o mesmo e inseparáveis, pois tudo o que é tocado pela guerra se torna nesse horror de obra humana. O eco não é um apontamento temático, mas sim uma reverberação que tudo afeta, tudo transforma e destrói, como um terramoto apocalíptico ou uma doença virulenta. Como um ácido em estado líquido, a guerra tudo infiltra e corrói, desde a estabilidade social até aos mais íntimos aspetos da personalidade individual. Na sua passagem, nada fica incólume.

Por todas essas razões, assim como por um par de prestações assombrosas de Max von Sydow e Liv Ullmann e o tipo de primor formal típico de Bergman, “A Vergonha” representa aquela que é talvez a melhor narrativa psicológica sobre a guerra em cinema. Talvez o melhor de tudo é que o realizador não se deixou cair em confortos inapropriados, tendo mesmo excisado do texto os seus usuais monólogos e outras tantas explosões de verbalidade. Este é um filme de silêncios, de efeitos sonoros à distância, de gritos abafados e, quando alguém se deixa cair em ponderações mais típicas de Bergman, é para forçar o espectador a confrontar a sua própria cumplicidade com os horrores do mundo. A guerra é a maior invenção coletiva da humanidade e o seu maior pesadelo também. O que acontece quando quem concebeu tal inferno acorda e sente vergonha pelo que imaginou e trouxe ao mundo? Nem mesmo Bergman sabia responder a isto.




 05. FANNY E ALEXANDER (1982)

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Talvez o filme mais pessoal e acessível de Ingmar Bergman.

Ao longo da sua carreira, Ingmar Bergman havia de regressar ciclicamente aos mesmos temas, angústias e imagens, havendo muitas vezes um gesto autobiográfico no seu trabalho. Após uma leitura do livro “A Lanterna Mágica”, em que Bergman conta a história da sua vida, é impossível não ver em muitos dos seus mais célebres filmes o reflexo da sua juventude, especialmente da relação dele com seus pais. Tal condição nunca foi mais óbvia ou maravilhosamente integrada no trabalho do realizador que em “Fanny e Alexander”, uma espécie de variação poética de vários momentos na vida de Bergman sob a forma de uma história de família e a perspetiva das crianças, capazes de ver mistério e magia onde adultos somente perscrutam banalidade.

O filme, com o seu prólogo natalício e foco nas dinâmicas de uma família unida tanto por sangue como por genuíno afeto, é também o mais caloroso dos filmes de Bergman e talvez o seu mais acessível. Nem mesmo as comédias ocasionais se comparam a este épico, cuja componente pessoal traz uma intimidade palpável a todo o projeto. Nem mesmo as reproduções exatas de interiores pomposos do virar do século ou outros detalhes faustosos de cinema de época conseguem alienar o espectador ou dissipar o feitiço que Bergman lança sobre os seus espectadores. Se há uma obra para introduzir um espectador ao universo Bergman é esta, tanto pela sua acessibilidade como pela sua sintetização de tantos dos temas fétiche do cineasta, desde o antagonismo entre figuras paternas e seus filhos até à inevitabilidade da morte e a inexistência do divino.

Na época, houve muita massa crítica que viu este esforço como uma tentativa de tornar os temas do realizador aceitáveis para as massas, um fracasso de concessões artísticas e falta de severidade concetual. Tal censura, contudo, tem-se vindo a dissipar com os anos, e este épico histórico sobre imaginação e perda de inocência está finalmente a ser encarado como a obra-prima que é. Este sonho de infância violada pela perda e ameaçada pela severidade religiosa de um ditador é essencial no cânone Bergman e uma chave para se entender e descodificar muitos dos seus outros trabalhos mais claramente densos e difíceis de digerir, quase como uma Pedra Roseta entre a filmografia do sueco.




04. SONATA DE OUTONO (1978)

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Um caso de crueldade intolerável.

Ingrid e Ingmar Bergman foram talvez as duas figuras mais importantes na História do Cinema Sueco. Apesar dos seus apelidos, não eram família e, não obstante o seu estatuto, os dois apenas trabalharam juntos uma vez. Foi em 1978 e a obra foi “Sonata de Outono”, o último filme de Ingrid Bergman e aquele em que a atriz de “Casablanca” nos oferece a sua mais grandiosa e devastadora prestação. Também se trata de uma das obras mais emocionalmente cáusticas do realizador, uma tempestade de corações partidos, abandono e a necessidade nua e crua de amor e atenção que resulta numa experiência quase insuportável para o espectador.

Muito disso se deve, como é evidente, ao trabalho dos atores, cujos esforços conferem a todo o projeto uma atmosfera de intimidade tão imersiva como sufocante. Bergman, como já foi referido, é divina no papel de uma pianista envelhecida cujo companheiro de longa data morre e decide passar algum tempo com a filha que negligenciou durante toda a vida. No entanto, tão espetacular e infinitamente mais complicado é o trabalho de Liv Ullmann como a filha que passou anos a marinar no desejo de fazer sua mãe entender o mal que lhe fez. Predadora e vítima, Ullmann força Bergman a um canto e disseca-a em frente aos nossos olhos. É algo horrendo de ver, mas estranhamente necessário.

Concebido num dos períodos mais negros da vida pessoal e artística de Ingmar Bergman, “Sonata de Outono” é um hino à família cantado com crueldade e ódio. É uma viagem pelo inferno da alma em que residem demónios inconcebíveis até pelos mais horríficos filmes de terror. Trata-se de um filme que pulsa malignidade ao mesmo tempo que vibra com a humanidade de duas personagens tão bem construídas que parecem mais reais que a realidade. Olhando para o filme sem atenção seus tons outonais e composições elegantes podem esconder o seu veneno. No entanto, nem as mais belas paisagens e movimentos de câmara baléticos podem esconder por completo a brutalidade desta obra em que o realizador leva o espectador a um ringue de boxe emocional e o destrói com violência, sem piedade e somente a mais insubstancial sugestão de catarse imaginável.




 03. O SÉTIMO SELO (1957)

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A única certeza da vida é a morte.

Um cavaleiro medieval a jogar xadrez com a morte numa eterna tentativa de ganhar com o jogo mais uma chance de viver. Assim é a mais famosa imagem na filmografia de Ingmar Bergman, proveniente de “O Sétimo Selo”, talvez o filme mais responsável pela ideia generalizada do sueco como um cineasta de obras deprimentes sobre temas cosmicamente sérios. Enfim, essa noção pode não estar assim muito longe da verdade, mas é curioso que essa ideia venha tão associada a “O Sétimo Selo”, uma narrativa que, não obstante a presença constante de morte, peste e fanatismo religioso, é um dos filmes mais leves do cineasta.

Leve, pelo menos em termos da abordagem tomada por Bergman em relação ao desenvolvimento e concretização dos seus temas. Efetivamente, o filme acaba por ser uma espécie de odisseia ideológica rumo a lado nenhum, onde a única certeza é a impossibilidade de prever o comportamento humano a não ser no que diz respeito à constante pequenez espiritual das pessoas. Este é um mundo onde não há Deus ou ele está perdido no silêncio. No entanto há a Morte em forma de um homem vestido de negro a jogar com a humanidade. É um mundo onde não há esperança. É um mundo que podia ser desesperante, mas não o é, pois está cheio de vida.

No seu mais exemplar gesto de humanismo, Ingmar Bergman retrata toda a mesquinhez e ignorância do ser humano, mas também o celebra. Veja-se a nobreza do cavaleiro que representa toda a humanidade nessa mais solitária das batalhas. Aquela travada entre o individuo e a sua própria mortalidade. Veja-se a trupe de atores em fuga do seu fim. Veja-se todo um mundo a fugir do apocalipse que é inevitável, mas não tem de ser trágico. Quando o amanhecer vem, somos todos loucos a caminhar de mão dada sem outra direção que não a morte e o mundo continua a mover-se, connosco ou sem nós. É tão maravilhoso como assustador.




02. LÁGRIMAS E SUSPIROS (1972)

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Vermelho é a cor da alma.

Uma mulher está a morrer. Mais pela suposição social de dever fraternal do que por afeto, as suas duas irmãs, que se odeiam e a odeiam a ela, vêm auxiliar a mulher. Somente uma empregada se preocupa com a doente cujo corpo parece estar a apodrecer enquanto ela grita de agonia. Quatro mulheres numa casa vermelha, ódio, ressentimento, feiura humana e o cheiro fétido de um corpo no advento do fim, assim é “Lágrimas e Suspiros”, o mais impiedoso filme de Ingmar Bergman. Um filme que, se tivesse forma para além da sua condição em celulóide, seria um uivo de dor, um som asqueroso que nos sai do corpo e parece rasgar a garganta no seu caminho, que traz sangue à boca e nada faz para aliviar o sofrimento de quem o expele.

Bergman grita, o seu grito é o filme e também é o grito de Harriet Andersson na melhor personificação de angústia e a visceralidade frágil do corpo humano jamais posto em cinema. É que a vida é maravilhosa, mas desde que nascemos estamos condenados a morrer. O processo não é indolor, é uma tormenta em constante crescendo. Não há justiça nesta dinâmica. Por muito que religiões lhe tentem dar sentido, este é um horror sem razão e Bergman, grande humanista e questionador da ordem cósmica, revolta-se contra isso. Ele grita.

Não que este seja um filme feio. Com o seu vermelho pintalgado por figurinos pretos e brancos e devaneios por jardins solarengos, há algo de magistralmente belo neste exercício. Mas, como as prestações magistrais de Ingrid Thulin e Liv Ullmann, como as duas irmãs cheias de ódio, também esta elegância formal é doentia. Os grandes planos fazem de nós prisioneiros e, no final, o desespero toma posse de nós através desse miasma de vermelho, cor da alma, cor opressiva. Há quem acredite que Ingmar Bergman é um cineasta miserabilista e “Lágrimas e Suspiros” é o melhor exemplo disso mesmo. Ao mesmo tempo, é também das mais belas celebrações do milagre que é o ser humano na filmografia do sueco. É um paradoxo magnífico, é um sonho e um pesadelo, é um grito lacrimosos e um suspiro proferidos no mesmo instante, pelo mesmo corpo destinado a morrer.




 01. A MÁSCARA (1966)

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O maior mistério do cinema.

Ingmar Bergman é um realizador principalmente caracterizado por um formalismo glacial e uma panóplia de ideias de uma seriedade tão profunda que se tornam ora alienantes ou mistificantes. “A Máscara”, mais conhecido como “Persona” é o culminar de tudo isso. É também o suprassumo gesto desconstrutivo na História do Cinema. Um filme que delineia o colapso da identidade e da personalidade de duas mulheres face aos horrores inimagináveis de que o ser humano é capaz, assim como uma desfragmentação da linguagem cinematográfica e da própria noção de significado.

Afinal, como é que definimos tais ideias de identidade, do eu, do significado de um objeto? Este é um filme ou uma série de fotos em celulóide, reflexos de pessoas que já morreram e cuja condição temporária é sublinhada pelo próprio tratamento pouco ortodoxo da película? Não há modo de resolver “A Máscara” e é nesse mistério que reside o seu poder, sua densidade. É como se o filme fosse um buraco negro em que somos capazes de ver todo o reflexo do cinema e do pensamento, mas deturpados ligeiramente, de modo a que nos parece grotesco, perigoso, um milagre de incompreensão.

Tudo isto pode sugerir algo horrivelmente pretensioso e críptico, mas o filme não se propõe a tais conclusões. Afinal, a história de uma atriz misteriosamente muda e a enfermeira que se expõe de tal modo à sua paciente que a barreira que as separa enquanto pessoas parece esbater-se é estranhamente visceral. Não há alienação aqui, só humanidade crua e poderosa. Algo que transcende os píncaros de reflexão intelectual do filme e que eleva todo o projeto acima da sua condição enquanto ensaio. Esta é a máxima obra-prima do pós-modernismo em cinema, o melhor filme sobre cinema já feito e algo tão único e especial que o uso de quaisquer palavras para a sua descrição nos parece um exercício fútil. Perdoem-nos a futilidade e vão ver “Persona”.

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