"Le Mans '66: O Duelo" | © Big Picture Films

Le Mans ’66: O Duelo, em análise

Matt Damon e Christian Bale divertem-se num drama histórico sobre automobilismo e vontade de vencer. “Le Mans ’66: O Duelo” é o mais recente sucesso biográfico realizado por James Mangold.

Para um filme obcecado com velocidade, “Le Mans ’66: O Duelo” é bem vagaroso. Com mais de duas horas e meia de duração, esta é uma cinebiografia positivamente letárgica em termos de ritmo e estrutura. Parte do problema devém da fidelidade histórica do projeto, cuja narrativa verídica implica uma espécie de duplo arco de desenvolvimento cortado a meio pelo amargo advento do fracasso. Em termos práticos, o filme parece a colagem de dois filmes, cada um com três atos bem definidos, assim como um prólogo introdutório e epílogo funéreo a tentar dar peso emocional ao monstro de Frankenstein que é o guião.

Não querendo revelar demasiados spoilers (há spoilers quando se fala de factos históricos com mais de 50 anos?), fica aqui um sumário mais ou menos sucinto da película. “Le Mans ’66: O Duelo” apresenta-se como o conto de dois homens e duas companhias. Eles são os engenheiros e pilotos de corridas Carroll Shelby e Ken Miles, e as empresas em questão tratam-se da Ferrari e da Ford. Acontece que, a meio dos anos 60, as duas fabricantes de automóveis estavam em maus lençóis. Para a Ferrari era uma questão singularmente monetária, enquanto para a Ford se instalava uma crise de identidade e reputação. A colisão destes dois titãs e trocas de insultos mútuos levaram a uma competição de egos que se traduziu nas pistas de corridas.

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A Ford, depois de décadas a ser um zero à esquerda no circuito competitivo, fez da sua missão derrotar a perfeição engenheira da Ferrari, fazendo da corrida de 24 horas em Le Mans o principal ponto de tal combate. Em 1965, o antigo piloto Carroll Shelby foi posto à frente do projeto da Ford, propondo-se a resolver o desafio impossível de construir uma viatura Ford capaz de superar os Ferraris. Ao seu lado, estava o génio condutor e mecânico Ken Miles, cuja personalidade abrasiva o punha em conflito constante com os comités administrativos da companhia americana. Como se sugere acima, esta primeira desventura acabou sem glória, mas a Ford, Shelby e Miles voltaram em força no ano seguinte.

Essa é a história deste filme, que depreende que a audiência já se interesse por automobilismo. Para os não iniciados, alguma da paixão fervorosa das personagens será um tanto ou quanto difícil de entender. Pelo menos os atores trespassam o sentimento destes homens orgulhosos em busca de vitória, tornando entendível o seu entusiasmo mesmo quando a fonte da paixão permanece inefável. De certa forma, essa é uma escolha arriscada de James Mangold, enquanto realizador. Tonalmente, esta é uma obra que prefere apoiar-se num espetáculo de hiper competência do que em platitudes de melosa inspiração.

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Talvez por isso, os cineastas tenham esbarrado com a tentação de criar um antagonista primário. Como acontece com todas estas cinebiografias de estúdio, temos um burocrata enfadonho a cuspir maldade para apimentar o enredo. Infelizmente, o gesto da sua inclusão é tão perfuntório que ele só serve para evidenciar quanto “Le Mans ’66” depende de fórmulas bafientas. Não há nada de original na forma como Mangold e companhia abordam o tema ou este particular episódio histórico. Se a competência exaltada sugere que pode haver uma sombra de criatividade no horizonte, o cliché de individualismo a pingar de testosterona tende a ofuscar tais mais-valias. Os protagonistas podem descrever-se a si mesmos como diferentes e tudo o mais, mas o filme em que se inserem é convencional até dizer chega.

Como é evidente, o convencionalismo não é necessariamente algo mau. Com a sua elevação de Ford a estatutos heroicos contra a Ferrari, “Le Mans ’66” é o filme perfeito para celebrar a convenção através da máxima eficiência do seu engenho. Em termos rítmicos o filme vacila, a elaboração das personagens é débil e as suas motivações dependem de clichés, mas, quando a ação chega à estrada, a produção exalta-se em eficiência cinematográfica do mais alto nível. A grande sequência final da corrida de 24 horas é particularmente sensacional, exaltando os ânimos do espetador, até daqueles que já saibam a conclusão eventual do conflito.

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Não querendo fazer a apologia do tradicionalismo eficiente, há que reconhecer o mérito de tal abordagem. Tal como as personagens, o filme vive para o fulgor do carro de corrida, para a velocidade do momento. Por conseguinte, tudo o que rodeia esses picos de excitação acabam por empalidecer e parecer mais letárgicos do que realmente são. Se Mangold descura na exploração da psicologia das personagens, a sua abordagem enquanto criador de entretenimento audiovisual dá-nos a entender o estado mental desses homens do volante. É pouco original, não há dúvida, mas funciona apesar disso.

O que também funciona são os atores. O elenco secundário, na sua maioria, não tem muito que fazer e aqueles com os papéis mais carnudos saem-se bem. Só mesmo Noah Jupe se eleva acima da geral competência e brilha mais que os outros. Ele interpreta o filho de Ken Miles e sua sinceridade e claridade emocional servem de âncora ao espectador. Além disso, a sua química com Christian Bale é excelente. O veterano britânico, por seu lado, parece estar a divertir-se bem com o papel, sacrificando alguma complexidade interior em prol de uma caracterização arquetípica do génio incompreendido. Matt Damon, sempre de pastilha na boca, tem mais oportunidades para reagir com nuance e faz tudo para tornar Shelby num apto guia do espectador por este mundo de motores ferozes e corridas perigosas. Nas mãos destes dois intérpretes, “Le Mans ’66: O Duelo” é um sucesso de entretenimento.

Le Mans '66, em análise
Le Mans 66 O Duelo poster pt

Movie title: Ford v Ferrari

Date published: 15 de November de 2019

Director(s): James Mangold

Actor(s): Matt Damon, Christian Bale, Tracy Letts, Caitriona Balfe, Noah Jupe, Jon Bernthal, Josh Lucas

Genre: Ação, Biografia, Drama, 2019, 145 min

  • Cláudio Alves - 70
  • Rui Ribeiro - 90
  • Inês Serra - 70
77

CONCLUSÃO:

“Le Mans ’66: O Duelo” conta uma história de sucesso e competência, de luta contra adversidades e de glória mecânica. Matt Damon e Christian Bale lideram um elenco competente neste drama que é perfeitamente eficiente, mesmo que ocasionalmente cansativo. O guião não é grande espingarda, mas a realização exemplar durante as cenas de corrida compensa essas fragilidades.

O MELHOR: Bale, Damon e Jupe.

O PIOR: O antagonista burocrático é horrível e completamente desnecessário para a narrativa do filme.

CA

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